CULTURA
SEXTA-FEIRA,
18 JULHO 2003
Dave Holland
Um contrabaixista
nas alturas
CONCERTOS EM LISBOA E COIMBRA
Dave Holland, um
dos mais notáveis contrabaixistas do jazz contemporâneo, traz a sua “big band”
a Portugal. Participante da “Conferência dos Pássaros”, voará hoje e amanhã em
formação cerrada
Houve
Scott LaFaro. Houve Ray Brown. Há Dave Holland. E haverá poucos mais
contrabaixistas como este inglês que aos 22 anos foi convidado para entrar para
a banda de Miles Davis, a tempo de gravar as obras-primas "In a Silent
Way" e "Bitches Brew".
Dos
mais importantes músicos de jazz da atualidade, Dave Holland atua hoje em
Lisboa e amanhã em Coimbra, acompanhado pela sua “big band”, o primeiro destes
concertos a fechar o festival Estoril Jazz/Jazz num Dia de Verão.
Comparado a Scott LaFaro, na
técnica, afinação e musicalidade sem mácula, Holland construiu um império que
praticamente dominou não só o jazz inglês dos anos 60 e 70 como a cena
internacional composta pelos nomes mais sonantes. Holland é o “Sr. contrabaixo”
e, presentemente, líder de uma “big band” cuja música reflete e prolonga todas
as virtudes que o caracterizam como solista. Bastaria escutar o álbum “What
Goes Around”, um dos grandes discos de jazz editados no ano passado, para
afastar quaisquer dúvidas que ainda pudessem subsistir e correr a reservar um
lugar nos concertos.
Encontram-se na música de Holland a
elegância e o espírito de inovação que são timbre
do
jazz inglês (que, no final dos anos 60, nutria uma especial predileção por uma espécie
de aliança anímica com o rock, o que terá constituído motivo adicional da
sedução exercida sobre o Miles Davis do período “jazzrock”), a par de uma
plasticidade e capacidade de compreender e sentir o ritmo que pertencem tanto
ao arquiteto como ao melodista (algo apenas possível, de resto, tendo como base
um profundo sentido da harmonia...). Em poucas palavras: um músico completo.
Natural de Wolverhampton, onde
nasceu há 57 anos, Dave Holland estudou guitarra, depois baixo, passando
finalmente para o contrabaixo. Antes do convite de Miles Davis já cumprira uma
intensa fase de assimilação, quer da música de câmara, na Guildhall School of
Music and Drama, quer do jazz clássico, integrando as formações de Ronnie Scott
e Tubby Hayes.
Terá sido, aliás, no mítico clube
londrino de Ronnie Scott que o trompetista o descobriu, integrando-o de
imediato no seu grupo. E se as crónicas referem o feito de, com apenas 22 anos,
já ter o seu nome inscrito na ficha técnica de “Filles de Kilimanjaro”, convirá
não esquecer que nesse mesmo ano de 1968 Holland era um dos participantes de
uma das mais importantes formações da “free music” inglesa dessa década, os
Spontaneous Music Ensemble, com quem gravou o seminal “Karyobin”, ao lado de
Kenny Wheeler, Evan Parker, Derek Bailey e John Stevens.
A fidelidade a Miles manteve-se
durante dois anos, entre 1968 e 1970, dando origem, além dos álbuns já citados,
a “Circle in the Round”, “Big Fun”, “Live-Evil, “Black Beauty” e “At Fillmore”.
Depois disso, Dave Holland nunca mais parou de marcar encontro com a glória,
ajudando a erguer um dos condomínios abertos mais seguros e sólidos do jazz contemporâneo.
Um pássaro na ECM
Mal
abandonou a formação do trompetista, formou outro grupo de particular
relevância para a música improvisada, os Circle, com Chick Corea, Barry
Altschul e Anthony Braxton, ficando desta formação o álbum “Paris-Concert”. Corea
sairia entretanto, entrando para o seu lugar o mago dos sopros Sam Rivers.
Estava reunido o “line up” que escreveria
uma das obras-chave do jazz dos anos 70, “Conference of the Birds”, editado em
1973 na então ainda jovem editora ECM de Manfred Eicher. Holland, o pássaro,
num dos seus voos a maior altitude. Na mesma altura tocou com Stan Getz.
E pela ECM ficou até aos dias de
hoje, encontrando na editora alemã o espaço e o som que melhor se adaptaram à
sua necessidade de perfeccionismo. O catálogo está repleto de trabalhos seus, a
solo, em pequeno grupo ou, mais recentemente, em “big band”: “Emerald Tears”
(1977, em contrabaixo solo), “Life Cycle” (1982, violoncelo solo), “Jumpin’ in”
(1983, sexteto com Julian Priester, Kenny Wheeler, Robin Eubanks, Steve Coleman
e Steve Ellington), “Seeds of Time” (1984), “The Razor’s Edge” (1987),
“Triplicate” (1988, já com Jack DeJohnette, com quem formaria, a par de John
Abercrombie, uma das notáveis formações da ECM, os Gateway), “Extensions” (1989),
“Dream of the Elders” (1995, a assinalar uma mudança na sonoridade a que não é alheia
a presença marcante do vibrafonista Steve Nelson), “Points of View” (1997),
“Not for Nothin’”(2001) e “What Goes Around” (2002), entre outros.
Na década de 80 Holland levou o seu
contrabaixo um pouco a todo o jazz, acrescentando nomes como Elvin Jones, Joe
Henderson, Gary Burton, Roy Haynes e Joe Lovano a uma lista da qual já
constavam os (ainda não citados) de John Surman, John McLaughlin, Stan Tracey,
Paul Bley, Alexis Korner, Carla Bley, Dave Liebman, Lee Konitz, Colin Walcott,
Leroy Jenkins, George Adams, Bennie Wallace, Franco Ambrosetti, Billy Hart,
Steve Lacy e Don Cherry. A ECM, de certa forma, pertence-lhe...
É esta lenda viva e atuante do jazz
que Lisboa e Coimbra poderão desfrutar e aplaudir, a liderar uma “big band” de
13 elementos onde avultam as presenças de Antonio Hart (saxofone alto e
flauta), Chris Potter (saxofone tenor), Robin Eubanks (trombone) e Steve Nelson
(vibrafone). A música soará nas alturas.
Dave Holland Big
Band
LISBOA
Centro Cultural de Belém (Grande Auditório). Tel.: 213612400. Hoje, às 21h.
Bilhetes
entre 5 e 25 euros.
COIMBRA
Pátio da Universidade. Tel.: 239718238. Amanhã, às 21h30.
Bilhetes
a 15 euros.
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