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JULHO 2003
JAZZ
DISCOS
Peter Brötzmann lança chamas. Anthony Braxton usa régua e compasso. Qualquer
deles representa o lado mais incandescente da “free music” atual.
Quando
eles tocam as pessoas ouvem
Imagine o leitor/auditor que o sentam confortavelmente
numa poltrona instalada na penumbra de um túnel, para ouvir jazz, com um
cachimbo ao lado pronto para umas baforadas e umas pantufas fofas para calçar.
De súbito sente uma ventania varrer-lhe o corpo e o espírito, cai da poltrona e
verifica que o túnel é, afinal, o interior de uma turbina. O vendaval é de som
e provém de um saxofone. No redemoinho de ar ainda apanha com uma aresta de
cartão na testa (o contacto com o jazz pode ser doloroso). Apenas tem tempo de
agarrar na capa do digipak e de ler um nome: Peter Brötzmann. Assim avisado,
sorri e compreende. Amarra a poltrona ao chão, senta-se de novo e absorve com
prazer a torrente sonora que brota do tenor deste músico alemão que levou a
linguagem do “free” ao paroxismo da respiração e do fogo.
Com
mais calma lê o título: “Live at Nefertiti”. Foi gravado no clube sueco com
este nome, em 1999, em improvisação total com o baixo elétrico do dinamarquês Peter
Friis Nielsen e a bateria do sueco Peeter Uuskyla (ex-sideman de Cecil Taylor),
ambos pertencentes ao grupo Biigi Vinkeloe Trio, repetindo a formação de “Noise
of Wings”. O jorro do saxofone, do clarinete e do taragato é imparável, o
timbre do tenor emana centelhas de Albert Ayler (“Nidhog 4” é absolutamente
ayleriano) e, a suportar a onda, o baixo do dinamarquês revela-se
surpreendentemente fluido e macio, a par de uma bateria em constante trabalho solista.
Assim, leitor, não oponha resistência, deleite-se na corrente, soletre as notas
e entre em sintonia com o fôlego de modo a sentir a adrenalina de conduzir um Fórmula
1.
“Ayoama
Crows”, com os Die Like Dog Quartet – William Parker (contrabaixo), Toshinori
Kondo (trompete, eletrónica) e Hamid Drake (bateria) – em bora igualmente
abrasivo da parte do autor de “Machine Gun”, revela porém uma abordagem
diferente do coletivo, com o trompetista japonês a entrar em diálogos contrapontísticos
de alta velocidade e Parker e Drake a dominarem e a dividirem o tempo com outra
complexidade. Kondo confere mesmo ao som do “ensemble”, registado ao vivo
também em 1999, no “Total Music Meeting” de Berlim, as tonalidades “funk” que
lhe são características, evocando por vezes uma outra banda de Brötzmann, os
Last Exit. A evocação de Albert Ayler encontra-se uma vez mais patente neste
trabalho de extensas composições, verdadeiro mural de jazz cubista
representativo do melhor que a “free music” atual tem para oferecer.
Anthony
Braxton oferece outro tipo de violência. A do desconhecido. Em mais um pacote
de miniaturas da Sunspots, o saxofonista ressurge numa gravação de 1970, “This
Time…”, com Leo Smith (trompete, sirenes, buzinas, etc), Leroy Jenkins
(violino, viola, flauta, órgão, etc) – os três tocam juntos, mais a eletrónica de
Richard Teitelbaum, no fabuloso “Silence/Time Zones” – e Steve McCall (bateria,
darbouka, percussões). Braxton toca a habitual parafernália de sopros mas também
uma “sound machine” e sinos. Entre a música concreta e o ritual xamânico dos
Art Ensemble of Chicago (tudo o que emite som provoca música), “Composition nº1”
é uma demonstração do “free” na sua vertente mais multidirecional, criando uma
infinidade de espaços e arquiteturas, etnografias urbanas desenhadas com tubos,
fios, ferragens, ventoinhas, cornetas, martelo e pregos, agulhas e tintas de todas
as cores, umas vezes bem, outras mal misturadas. Já as “Small Compositions”, numeradas
de 1 a 5, mostram o lado mais conceptual, “extático” e “geométrico” do músico
de Chicago.
Um
salto de 33 anos leva-nos até “Four Compositions (GTM) 2000”, números 242 a 245,
versão em quarteto do original de 1969, “For Alto”, para saxofone alto solo,
com Kevin Uehlinger (piano, melódica), Keith Witty (baixo com arco) e Noam
Scahtaz (percussão), enquanto Braxton se socorre da gama de saxofones que vai do
soprano ao contrabaixo. Fria, em comparação com “This Time…” ou com a combustão
de Peter Brötzmann, esta “Ghost Trance Music”, como o compositor lhe chama, está
próxima de algum jazz de câmara representado pela editora Recommended, indo
facilmente ao encontro do gosto dos que apreciam bandas como os Henry Cow (de
“Western Culture”), Univers Zero ou Motor Totemist Guild. Em qualquer caso confirmando,
como dizia o outro, que “quando Anthony Braxton toca, as pessoas ouvem”.
Peter Brötzmann
Live
at Nefertiti
Ayler, distri. Multidisc
8 | 10
Peter Brötzmann
Aoyama
Crows
FMP, distri. Multidisc
9 | 10
Anthony Braxton
This
Time…
Sunspots, distri. Trem Azul
8 | 10
Anthony Braxton
Four
Compositions (GTM) 2000
Delmark, distri. Multidisc
8 | 10
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