11/12/2014

Sempre em pé [Jethro Tull]



DOMINGO, 5 NOVEMBRO 2000 cultura

Jethro Tull em Lisboa e no Porto

Sempre em pé

O tempo não fez mossa aos Jethro Tull. Sobreviveram ao punk – “um chuveiro refrescante” – e à América, com uma perna às costas. Por assim dizer. Atuam hoje e amanhã em Portugal. Atrasados 20 anos mas com a promessa de deixarem a escrita em dia. O PÚBLICO falou com a perna, perdão, o braço direito de sempre do grupo, Ian Anderson – um “gentleman”.

É como o imaginávamos: distinto, culto, atento ao mundo e com aquele toque de humor e excentricidade tipicamente britânicos que distinguem o verdadeiro “gentleman”. Ian Anderson, com quem o PÚBLICO conversou ao telefone, levou os Jethro Tull ao colo durante 32 anos de carreira, concedendo-lhe a graça disto tudo. Esta noite em Lisboa e amanhã no Porto, os Jethro Tull irão mostrar o quadro completo onde nem faltará a graça de “Thick as a Brick” – “a mãe de todos os álbuns conceptuais”.
            PÚBLICO – Questão de primordial importância: continua a tocar flauta apoiado apenas numa perna como fazia no início? E por que razão o fazia no início?
            IAN ANDERSON – A culpa é dos jornais ingleses. Quando entrei para os Jethro Tull, também tocava harmónica, sobretudo as notas mais agudas, aspira-se mais ar do que se sopra. Acontecia que ao aspirar costumava levantar uma das pernas. O primeiro jornalista que escreveu sobre o grupo viu-me de facto a tocar harmónica, e não flauta, com a perna levantada, mas acabou por escrever o que de facto não acontecera… Mas a história ficou. Deram-me uma imagem de marca… Acabei por tocar mesmo flauta nessa posição, para fazer as pessoas felizes!...
            P. – Até hoje?
            R. – Por amor de Deus, não! Seria muito aborrecido para a assistência ver-me tocar no mesmo sítio durante todo o tempo. Mas às vezes ainda o faço, pelo gozo.
            P. – Acredita que os anos 60 tinham uma magia especial, que era possível fazer tudo?
            R. – Bem, as pessoas estavam a descobrir uma quantidade de influências. Houve quem começasse a tocar guitarra de uma forma mais expressiva, a descobrir novas possibilidades, como Eric Clapton ou Jimi Hendrix. Apareceram novos teclados, surgiram pessoas a tocar violino elétrico, flauta, saxofone… Os Roxy Music até tocavam oboé!
            P. – Nessa altura os Jethro Tull faziam a transição do rhythm ‘n’ blues para o progressivo. Foi uma evolução natural?
            R. – No início tocávamos blues porque era a única maneira de arranjarmos trabalho. Mas os Jethro Tull eram uma banda de blues diferente, já incluíamos folk, clássica, um pouco de jazz… Quando gravámos o segundo álbum, “Stand up”, em 1969, já se ouvia com regularidade música da Ásia, do Mediterrâneo, da Europa do Leste, tudo isso se fazia sentir na nossa música.
            P. – “Aqualung” é considerado o primeiro álbum conceptual do grupo, sobre o tema da religião…
            R. – Era uma coleção de canções, das quais apenas umas três ou quatro falavam de religião. Mas os críticos consideraram-no conceptual e, por isso, decidimos fazer um disco que o fosse realmente: “Thick as a Brick”. Quisemos ir mais longe e fazer a mãe de todos os álbuns conceptuais.
            Não foi o primeiro, os Moody Blues já o tinham feito. Limitámo-nos a fazer algo mais provocatório, ao ponto de fingirmos que as letras tinham sido escritas por uma criança de oito anos, Gerald Bostock, “O Pequeno Milton”, uma personagem dos Monty Python…
            P. – “A Passion Play” repetiu a megalomania, com outro tema único de 40 minutos…
            R. – Era mais sério. Talvez demasiado sombrio. Mas é considerado com o álbum para “connaisseurs”, os verdadeiros fãs. É um álbum elitista.
            P. – Dois álbuns seguidos desta envergadura não criaram demasiadas expetativas? Sentiram alguma pressão?
            R. – “Pressão” era algo que não existia. Pressão foi o que sentiu Alanis Morissette ao ser obrigada a gravar o segundo álbum [risos], o que sentiram os Oasis quando gravaram o último álbum, o que têm sentido os U2 nos últimos três anos até ao novo álbum. No final dos anos 60 não nos preocupávamos com o sucesso. Hoje é pior, existe a preocupação com a carreira.
            P. – Sentiam-se completamente imersos na cena da música progressiva?
            R. – Em termos gerais, sim. Mas tenho do “progressivo” uma conceção bastante lata. Chamo “progressivos” aos Radiohead ou aos Blur, apesar destes últimos terem começado por ser os Kinks [risos]. Os Pearl Jam ou os Soundgarden quiseram ser bandas de rock progressivo. Para mim, Rock Progressivo significa uma música que expande fronteiras do rock. Tocar bem um instrumento para criar algo refinado.
            P. – “Songs from the Wood” faz parte, com “Minstrel in the Gallery” e “Heavy Horses” da fase acústica e folk, tipicamente inglesa.
            R. – Já existiam quatro ou cinco temas acústicos em “Aqualung”. Mas quando fizemos “Songs from the Wood” e “Heavy Horses”, no final dos anos 70, a música acústica não estava muito em voga. Nós, pelo contrário, usávamos violinos e violoncelos… A música soava “british” por reação ao tempo que passámos na América do Norte em digressão, estávamos ansiosos por recuperar as raízes e não sermos sugados para nos tornarmos uma banda americana. Imensas bandas inglesas alcançaram sucesso na América, mas por que preço? Basta reparar na pronúncia de Mick Jagger, Rod Stewart ou Elton John…

