1|AGOSTO|2003 Y
discos|roteiro
neil young
um reator na praia
NEIL YOUNG
On the Beach
9|10
American Stars ‘n Bars
8|10
Hawks and Doves
7|10
Re.ac.tor
7|10
Reprise, distri. Warner
Music
Quatro
álbuns que permaneciam até agora sem prensagem em CD estão finalmente
disponíveis em versões remasterizadas. De audição obrigatória para quem quiser
conhecer o mosaico completo da obra de um dos grandes compositores americanos
dos nossos dias. “On the Beach”, de 1974, é de abocanhar imediatamente. A par
de “After the Goldrush”, “Tonight’s the Night” e “Zuma”, é um dos clássicos do
“singer songwriter” canadiano. Um daqueles álbuns que nos faz ter fé no
rock‘n’roll. Nele Neil Young volta-se do avesso, expõe-se, morde e lambe as
feridas, indo direito ao coração latejante dos “blues”. É aqui que a sua alma
se revolve e a sua dor se sublima. Ou, como lhe chamou a revista Rolling Stone,
“um dos álbuns mais desesperados da década”. Quando qualquer meia-leca
cambaleante agarrado a uma garrafa de whisky e a uma guitarra meio desafinada
no barracão da “alternative country” passa por herói, é bom recordar “the real
thing” e dar o prémio a quem palmilhou durante décadas as estradas e o pó de
uma existência sem lar. “See the sky above the rain”, “Revolution blues”, a
transplantação de medula das origens do rock para assegurar a nossa
sobrevivência interior que é “For the turnstilles”, “Vampire blues” e a sua
bebedeira de sangue e a caminhada solitária sobre o fio da navalha “Ambulance
blues”, um épico do genuíno “country” ou “folk alternativo” para adultos,
infiltram-se como chuva na roupa, fazem-nos os olhos vítreos, tornando-nos
incapazes de qualquer reação que não seja a rendição total. Faz um ataque aos
críticos, faz um ataque aos homens. A praia está deserta e Neil Young está voltado
de frente para o mar.
“American Stars ‘n Bars”, de 1977, é
declaradamente “country”, a cavalo nas “slide guitars” e em melodias que refletem
a amargura e os dramas da América profunda. Valsas de celeiro, “barrel rock”,
uma maneira de contar e de balançar as histórias que pode sugerir o filme desse
outro americano em carne viva chamado Stan Ridgway. E se “Hey babe” não esconde
ser a enésima variação da típica “melodia frágil” do autor, “Bite the bullet” é
dos melhores momentos de raiva rock que o canadiano já nos ofereceu. Os colecionadores
de clássicos saberão reconhecer “Like a hurricane”, com os seus ecos e efeitos
atmosféricos, harmonias vocais psicadélicas, um vibrafone e a elegância
sonhadora dos Crosby, Stills, Nash & Young.
“The old homestead”, “Lost in space” (os Byrds não
encontrariam um título melhor) e “Captain Kennedy”, arrancado da espinha dorsal
da folk, são algumas das melodias encantatórias de “Hawks & Doves”, álbum
de 1980 pouco mencionado na discografia do autor que sucede ao luciferino “Rust
never sleeps” e, talvez por isso, não ferve em tão pouca água. Sem grandes
explosões de catarse, contém canções de uma beleza aérea e “country folk” com o
violino de Rufus Thibodeaux em destaque, servida em formato mais adequado às
pretensões da rádio FM, incluindo o Dyloniano “Union man”.
“Re.ac.tor” (a reação do ator?), de 1981, com os
Crazy Horse, liga-se à corrente do “rhythm‘n’blues” (“Get back on it”,
curiosamente tão “laidback” como “Get back” dos Beatles…), tem compassos e
palmas “new wave” (“Southern pacific” mostra tudo o que dá vida a um tema dos
Talking Heads), harmonias vocais e guitarras a fazerem lembrar o “Station to
Station”, de Bowie, numa série de automatismos rítmicos que preparavam o terreno
para a inesperada incursão nos terrenos da pop eletrónica que daria origem,
dois anos mais tarde, a “Trans”. Para arrasar, “Re.ac.tor” ainda arranja forças
para o rock bélico de “Shots”, com tiros e explosões e, uma vez mais, batida
cem por cento Talking Heads. Sem defesa possível.
Sem comentários:
Enviar um comentário