CULTURA
SEGUNDA-FEIRA,
21 JUL 2003
Crítica
Música
‘Big
band’ de Dave Holland foi enorme no CCB
DAVE HOLLAND BIG
BAND
LISBOA,
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
Sexta-feira,
21h.
Lotação
esgotada.
Foi grande a “big
band” de Dave Holland, na noite de sexta-feira, no Grande Auditório do Centro Cultural
de Belém, a encerrar da melhor forma, que é como quem diz, com jazz do mais
alto quilate, o XXII Estoril Jazz/Jazz num Dia de Verão. Com a sala a abarrotar,
até aos camarotes mais altos, como poucas vezes se viu no CCB.
O
grupo correspondeu e ultrapassou as expetativas, embora a perfeição, sobretudo por
motivos técnicos, não tivesse sido o limite. O músico americano, como se sabe,
sabe-a toda. O seu contrabaixo não conhece limitações. De alto a baixo, do granito
à nuvem, as cordas, a madeira, mãos, corpo, balanço e respiração formaram uma
entidade única, apenas música, nascida do silêncio para se fixar em beleza e proporção.
Afinação
quase sobrenatural, segurança só possível em quem, mais do que assimilou a
história, é parte integrante da própria história do jazz, garantiram a coluna e
a chama sobre os quais o coletivo funcionou. Holland dirigiu sem impor mas a
voz de comando fez-se sempre sentir. A manter a coesão do compasso sem lhe
proibir o sobressalto da surpresa, segurando o “swing” sem o apertar, mostrando
e sugerindo pistas, indicando aos músicos os caminhos a seguir sem lhes cortar
as asas da imaginação.
Antonio
Hart, no saxofone alto e na flauta, Gary Smulyan, no barítono e, musicalmente mais
evoluído, Chris Potter, no tenor, sobressaíram enquanto solistas do naipe de
metais. Sobretudo Potter, a dominar e a reinventar, de forma exemplar, as
voltas e contravoltas do “bop”. Ele, melhor do que ninguém, “libertou” e
estendeu os característicos arranjos de “big band”, como estão registados no novo
álbum”What Goes Around”, ao pegar nos modelos tradicionais e, a partir deles,
criar espaços de manobra alternativos, dando outras vozes e medidas ao som do
coletivo. Com Holland obviamente atento ao desenrolar dos acontecimentos e das
invenções.
Fulcral
na economia da mais recente fase do contrabaixista é – como já se percebera no
capítulo discográfico a partir de “Dream of the Elders”, de 1995 – a presença do
vibrafonista Steve Nelson, merecedor, no concerto de sexta, de um lugar à parte
no palco, separado dos outros músicos. Nelson é o contrapoder, o fabricante de timbres
de vidro e de cristal. O contrapontista com liberdade de intervir e decorar a
seu bel prazer, autorizado a transformar a “coisa séria” em diversão.
Infelizmente, se a marimba fez ouvir ao pormenor a leveza e o jogo, quase
infantil, do seu executante, já o vibrafone, timidamente amplificado, poucas vezes
deu oportunidade a que se confirmasse ao vivo todo o colorido tímbrico e frescura
rítmica que ressaltam de álbuns como “Points of View” ou “Not for Nothin’”, com
a ressalva de se tratar, nestes casos, de música para pequeno ensemble.
Ainda
no capítulo do ritmo, o “encore” “Shadow dance”, recortado de “What Goes
Around”, proporcionou um fabuloso diálogo entre o contrabaixo e a bateria de Billy
Kilson, com este a mostrar que a bateria também pode voar como um pássaro, num
solo todo ele construído sobre o afago nas peles e a edificação de uma
estrutura tão volátil como o ar e, no entanto, com a solidez de uma lei
irrefutável.
Quando
o jazz se oferece como se ofereceu neste concerto, em noite para recordar por
muitos anos, acredita-se que a vida é para se viver de fio a pavio. Com a
força, a crença, a complexidade e ao mesmo tempo a simplicidade e, porque não
dizê-lo, a paixão, iguais aos da grande banda de Dave Holland.
EM RESUMO
O melhor A musicalidade e a criatividade
espantosas de Dave Holland, transpostas para as funções de líder de grande
orquestra
O pior A amplificação, demasiado tímida,
do vibrafone de Steve Nelson
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