17/12/2014

Fábrica da música eterna [Tony Conrad]



DESTAQUE

JOHN CALE E TONY CONRAD NO PORTO

FÁBRICA DA MÚSICA ETERNA

TONY CONRAD, COM O SEU MINIMALISMO RADICAL, INTEGRA A SECÇÃO MUSICAL DA EXPOSIÇÃO “ANDY WARHOL: A FACTORY”, A DECORRER NO PORTO NOS PRÓXIMOS MESES. ELE, JOHN CALE E O PIANISTA JAY GOTTLIEB CABEM OS TRÊS NA FÁBRICA DE SONHOS QUE SERVIU AO HOMEM DA LATA DE SOPA CAMPBELL PARA ESCANDALIZAR A AMÉRICA E O MUNDO.

ANDY WARHOL foi uma lata de sopa, uma garrafa de Coca-Cola, bocas, muitas bocas, de Marilyn. Warhol foi também um aglutinador e uma faísca em torno do qual se juntaram e criaram algumas das personagens mais estranhas que nos anos 50 e 60 circulavam pela noite de Nova Iorque.
            Inventou um lugar onde essas estranhas personagens puderam dar livre curso à sua bizarria e chamou-lhe The Factory, a fábrica. Foi na Fábrica que os Velvet Underground montaram a sua divisória particular no circo de locura, “The Exploding Plastic Invisible”, idealizado por Warhol. Foi na Fábrica que outro tipo de insanidade se instalou, uma demência que deveria ser eterna, segundo a vontade do seu autor, La Monte Young, guru dos gurus do minimalismo, criador em meados dos anos 60, do “Dream Syndicate/Theatre of Eternal Music”, simultaneamente ensemble musical, palco de performances e conceito filosófico.
            Do grupo de músicos que contribuíram para a manutenção dessa “música eterna” que jamais cessaria de vibrar pelos tempos fora, fizeram parte, entre outros, Terry Riley (outro dos papas da escola minimalista norte-americana), o saxofonista de jazz Lee Konitz, o trompetista das “músicas do quarto mundo” Jon Hassell, John Cale, violista dos Velvet Underground, e o compositor e violinista Tony Conrad, outro minimalista, o mais obscuro e radical de todos.
            Estes dois últimos, John Cale e Tony Conrad, atuam em Portugal, integrados na programação musical da Exposição “Andy Warhol: A Factory”, Conrad incluído no ciclo On/Off, do qual fazem também parte os Pôle, Thomas Köner, Porter Ricks e Anabela Duarte. E se a visita do primeiro (em registo de apresentação acústica, a solo, dias 18 e 19 deste mês) não é inédita, prosseguindo uma série de presenças regulares em Portugal, já a vinda de Tony Conrad (a 11 de Março) se reveste de ineditismo e de uma importância que importa ressaltar.
            Tony Conrad nunca fez parte do grupo dos minimalistas “conceituados” que mais tarde se tornaram moda, como Terry Riley, Steve Reich e Philip Glass. Se a música destes três era considerada “difícil”, pelo menos dentro dos parâmetros em que se movia na época a música mais “mainstream”, no caso de Riley matizada por um acentuado misticismo e pela aproximação ao rock (materializada em disco de parceria com John Cale, no álbum “Church of Anthrax”, de 1971), a proposta de Tony Conrad impedia, por maioria de razões, qualquer abordagem mais supérflua.
            Nenhum levou tão longe nem tão à risca, o preceito enunciado por La Monte Young – “Traça uma linha direita e segue-a” –, que gastou cinco álbuns inteiros a tocar piano numa nota só em “The Well-Tuned Piano”… Tony Conrad traçou a sua linha e seguiu-a sem desvios num álbum lendário intitulado “Outside the Dream Syndicate” (o “sindicato dos sonhos” de La Monte Young) na companhia de três elementos da banda alemã Faust. “Outside the Dream Syndicate” (1972) apenas tem como concorrente à altura o duplo “Metal Machine Music” de Lou Reed (outra obra influenciada pelas teorias de La Monte Young) na categoria de “álbum genial mais insuportável do todos os tempos”. Ao longo de dois temas, “From the Side of Man and Womankind” e “From the Side of the Machine” (aos quais se juntou, na reedição em CD de 1993 da Table of Elements, “From the Side of Woman and Mankind”) Conrad espreme com laivos de sadismo o violino sobre “mantras” obsessivos de martelo-pilão. Curiosamente, esta música consegue provocar no ouvinte um estado de suspensão, como se fosse a única forma de escapar ao inferno…
            Posteriormente Tony Conrad editou em 1995 “Slapping Pythagoras”, sobre o sistema mágico-numérico deste filósofo grego. Há dois anos foi editado “Early Minimalism”, uma caixa de quatro CD com obras dos anos 60 deste compositor que o pós-rock adotou, através de Jim O’Rourke e David Grubbs, fundadores dos Gastr del Sol.
            Completa a programação, o pianista Jay Gottlieb (15 de Abril), especialista no reportório de compositores contemporâneos de Warhol como John Cage e Philip Glass e, em particular, da peça “Phrygian Gates”, de outro minimalista importante, John Adams.
            Se fosse vivo, Andy Warhol sentir-se-ia honrado. Haveria de fotocopiar os três, embrulhá-los em papel celofane e escrever por cima, com um spray vermelho, o seu nome.


ARTES | sexta-feira, 11 fevereiro 2000

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