11/10/2019

Wayne Shorter em luta com o piano


CULTURA
TERÇA-FEIRA, 15 JUL 2003

Crítica Jazz

Wayne Shorter em luta com o piano

Wayne Shorter Quartet
ESTORIL Auditório do Parque Palmela, às 21h30
Lotação esgotada

Sábado, em mais um concerto do festival Estoril Jazz/Jazz num Dia de Verão, Wayne Shorter e o seu quarteto tiveram o tempo do seu lado, mas o grande jazz nem por isso. O auditório ao ar livre do Parque de Palmela, no Estoril, estava à pinha, esgotando por completo a lotação, algo que, segundo a organização, não acontecia desde o mítico concerto de Count Basie neste mesmo festival. A chuva ameaçou, ameaçou, mas conteve-se. O mesmo aconteceu com o quarteto. Ameaçou com grandes feitos, mas acabou por quedar-se por um jazz eclético e sofisticado, alimentado por longas improvisações e reconhecida competência, mas longe de se lançar à conquista daqueles momentos únicos que fazem a história dos grandes concertos.
            Shorter rolou com força no saxofone tenor, explorando timbres e respirações, mas travou-se de razões com o soprano – aquele que lhe granjeou merecida fama – passando largos minutos, a meio de um tema, a procurar o ajustamento certo da palheta, experimentando e voltando a experimentar a afinação, enquanto os outros três músicos se entretinham a soltar metros de música de fundo, à espera que o seu líder se decidisse a fornecer as coordenadas. Nos momentos, porém, em que a música se libertou do preciosismo técnico, o saxofonista mostrou todas suas capacidades, ora em “stacattos” que parecia implorar pela loucura (que não veio…), ora desenrolando dilúvios de notas alinhadas com a elegância de uma dança.
            Danilo Perez mostrou ser um pianista fora do vulgar. Harmonicamente dotado, embora sem rasgos de virtuosismo, mostrou preferência por fraseados classizantes, outras vezes encostando-se ao exotismo “world” proporcionado pela sua ascendência (nasceu no Panamá), ocasionalmente monkiano, foi ainda, surpreendentemente e decerto que por acaso, progrocker dos quatro costados, ao repetir, numa quase citação, as notas de um dos movimentos de “Tarkus”, dos Emerson, Lake and Palmer (!).
            John Patitucci é o típico baixista jazzrock. De uma concisão extrema, usou e abusou das vibrações da corda solta, mantendo-se quase sempre nos tempos rápidos e em boa sintonia com a rítmica fornecida por Brian Blade, na bateria, operário razoavelmente imaginativo na forma como acentuou e ornamentou os tempos fracos.
            Isento, à justa, do tormento da chuva, o público aplaudiu de forma civilizada (raramente o fez a premiar este ou aquele solo) e pediu um “encore”, provavelmente a pensar já na forma como, já na próxima sexta-feira, receberá outra figura lendária do jazz contemporâneo, o contrabaixista Dave Holland, a liderar uma “big band”, no CCB, em Lisboa, no que será o concerto de encerramento desta edição número 22 do Estoril Jazz/Jazz num Dia de Verão.

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