CULTURA
SÁBADO, 12 JUL 2003
Wayne Shorter segue as pegadas da
alegria
JAZZ NUM DIA DE VERÃO
Wayne Shorter, “hardbopper” nos Jazz
Messengers, pioneiro da música de fusão com Miles Davis e nos Weather Report,
atua hoje no Estoril. Com a marca de álbuns como “Footprints Live!” e do novo
“Alegria”
Prestes a completar 70 anos,
Wayne Shorter é um daqueles saxofonistas cuja sonoridade, feita de múltiplos
sabores, apetece mastigar. Quem quiser, pode fazê-lo hoje mesmo, no concerto
que encerra mais um módulo do festival Estoril Jazz/Jazz num Dia de Verão.
Wayne
Shorter tocará no Estoril saxofones tenor e soprano, a liderar um quarteto
formado por Danilo Perez (piano), John Patitucci (contrabaixo) e Brian Blade
(bateria). Grande música em perspetiva. Jazz puro prazer do ato de tocar e de
criar.
Equilibrado
entre a tradição do "bop" e a improvisação mais livre, Wayne Shorter
evoluiu do fraseado longo, no limite da obsessão, característico de John
Coltrane, para modulações mais "redondas", de acordo com uma sensibilidade
que, tendo passado e marcado indelevelmente o "jazzrock" e a música
de fusão, através dos Weather Report (provavelmente o grupo que melhor
assimilou e transformou as heterodoxias arremessadas pelo Miles Davis elétrico),
soube contornar a inércia e o cliché.
No
ano passado, e ultrapassadas algumas vicissitudes que, inclusive, obrigaram a
uma paragem de uma década numa carreira brilhante, a edição de "Footprints
Live!" (depois disso já gravou "Alegria"), nomeado para um
Grammy na categoria de "melhor álbum de jazz instrumental", repôs o
seu nome no lugar a que tem direito: dos mestres.
Embora
seja sobretudo conhecido pela sua participação nos Weather Report, grupo com o
qual gravou, nos anos 70, obras seminais da música de fusão como "I Sing
the Body Electric", "Sweetnighter" e "Mysterious
Traveller", a par dos mais comerciais "Black market",
"Heavy Weather", "Mr. Gone" e "Night Passage",
Shorter desempenhara já um papel fulcral na ortodoxia do jazz.
Depois
de ensaios prévios ao lado do pianista "hard" Horace Silver,
frequentou duas das escolas que mais alunos diplomados com distinção forneceu
ao jazz moderno: os Jazz Messengers, de Art Blakey (tocou nos clássicos
"Mosaic" e "Free for all"), oficina oficial do "hard
bop", e a máquina de Miles Davis, com quem partilhou os louros de álbuns
quintessenciais na obra deste trompetista como "E.S.P.", "Miles
Smiles", "In a Silent Way" e "Bitches Brew", tendo,
inclusive, composto temas que viriam a tornar-se "standards", tais
como "Footprints" e "Nefertiti".
No
decorrer de uma das décadas mais produtivas da sua carreira, os anos 60, já a
solo, assinou trabalhos que se tornariam referência para as gerações vindouras:
"Juju", "Speak no Evil", "The Soothsayer" e
"Adam's Apple", entre outros, indiciadores da direção que a sua
música viria a tomar na década seguinte, com os Weather Report (que deram um
espantoso concerto dado em Portugal por este grupo na década de 80, no pavilhão
da FIL, em Lisboa). Com eles, e ao lado de "fusionistas" de classe
incontestável como Joe Zawinul, Miroslav Vitous, Airto Moreira, Tony Williams,
Peter Erskine e Mino Cenelu, desenvolveu um estilo e fraseado particulares,
nomeadamente no saxofone soprano, por vezes adaptado a "gadgets"
eletrónicos ou prolongando-se no Lyricon, instrumento de sopro inteiramente eletrónico
que pode ser manipulado através de tecnologia MIDI.
O
público e a crítica, seduzidos pela simbiose entre o jazz e o rock, rendeu-se a
Wayne Shorter e a revista "Downbeat" distinguiu-o ao longo de 15 anos
consecutivos como melhor saxofonista soprano.
Paralelamente
aos Weather Report, Shorter integrou os V.S.O.P., superbanda dirigida por
Herbie Hancock (espécie de parente espiritual seu e igualmente um dos gurus do
jazzrock) onde pontificavam Freddie Hubbard, Eddie Henderson, Julian Priester,
Bennie Maupin, Ron Carter e Tony Williams.
Finalmente,
o rock, de tanto conviver com o jazz, pedindo-lhe conselhos mas também tentando
enriquecê-lo através de um processo de polinização, atraiu Wayne Shorter para o
estúdio para gravar com Joni Mitchell e os Steely Dan, o mesmo acontecendo com
o brasileiro Milton Nascimento e o cantor italiano Pino Danielle.
"Footprints
Live!", primeiro álbum ao vivo da sua discografia, repôs as coisas no
lugar certo, devolvendo o saxofonista aos capítulos nobres da Grande História
do Jazz. Nem "in", nem "out of the tradition", mas inserido
num lugar próprio, onde a música nasce sem fronteiras, com as cores vivas do
mundo que a cada instante nasce e se renova.
Em
"Alegria", lançado já este ano, a música de Wayne Shorter estende-se
a um tradicional céltico, a uma obra do compositor brasileiro Heitor
Villa-Lobos, inspirada em Bach, e a um tema de música popular espanhola,
procurando satisfazer a necessidade, diz, de prosseguir "um processo de
aprendizagem continua" que lhe permita "libertar-se" dos
lugares-comuns de uma linguagem estereotipada, ao mesmo tempo que se propõe
"expressar a eternidade nas suas composições".
Wayne Shorter Quartet
ESTORIL Auditório do Parque
Palmela
Às 21h30. Bilhetes de 15 a 20 euros
Canção da rádio com outro francês
Depois de Louis Sclavis, com quem gravou, no ano passado, o álbum “Rádio
Song”, um dos melhores discos produzidos em Portugal em 2002, o contrabaixista Carlos
Barretto convidou de novo um músico francês, o também saxofonista François Corneloup,
para colaborar com o seu trio, composto por Mário Delgado (guitarra) e José Salgueiro
(bateria).
É esta formação que hoje à noite atua na Fundação Serralves, no Porto, prosseguindo
a programação do festival Jazz no Parque. Antes de “Rádio Song”, o trio já
lançara “Suite da Terra” (1998) e “Silêncios” (2000), a par de um “Solo
Pictórico” da inteira responsabilidade do contrabaixista.
Etapas prévias de um caminho que, de modo decidido, aponta para uma
música universalista que, de forma magnífica, equaciona os cânones da tradição dentro
de um enquadramento mais vasto onde o jazz permanece a “swingar” no âmbito de um
“blues” em definitivo transfigurado e a presença de um saxofonista é assumida,
pelo trio, como uma quarta coordenada instrumental absolutamente necessária para
o seu desenvolvimento.
Carlos Barretto Trio c/François Corneloup
PORTO
Fundação Serralves
Às 21h30.
Tel. 226156500.
Bilhetes de 10 euros
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