Y 18|JULHO|2003
música|vilar
de mouros
Ao segundo lançamento, os Tomahawk, de Mike Patton,
limparam o campo de batalha. “Limparam” é uma força de expressão. “Mit Gas”, o
novo álbum, cheira a carne queimada. O “barbecue” será montado e servido em
Vilar de Mouros.
Tomahawk
o
míssil vai cair no Minho
Provocador
e inclassificável. Barulhento e alienado para uns. Um génio de Aladino que faz brotar
filosofia do “nonsense”, para outros. É Mike Patton, mentor de múltiplos projetos
que incluem os já extintos Faith No More, Mr. Bungle e Fantômas e, nos próximos
tempos, se estenderão a uma colaboração com os X-Ecutioners, à estreia dos
Peeping Tom (com o japonês Dan the Automator, produtor dos Gorillaz) e a uma
aventura a dois com Chico Moreno, dos Deftones. Já para não falar dos “pequenos
crimes cometidos entre amigos” que são os seus álbuns a solo gravados na
editora Tzadik, de John Zorn, como o, para muitos, intragável “Pranzo
Oltranzista”.
E
os Tomahawk, é claro – com Duane Denison (ex-Jesus Lizard), Kevin Rutmanis (The
Melvins) e John Stanier (Helmet) –, cujo novo álbum, “Mit Gas”, é uma
portentosa correria a galope no dorso do caos mas também um violento corretivo
aplicado ao rock ‘n’ roll. O alvo está desenhado no palco principal do Festival
de Vilar de Mouros e a queda do projétil programada para domingo.
No
centro do ciclone ergue-se uma voz que grita, vomita, escarra palavras como se
fossem sangue (que o diga quem assistiu ao desempenho do homem, ao lado dos
Naked City, de John Zorn, num memorável e caótico concerto dado há anos, em
Lisboa) mas também uma voz capaz de destilar, em doses proporcionais, humor e
veneno, sonho e alienação, fazendo o “crooning” de uma história deturpada da
música pop, como acontece no fabuloso e inclassificável “California”, dos Mr.
Bungle, eleito pelo PÚBLICO o melhor álbum pop de 1999. Houve quem visse na
conceção deste álbum, que parece disparar em redor a tudo o que mexe, a eclosão
de um novo Frank Zappa para o novo milénio. Porém, Zappa não. Não na estratégia
delineada por Mike Patton, aplicada tanto aos seus projetos pessoais como à
editora que recentemente criou, a IPECAC, sobre a qual exerce, qual oficial superior
de campo, controlo total. Nem Zappa nem ninguém: “Gosto de alguma da música
dele a par de outra a que não ligo. A faceta instrumental dos primeiros tempos
é melhor do que as gravações mais recentes”, como disse Patton em conversa com
o Y. E, de uma só vassourada: “Em todos os géneros de música há porcaria e
coisas muito boas. Cada um escolhe aquilo de que gosta. Não importa aquilo que
chamam à minha música. Pôr-lhe este ou aquele rótulo revela uma atitude preguiçosa.
Quando se fazem comparações, isso significa não ter o trabalho de a descobrir
por si próprio”, diz, com o desdém de quem tem uma guerra a ganhar.
cheira
a conflito. Por isso, o melhor mesmo talvez seja deitar para o caixote
de lixo associações de ideias feitas, com base em “Mit Gas”, que ligavam um
tema como “Harlem clowns” aos Negativland, através da fita danificada onde estão
gravados os nomes de artistas “mainstream”, habituais açambarcadores dos tops,
entre os quais os U2. “Is there any escape from noise?” Há alguma fuga ao
ruído?, uivavam os músicos da banda da contracosta americana. O “noise” dos
Tomahawk é outro, produzido por máquinas de chumbo fundido e o lança-chamas da
voz de Patton, na sua “option: screamer”. Negativland? Pura coincidência,
garante Mike Patton. “Não é nenhum sample dos Negativland. Nessa canção menciono
bandas que apenas se preocupam em ganhar dinheiro, como os U2, embora o seu
álbum de estreia até seja bastante bom. As pessoas podem ver uma quantidade de
coisas nas minhas canções, mas isso não quer dizer que haja uma intenção
explícita da minha parte”.
Coincidência
ou não, os mesmos Negativland chamaram aos U2 “a pior banda do universo”, fazendo
dela os seus inimigos de estimação, brincando aos plágios e ridicularizando a
indústria, com as consequências que se conhecem: processo crime, encerramento
do estúdio, apreensão do disco (o single “U2”) e ameaça de falência.
Mike
Patton faz o que faz por puro instinto. Mesmo quando enverga a farda de polícia
nas fotos de propaganda de “Mit Gas”. “Era uma chatice se fosse apenas um
cantor ou um “gritador”. Não seria divertido para ninguém”. “California” é divertido.
“Mit Gas” nem tanto. O opus experimental “Pranzo Oltranzista”, não, absolutamente.
Na sua cabeça, porém, não são feitas grandes separações, uma vez que, como diz “a
diferença entre o material mais experimental e o outro está apenas nos ouvidos
das pessoas. Trata-se apenas de modos distintos de comunicação. Não há nenhum
plano pré-estabelecido”.
O
plano, de exploração de tesouros entre as trincheiras inimigas, entre as curvas
e contracurvas, becos, arame farpado e precipícios, em “Mit Gas”, já se
adivinhava, está nas nossas mãos. Ou, melhor dizendo, nos nossos narizes.
Porque afinal, “the answer, my friend, is blowing in the wind”: “A minha música
espalha-se em várias direções como um perfume. Um maravilhoso perfume feito com
fezes humanas. Um perfume que se espalha pelo ar, como o vento…”.
Os
quatro cavaleiros do apocalipse estão a chegar e cheira-nos que vai haver conflito.
“Mit Gas”, com os seus obuses e luzes de alarme, em faixas como “Mayday”,
“Captain midnight”, “Desastre natural”, “When the stars begin to fall” e
“Aktion F14F13”, chega-se à frente de batalha. O míssil Tomahawk vai cair no
Minho.
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