BLITZ
23.1.90
VALORES
SELADOS
O BALANÇO FINAL
Depois dos primeiros cinco
anos conclui-se nestes «valores» o balanço final dos melhores da década. A
partir de 85 houve ainda mais discos a merecerem toda a nossa atenção e
aplauso. Poucos os terão notado. Não faz mal, eles (os discos) continuam à
espera de quem os souber merecer. Muitos dos nomes citados permanecem num
injusto quase anonimato. Mas são eles que fizeram e fazem o melhor da história
da música dita popular.
Novamente por ordem
alfabética, eis a relação dos vinte melhores para cada ano:
1985
Alésia Cosmos: Aeroproducts (Pop
minimalista francês).
Andrew Poppy: The Beating of Wings
(Minimalismo outra vez, desta vez do sério. Mais electrónico do que a
concorrência).
Art Barbeque: Feet Hacked Rails (Música
industrial para Sado-masoquistas).
Benjamin Lew & Steven
Brown: À
Propos d’un Paysage (Paisagens ambientais em aguarela, cheias de pormenores).
Biota: Vagabones & Rockabones
(Compêndio definitivo da arte do ruído).
Einstuerzende Neubauten: Halber Mensch (Os
martelos-pilões finalmente domesticados).
Foetus: Nail (Viagem guiada ao
Inferno).
Kalahari Surfers: Living in the Heart of the Beast (Su-africanos
vanguardistas e intervencionistas).
Laibach: Nova Akropola (Neo-nazis
ou brincalhões? Wagner, se fosse vivo, aprovaria).
Legendary Pink Dots: Asylum (Hippies
disfarçados, clássicos, bizarros, transtornados).
Mathilde Santing: Water Under the Bridge (Pura magia. Nunca mais fez nada igual).
Michael Nyman: A Zed and Two Naughts
(Novos labirintos para a fita de Greenaway).
Nico & The Faction: Camera Obscura (Requiem
final pela senhora de negro).
Nurse With Wound: The Sylvie and Babs
High-Thigh Companion (Stephen Stapleton é louco e gosta de misturar todos os
sons, todas as músicas, todas as manias. Stephen é um génio, só que doutro
mundo).
Peter Principle: Sedimental Journey (O lado
mais experimental dos Tuxedomoon).
Regular Music: Regular Music (Repetitivos
e barrocos. Discípulos de Nyman com Charles Hayward ao comando).
Severed Heads: Clifford Darling, Please don’t Live in the Past (Obra
mestra dos terroristas australianos. O
terror pode ser engraçado).
Urban Sax: Fraction sur le Temps (Os
saxofones do Apocalipse).
Wondeur Brass: Ravir (Três senhoras
canadianas que aprenderam muito com Carla Bley).
Zoviet France: Gris (O cimento é musical?
Resposta: Neste caso é).
1986
Cassiber: Perfect Worlds (Free jazz + Beethoven + ruído, por
Heiner Goebbels e Chris Cutler).
Conrad Schnitzler &
Michael Otto:
Micon in Italia (Fusão entre a electrónica e instrumentos de orquestra).
Daniel Schell & Karo: If Windows They Have
(Expoente máximo da nova música de câmara europeia).
David Garland: Control Songs (Canções,
sampling exaustivo, acordeão, voz de «Crooner», Zorn, C. Marclay e G. Klucevsek
como convidados. Chega?).
David Linton: Orchesography (As tácticas
de Elliott Sharp aplicadas à electrónica).
Elliott Sharp: Virtual Stance (As
tácticas de Elliott Sharp aplicadas à electrónica).
Godard Fans: Godard, Ça vous Chante? (Homenagem ao cineasta com interpretações
brilhantes de Zorn, Lindsay, Clint Ruin (Foetus) e Amati Ensemble, ente outras).
Graeme Revell: The Insect Musicians
(Inteiramente realizado com samples de sons dos ditos, pelo mentor dos SPK.
Brilhante).
Holger Hiller: Oben im Eck (Opus 2 da bíblia do «sampling»).
John Zorn: The Big Gundown
(Obra-prima absoluta pelo mestre da rapidez. Tudo encaixa no lugar certo, como
nos desenhos animados. Só para ouvidos ultra-ágeis).
Kraftwerk: Electric Cafe (disco
típico do séc. XXII).
Laurie Anderson: Home of the Brave (Laurie antes do grande pecado).
Nurse With Wound: Spiral Insana (mais
contemplativo e perturbante que «Sylvie»).
O Yuki Conjugate: Into Dark Water
(Electrónicos e sombrios. Jon Hassell teve um pesadelo).
Poules (les): Contes de l’Amère-Loi (As
mesmas senhoras dos Wondeur Brass brincando aos computadores).
SPK: Zamia Lehmani (Songs of
Byzantine Flowers) (A Música religiosa dos discípulos das trevas).
Steve Beresford, David
Toop, John Zorn, Tonie Marshall:
Deadly Weapons (Quatro excêntricos unidos na produção de um filme imaginário
superinspirado. Ponto de fuga das mais recentes tendências do Jazz (?) actual).
