07/10/2019

Jazz num dia de Verão [Wayne Shorter]


CULTURA
SÁBADO, 12 JUL 2003

Wayne Shorter segue as pegadas da alegria

JAZZ NUM DIA DE VERÃO

Wayne Shorter, “hardbopper” nos Jazz Messengers, pioneiro da música de fusão com Miles Davis e nos Weather Report, atua hoje no Estoril. Com a marca de álbuns como “Footprints Live!” e do novo “Alegria”

Prestes a completar 70 anos, Wayne Shorter é um daqueles saxofonistas cuja sonoridade, feita de múltiplos sabores, apetece mastigar. Quem quiser, pode fazê-lo hoje mesmo, no concerto que encerra mais um módulo do festival Estoril Jazz/Jazz num Dia de Verão.
            Wayne Shorter tocará no Estoril saxofones tenor e soprano, a liderar um quarteto formado por Danilo Perez (piano), John Patitucci (contrabaixo) e Brian Blade (bateria). Grande música em perspetiva. Jazz puro prazer do ato de tocar e de criar.
            Equilibrado entre a tradição do "bop" e a improvisação mais livre, Wayne Shorter evoluiu do fraseado longo, no limite da obsessão, característico de John Coltrane, para modulações mais "redondas", de acordo com uma sensibilidade que, tendo passado e marcado indelevelmente o "jazzrock" e a música de fusão, através dos Weather Report (provavelmente o grupo que melhor assimilou e transformou as heterodoxias arremessadas pelo Miles Davis elétrico), soube contornar a inércia e o cliché.
            No ano passado, e ultrapassadas algumas vicissitudes que, inclusive, obrigaram a uma paragem de uma década numa carreira brilhante, a edição de "Footprints Live!" (depois disso já gravou "Alegria"), nomeado para um Grammy na categoria de "melhor álbum de jazz instrumental", repôs o seu nome no lugar a que tem direito: dos mestres.
            Embora seja sobretudo conhecido pela sua participação nos Weather Report, grupo com o qual gravou, nos anos 70, obras seminais da música de fusão como "I Sing the Body Electric", "Sweetnighter" e "Mysterious Traveller", a par dos mais comerciais "Black market", "Heavy Weather", "Mr. Gone" e "Night Passage", Shorter desempenhara já um papel fulcral na ortodoxia do jazz.
            Depois de ensaios prévios ao lado do pianista "hard" Horace Silver, frequentou duas das escolas que mais alunos diplomados com distinção forneceu ao jazz moderno: os Jazz Messengers, de Art Blakey (tocou nos clássicos "Mosaic" e "Free for all"), oficina oficial do "hard bop", e a máquina de Miles Davis, com quem partilhou os louros de álbuns quintessenciais na obra deste trompetista como "E.S.P.", "Miles Smiles", "In a Silent Way" e "Bitches Brew", tendo, inclusive, composto temas que viriam a tornar-se "standards", tais como "Footprints" e "Nefertiti".
            No decorrer de uma das décadas mais produtivas da sua carreira, os anos 60, já a solo, assinou trabalhos que se tornariam referência para as gerações vindouras: "Juju", "Speak no Evil", "The Soothsayer" e "Adam's Apple", entre outros, indiciadores da direção que a sua música viria a tomar na década seguinte, com os Weather Report (que deram um espantoso concerto dado em Portugal por este grupo na década de 80, no pavilhão da FIL, em Lisboa). Com eles, e ao lado de "fusionistas" de classe incontestável como Joe Zawinul, Miroslav Vitous, Airto Moreira, Tony Williams, Peter Erskine e Mino Cenelu, desenvolveu um estilo e fraseado particulares, nomeadamente no saxofone soprano, por vezes adaptado a "gadgets" eletrónicos ou prolongando-se no Lyricon, instrumento de sopro inteiramente eletrónico que pode ser manipulado através de tecnologia MIDI.
            O público e a crítica, seduzidos pela simbiose entre o jazz e o rock, rendeu-se a Wayne Shorter e a revista "Downbeat" distinguiu-o ao longo de 15 anos consecutivos como melhor saxofonista soprano.
            Paralelamente aos Weather Report, Shorter integrou os V.S.O.P., superbanda dirigida por Herbie Hancock (espécie de parente espiritual seu e igualmente um dos gurus do jazzrock) onde pontificavam Freddie Hubbard, Eddie Henderson, Julian Priester, Bennie Maupin, Ron Carter e Tony Williams.
            Finalmente, o rock, de tanto conviver com o jazz, pedindo-lhe conselhos mas também tentando enriquecê-lo através de um processo de polinização, atraiu Wayne Shorter para o estúdio para gravar com Joni Mitchell e os Steely Dan, o mesmo acontecendo com o brasileiro Milton Nascimento e o cantor italiano Pino Danielle.
            "Footprints Live!", primeiro álbum ao vivo da sua discografia, repôs as coisas no lugar certo, devolvendo o saxofonista aos capítulos nobres da Grande História do Jazz. Nem "in", nem "out of the tradition", mas inserido num lugar próprio, onde a música nasce sem fronteiras, com as cores vivas do mundo que a cada instante nasce e se renova.
            Em "Alegria", lançado já este ano, a música de Wayne Shorter estende-se a um tradicional céltico, a uma obra do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos, inspirada em Bach, e a um tema de música popular espanhola, procurando satisfazer a necessidade, diz, de prosseguir "um processo de aprendizagem continua" que lhe permita "libertar-se" dos lugares-comuns de uma linguagem estereotipada, ao mesmo tempo que se propõe "expressar a eternidade nas suas composições".

Wayne Shorter Quartet
ESTORIL Auditório do Parque Palmela
Às 21h30. Bilhetes de 15 a 20 euros



Canção da rádio com outro francês

Depois de Louis Sclavis, com quem gravou, no ano passado, o álbum “Rádio Song”, um dos melhores discos produzidos em Portugal em 2002, o contrabaixista Carlos Barretto convidou de novo um músico francês, o também saxofonista François Corneloup, para colaborar com o seu trio, composto por Mário Delgado (guitarra) e José Salgueiro (bateria).
É esta formação que hoje à noite atua na Fundação Serralves, no Porto, prosseguindo a programação do festival Jazz no Parque. Antes de “Rádio Song”, o trio já lançara “Suite da Terra” (1998) e “Silêncios” (2000), a par de um “Solo Pictórico” da inteira responsabilidade do contrabaixista.
Etapas prévias de um caminho que, de modo decidido, aponta para uma música universalista que, de forma magnífica, equaciona os cânones da tradição dentro de um enquadramento mais vasto onde o jazz permanece a “swingar” no âmbito de um “blues” em definitivo transfigurado e a presença de um saxofonista é assumida, pelo trio, como uma quarta coordenada instrumental absolutamente necessária para o seu desenvolvimento.

Carlos Barretto Trio c/François Corneloup
PORTO
Fundação Serralves
Às 21h30.
Tel. 226156500.
Bilhetes de 10 euros

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