21 JUNHO 2003
JAZZ
DISCOS
A
liberdade e a igualdade entre os homens, segundo John Surman, estendem-se ao
jazz que se faz hoje na Europa. Da Inglaterra à Escandinávia, mudam-se os sons
e troca-se de lugares.
O
inglês romântico
Começou por ser um dos avatares do novo
jazz inglês dos anos 60/70, como elemento dos revolucionáros Trio e, a solo,
assinando clássicos como “How Many Clouds Can you See?”, “Tales of the
Algonquin” e “Westering Home” (fusão pioneira com ambiências célticas). A
entrada para a ECM assinalou o início de um percurso que fazia a síntese entre
a escola minimalista, a eletrónica e o jazz ambiental, numa série extensa de
obras entre as quais se incluem “Upon Reflection”, “The Amazing Adventures of
Simon Simon”, “Such Winters of Memory”, “Witholding Pattern”, “Private City” e
“Road to St. Ives”.
Coincidindo
com o abandono do sintetizador, instrumento que de início funcionou como
principal elemento estruturador das sequências repetitivas mas que,
progressivamente, se veio a revelar limitador de um discurso mais amplo, Surman
encetou um percurso de regresso a um jazz, se não mais standardizado, pelo
menos adequado a formatos instrumentais mais clássicos, fase de que é exemplar
o álbum “Adventure Playground”, já dos anos 90.
Através
da criação do coletivo The Brass Project (com John Warren) assiste-se a uma
consequente ênfase numa escrita mais vasta, para big band, de que “Proverbs and
Songs” e “Coruscating” tinham constituído já magnífica amostra. O novo “Free
and Equal”, inspirado na Declaração dos Direitos Humanos, decretada pelas
Nações Unidas em 1948, e gravado ao vivo no Queen Elizabeth Hall, em Londres,
no concerto de abertura do Festival de Meltdown (de que Robert Wyatt foi o
programador), reúne Surman (nos habituais saxofones soprano e barítono e
clarinete baixo), Jack DeJohnette (bateria e piano) e a orquestra de metais
London Brass, reatando-se deste modo uma colaboração entre estes dois músicos
que remontava, no contexto da música de câmara, a um trabalho conjunto com os
Balanescu Quartet.
“Free
and Equal” alterna sequências instrumentais majestosas – por vezes
timbricamente próximas das conceções de Carla Bley e Michael Mantler
(“Groundwork”, “Sea change”), também de Michael Gibbs, ou completamente
imbuídas do espírito do barroco e do pré-barroco (sendo que o reportório da
London Brass tem em Gabrielli um dos seus compositores emblemáticos), como
“Back and Forth”, onde também afloram as frases melódicas e o romantismo
característicos de Surman, bem como o espírito de um Michael Nyman, em qualquer
caso em sintonia com uma inequívoca “britishness” – e secções improvisadas. O
equilíbrio ou, parafraseando o título, a liberdade e igualdade de direitos,
entre ambas as vertentes é perfeito. Da escrita e texturas de banda larga com
os diálogos mais soltos entre os dois solistas. Entre Surman, o melodista
inesgotável (“Debased line” não é uma linha, é uma estrela), e DeJohnette, o
“cantor” de ritmos. Notável.
Recolhamo-nos
agora ao mais clássico dos clássicos formatos do jazz, o trio piano/contrabaixo/bateria,
com John Taylor (piano), Marc Johnson (contrabaixo, o homem dos Bass Desires),
Joey Baron (bateria, Mr. Downtown), em “Rosslyn”. Companheiro de Surman nos
anos de descoberta e aventura da “free music” inglesa, no fantástico “Pause, and
Think again”, fundador dos Azimuth, Taylor possui a introspeção de Paul Bley, a
intuição melódica de Jarrett e uma parte da alma moldada por Bill Evans.
“Rosslyn” oferece, em conformidade, o tom contemplativo e a nostalgia mas
também a firmeza. E o impressionismo em desenho “new age” (não é um disco da
Windham Hill mas quase parece...), no dulcíssimo título-tema.
Periodicamente
o jazz escandinavo marca presença na ECM, desta feita ainda sob a égide do trio
piano/contrabaixo/bateria, respetivamente às ordens de Tord Gustavsen, Harald
Johnsen e Jarle Vespestad. “Changing Places” reforça a tecla Bill Evans de
“Rosslyn”. São jardins e salões abandonados no fim das férias de Verão.
Lembranças gravadas na areia que a maré apaga. O tempo e paixões esvaídas no eco
de palavras imprecisas. Fica-se em silêncio, a escutar “Changing Places”, em
lugares que geralmente associamos a canções.
Outra
das marcas inconfundíveis da editora de Manfred Eicher, evidenciada sobretudo
ao longo da última década, é uma abordagem classizante, mais ou menos regada
por elementos étnicos, estética que, vinda destas latitudes, teve em Jan
Garbarek e Edward Vesala os precursores. As “Sofienberg Variations” do
Christian Wallumred Ensemble – Christian Wallumred (piano e “harmonium”), Nils
Økland (violino, “hardanger fiddle”), Arve Henriksen (trompete) e Per Oddvar
Johansen (bateria), com o convidado Trygve Seim (saxofone tenor) – representam
a variante mais académica e sisuda do género, sem a luminosidade de um Terje
Rypdal nem o humor de um Vesala, o que pode significar algum aborrecimento.
Formalmente interessantes, falta fulgor a estas sarabandas, “small pictures” e
uma “liturgia” com algo de messiaenico... Está certo que deve haver respeito
quando se reza e estas “Sofienberg Variations” até conseguem fazer-nos ajoelhar
quando o seu ofício verdadeiramente se aproxima do arrepio do Sagrado, como em
“Psalm”, algures já no território sacro de uns Hilliard Ensemble. Mas manter a
concentração e a elevação não significa esquecer o deslumbramento, o espanto e
o riso que o contacto com transcendência também provoca. Aspeto em que estas
variações variam pouco.
JOHN SURMAN
Free
and Equal
8 | 10
JOHN TAYLOR, MARC JOHNSON, JOEY BARON
Rosslyn
8 | 10
TORD GUSTAVSEN TRIO
Changing
Places
7 | 10
CHRISTIAN WALLUMRED ENSEMBLE
Sofienberg
Variations
7 | 10
Todos ECM, distri. Dargil
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