Chuveiro punk

            P. – Mais ou menos por essa altura o punk rebentou, arrastando as bandas progressivas na enxurrada. Os Jethro Tull sobreviveram. A bem ou a mal?
            R. – O punk não durou mais do que dois ou três meses, até Malcolm McLaren aparecer como um mercenário, transformando-o numa moda. Para muitos, representou a reação contra uma pop sintética e plastificada. Aconteceu o mesmo no final de 80, com as bandas de Seattle. São acontecimentos cíclicos. O punk não nos afetou. Basta lembrar que em 1969 os Jethro Tull fizeram a primeira parte de concertos dos MC5, a primeira banda punk, quando McLaren ainda usava calções [risos]. E em 1973 já existiam os Ramones, de Nova Iorque, o arquétipo do punk. Em Inglaterra, onde imperou o lado mais “fashionable”, os Sex Pistols ou os Clash assistiram a concertos dos Ramones, para ver como era a “real thing”. Recuando ainda mais, de certa forma, foi o que fizeram os The Who. O punk foi algo refrescante, como um banho de chuveiro. Mas pensar que dei dinheiro pelo álbum dos Sex Pistols!... [risos]. Também comprei os álbuns dos Stranglers. Quais punks, quais quê, eram uma cambada de hippies! [risos]
            P. – Entraram na Net com o novo álbum “Jethro Tull Dot Com”.
            R. – A música não tem nada a ver com a Internet ou com computadores. Chama-se assim por causa do nosso “site”, que estava a ser construído enquanto gravávamos. Sou eu que escrevo praticamente tudo o que lá consta e faço os “updates”.
            P. – Para terminar, o que é que os Jethro Tull vêm tocar a Portugal?
            R. – Música desde 1968 até ao último álbum. Uma pequena viagem pela história do grupo, talvez com um par de canções do meu novo álbum a solo, “The Secret Language of Birds”. Tentamos sempre dar à audiência uma panorâmica geral.

JETHRO TULL (1ª PARTE: OS CORVOS)
LISBOA Pavilhão Atlântico, hoje, às 21h00.
Bilhetes entre 3500$00 e 5500$00
PORTO Coliseu, amanhã, às 21h00.
Bilhetes entre 3500$00 e 6500$00

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