DESTAQUE
SEGUNDA-FEIRA, 29 SET 2003
Rolling Stones: o
mito comprovou-se num concerto arrasador
São, de facto, eternos e provaram-no em
Coimbra, num concerto memorável. O mito continua vivo e de carne e osso. Os
Rolling Stones são o rosto perene do rock ‘n’ roll
Parece
incrível, mas é verdade. Treze anos volvidos sobre o primeiro concerto dos
Stones em Portugal, a banda de Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ron
Wood está mais poderosa do que nunca, oferecendo às 45 mil pessoas que no
sábado se deslocaram ao novo estádio municipal de Coimbra uma atuação onde o
rock puro e duro e a energia ultrapassaram os níveis do espetáculo de 1990. “Um
concerto mais próximo do verdadeiro espírito do grupo”, em oposição aos
“bonecos, manierismos e excesso de efeitos” dessa altura, na opinião de Pedro
Branco, uma dos mais ferrenhos fãs portugueses dos Stones.
Foi, numa palavra, arrasador. Mick
Jagger e os seus companheiros, ficou definitivamente provado, não têm idade.
“Rockam” como putos e o mais espantoso de tudo é que parecem sinceros quando,
volvidas quatro décadas de carreira, continuam a inflamar-se ao interpretarem
canções tão antigas como “Paint it black” ou “(I can’t get no) satisfaction”.
“Brown sugar”, empacotada num rock
‘n’ roll em combustão, abriu o concerto, pondo de imediato todos em sentido.
“Estes gajos não brincam em serviço”, terão pensado os mais incrédulos. Seguem-se “Start me up” e “You got me rockin’”, não
menos abrasivos. Jagger saúda em português a multidão: “Olá Coimbra, olá
Portugal, é bom estar de volta!”. “Don’t stop”, canção recente, é a exceção num
concerto de clássicos, que prossegue com “Angie”, iluminada pela luz dos
isqueiros e, de regresso à linha dura, “You can’t Always get what you want”.
“Miss you” e “Tumbling dice” antecedem a apresentação dos músicos em palco e
Jagger aproveita para descansar, oferecendo o microfone a Keith Richards, que canta
“Slipping away” e “Happy”. Depois, bem... depois, as almas mais sensíveis devem
ter corado ao sentirem-se atraídas pelo inferno. “Sympathy for the devil”
acende-se num mar de vermelho, sob as labaredas que irrompem do alto da
estrutura metálica montada sobre o palco. Jagger é o diabo em pessoa e, como
que possuída, a multidão acompanha-o na blasfémia da letra. “Pleased to meet you, hope you guess my name”.
Poderoso e assustador.
Recarregadas as baterias diretamente da bateria do demo, os Stones atravessam,
um a um – por entre os gritos e mãos estendidas que querem a todo o custo tocar
nos seus ídolos – uma longa passadeira que os conduz a um segundo palco,
minúsculo, instalado no centro do relvado. Keith Richards é o mais efusivo e
toma um verdadeiro banho de multidão. Sente-se que a ocasião é especial. Os
Stones pretendem mostrar que não estão dispostos a perder um contacto mais
físico com os seus admiradores. Fazem-no através de um regresso às origens, sem
adereços, apenas com a música a estalar como uma bofetada: “It’s only rock
& roll”, “Like a rolling stone” e Street fighting man” (um dos três temas,
juntamente com “Paint it black” e “Jumpin’ Jack Flash”, em que Richards usa um
efeito de guitarra que a faz soar como uma “sitar” indiana).
Mas o melhor estava guardado para o
fim. Já no palco principal, a sequência final fica para a história como um
monumento ao rock ‘n’ roll, suficiente para levar muita gente a exclamar, como
ouvimos mais do que uma vez: “Foi o concerto da minha vida!”. “Gimme shelter”
antecede o momento mais alto da noite – uma interpretação de antologia de
“Paint it black”. Aqui não há espaço para truques. Os Stones são isto, obra ao negro, a revolta e o sonho torturado.
Em 2003, num estádio de futebol em Coimbra, o Psicadelismo (mais do que na
atuação, comparativamente morna, dos Primal Scream) ressuscitou na sua vertente
mais escura e subversiva. Bastava olhar para os olhos fechados de Jagger ou
para os trejeitos de fúria de Richards para se perceber que algo de irrepetível
estava a acontecer. Arrepiante.
“Honky tonk women” permite uma breve
descompressão. Jagger cultiva, desta vez sim, a sua veia exibicionista e corre
de ponta a ponta à largura do estádio, ao longo das duas passadeiras laterais
instaladas para o efeito, excedendo-se nos requebros, numa demonstração de boa
forma física que parece milagre. Faltava o ritual por que todos esperavam. E
ele chega como um incêndio instantâneo. Às primeiras notas de “(I can’t get no)
satisfaction”, o estádio inteiro salta como uma mola, com 45 mil gargantas a
cantar em êxtase, sob uma chuva de “confetti” vermelhos disparados por canhões,
“I can’t get no/satisfaction/hey, hey, hey, that’s what I say”.
O único “encore”, “Jumpin’ Jack
Flash” – acompanhado pelo fogo, pelas luzes e pelos cânticos da multidão – não
fez mais do que confirmar uma verdade que Coimbra confirmou ser eterna: os
Rolling Stones são, de facto, a maior banda de rock ‘n’ roll do universo.
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