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SÁBADO, 27 SET 2003
Integra o
Destaque: STONES PELA TERCEIRA VEZ EM PORTUGAL
Comentário
Satisfação garantida
Melhor
ou pior do que antigamente, o fenómeno Stones continua a atrair multidões.
Atravessou incólume quatro décadas e quatro gerações. Esta noite, como sempre,
milhares de gargantas irão gritar em uníssono “I can’t get no satisfaction!”
Se
perguntássemos às 45 mil pessoas que esta noite vão encher o novo estádio de
Coimbra para assistir ao concerto dos Stones, qual o título do último álbum de
originais do grupo ou como se chama a obra dos anos 60 que se tornou um
clássico do psicadelismo, o mais certo seria a maioria não saber responder. E,
no entanto, toda gente quer ir vê-los. Dos mais velhos à criançada, são quatro
gerações a salivar de antecipação. Como o pudim Boca Doce, gosta o avô e gosta
o bebé.
As pessoas vão ver os Stones por
variadas razões. Vão porque se trata da "maior banda de rock 'n' roll do
universo". Vão porque os Stones assinaram um pacto com o diabo. Vão para
se certificar de que Mick Jagger ainda consegue correr de ponta a ponta do
palco sem a ajuda de uma cadeira de rodas. Vão para contar os dentes que restam
a Keith Richards. Vão para comentar o branco cada vez mais branco dos cabelos
de Charlie Watts. Vão, enfim, por piedade, porque, coitados, os Stones, apesar
de terem uma carreira que parece eterna, nunca conseguiram ultrapassar os
Beatles em popularidade e sabe-se como o público gosta de apoiar os eternos
segundos. Alguns vão pela música.
Os mais velhos vão para ouvir
"(I can't get no) Satisfaction". Os das gerações do meio, e os mais
românticos, para trocar juras de amor ao som de "Angie". Os mais
jovens vão porque os pais os obrigaram ou porque ouviram dizer que esses tais
de Stones eram "bué rebeldes" e porque (menos importante) algumas das
bandas da sua preferência (não se lembram dos nomes) jamais teriam pegado numa
guitarra.
Há ainda os que vão para ouvir os
Primal Scream, uma das verdadeiras bandas psicadélicas dos anos 90, autores do
clássico e tripante "Screamadelica". Sem esquecer os fãs
"hardcore" dos Xutos e Pontapés que não perdem pitada da sua banda
favorita.
Eu vi o mito
Ponto
assente: os Rolling Stones são um mito. Mais, os Rolling Stones são um mito
vivo. É isso, mais do que tudo o resto, que atrai as multidões e excita a
imaginação. Perder a terceira vinda (ou será melhor dizer, aparição?) do grupo
a Portugal (depois da estreia em 1990 e do regresso em 1995, de ambas as vezes
no antigo estádio de Alvalade, em Lisboa), seria como deixar passar em claro a
vinda do Papa ou esquecer-se de receber o prémio de um "seis" no
Totoloto.
Torna-se, portanto, supérfluo,
avaliar o fenómeno Stones apenas pelo prisma da música. Sejamos claros: o que
os Rolling Stones fazem ou não fazem hoje nessa matéria (a propósito, qual é
mesmo o nome do último disco de originais?) é irrelevante, a não ser em termos
comerciais porque, apesar de tudo, a máquina continua a carburar e os mitos,
como é sabido, desde que bem "marketizados", são altamente rentáveis.
A verdade é cristalina: os Rolling Stones do séc. XXI estão para os Rolling
Stones dos anos 60 e 70 como o Benfica dos últimos dez anos está para o
"glorioso" dos anos 60 que conquistou duas taças europeias. Num e
noutro caso são hoje formações e estados de espírito diferentes cuja mística se
diluiu.
Malditos
Os
Rolling Stones foram, sem dúvida, a "grande besta negra" do rock das
duas décadas atrás referidas, a banda maldita que cobriu de sensualidade os
"blues", desafiou os Beatles e "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club
Band" com uma dedicatória a Satanás (no tal álbum, hoje renegados por
muitos mas venerado pelos apreciadores do Psicadelismo, "Their Satanic
Majesties Request", de 1967) e fez acreditar que o "rock 'n'
roll" podia mudar o mundo, desde que todos gritassem juntos a sua revolta.
"I can't get no satisfaction" foi o hino de uma geração - a dos anos
60 - que consagrou a rebeldia como bandeira. Hoje os Stones são simpáticos
(eles devem achar o termo um insulto) sexagenários (Mick Jagger tem 60 anos,
Keith Richards, idem, Charlie Watts, 62) que fazem gala em exibir a sua
longevidade e o que lhes resta de energia.
Há, porém, algo que continua a fazer
"clic". Uma empatia construída sobre memória e ilusões mas também uma
espécie de teimosia orgulhosa, uma militância provavelmente já sem causa mas
que não esmorece. Como se cada um exclamasse para si próprio e para os que o
rodeiam: "Se estes tipos não desistem eu também não!" Uma maneira de
atirar à cara, do que já não volta, e da engrenagem que nos esmaga, o grito:
"Estou vivo e estou farto desta merda!"
É por isso que continua a ser
importante dizer "eu vi os Rolling Stones ao vivo!". Os mais novos
terem estado lá para contar aos filhos e aos netos. Esta noite, se o grupo
quiser – há-de querer – lá se ouvirão milhares de gargantas a gritar a plenos
pulmões: "Não consigo sentir satisfação!" Durante todo o tempo que
durar o concerto estarão a mentir, claro!
NOTA: O último álbum de originais dos Rolling Stones
chama-se "Bridges to Babylon" e foi editado em 1997.
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