Steve Reich: Sextet/Six Marimbas
(Cristal minimal).
Sussan Deyhim & Richard
Horowitz:
Desert Equations: Azax Attra (as vozes do deserto encontram os sintetizadores).
Test Dept: Unacceptable Face of Freedom (O Ocidente infernal)
e
ainda: Bruce Gilbert: The Shivering Man; Camberwell Now: The
Ghost Trade; Collectif Nox: Sessions 84/86; Derome/Lussier: Soyez
Vigilants, Restez Vivants; Harold Budd: Lovely-Dusks; Jon Hassell:
Power Spot; Masahide Sakuma: Lisa; Neo Museum: Nouvelles
Ethnologies de L’Obscure Museum; Orthotonics: Luminous Bipeds; Peter
Hammill: Skin; PFS: Illustrative Problems; Semantics:
Rothenberg, Sharp, Bennett; Skeleton Crew: The Country of Blinds; Recoil:
1+2; The The: Infected; Tom Van Der Geld: Small Mountain.
1987
Arthur Russell: World of Echo (com pouco
se faz muito, uito, uito...).
Art Zoyd: Berlin (O disco da década.
A síntese perfeita. Encontro da Tradição com o Futuro num disco perfeito).
Derome/Lussier: Le Retour des Granules
(Nova colaboração entre os sopros de Derome e a guitarra Frithiana de Lussier).
Double-X-Project: Fallobst (grupo alemão
feminino de Jazz electrónico minimalista ou lá o que isso é).
Elliott Sharp: In the Land of the Yahoos (Sharp goes Electropop? Quase!... O seu disco mais
acessível, com a voz de Sussan Deyhim).
Jocelyn Robert: Stat-Live-Moniteur
(Colagens. Ruído. Ambiental. Étnico. Electrónico. Lembram-se dos Faust?).
John Zorn: Spillane (Banda sonora de
filme negro a 78 rotações).
Lounge Lizards: No Pain for Cakes (John
Lurie volta a atacar o Jazz com unhas e dentes. Os puristas não gostam).
Negativland: Escape from Noise (Os
rapazes da Contracosta americana voltam a baralhar tudo de novo. Paranóico,
diferente, divertido).
Popular Mechanics: Insect Culture (A
vanguarda soviética nos desvarios de Sergei Kuriokhin, ainda não se falava da
Perestroika).
Renaldo And The Loaf: The Elbow is Taboo
(Discípulos dos Residents, como estes divertidos e esquisitos).
Robert LePage: La Traversée de La Mémoire
Morte (Sintetizadores analógicos, manipulação de fitas à antiga, sopros ora
swingantes ora fragmentados. Excelente e genuinamente original).
Robert Musci & Giovanni
Venosta:
Water Music on Desert Sand (A Música de todos os mundos. A síntese de todas as
tradições. A mistura de todos os sons. Genial).
Scott Johnson: John Somebody (Guitarra e
colagens sem tesoura. Filho do casamento entre Steve Reich e Laurie Anderson
antes do pecado).
Slagerij Van Kampen: Out of the Doldrums
(Inteiramente realizado com samples de percussão).
Startled Insects: Curse of the Pheromones
(Funky para mentes muito, muito distorcidas).
Teargarden: Tired eyes Slowly Burning (Projecto de E. Ka-Spel dos
L.P. Dots e Cevin Key, dos Skinny Puppy).
Wondeur Brass: Simoneda, Reine des Esclaves (das Canadianas
apreciadorad de jazz e «Chanson Française»).
Wayne Horvitz: This New Generation (Costuma tocar com Zorn mas este
disco não tem nada a ver. Pop-Jazz, talvez?...)
e ainda: Andrew Poppy: Alphabed (a Mystery Dance); Bourbonese
Qualk: Bourbonese Qualk; French, Frith, Kaiser & Thompson: Live,
Love, Larf & Loaf; Jazz Passengers: Broken Night/Red Light; Kahondo
Style: Green Tea and Crocodiles; Legendary Pink Dots: Any Day Now; Mark
Stewart: Mark Stewart; Meredith Monk: Do You Be; Nimal:
Nimal; Philip Perkins: Hall of Flowers/The Flame of Ambition; Steven
Brown: Searching for Contact; Yasuaki Shimizu: Music For
Commercials.
1988
Ben Neill: Mainspring (Trompete
traficado em fundo minimalista).
Bobby Previte: Claude’s Late Morning
(Mais um músico ligado a Elliott Sharp, desta vez o percussionista).
Coil: Gold is the Metal (As
magias invertidas em tons classizantes).
David Borden/Mother
Mallard:
Migration (Um dos nomes fundamentais da nova escola minimalista americana).
David Fulton: Marcos & Harry, pt. 3
– Semi Trilogy (Serrotes e computadores no novo tribalismo eléctrico).
Delerium: Faces, Forms &
Illusions (Arabizantes, ambientais e ameaçadores).
Elliott Sharp: Larynx (Nova Iorque
histérica).
Fred Frith: The Technology of Tears (A tecnologia da complexidade).
Jon Hassell/Farafina: Flash of the Spirit (A
música do Burkina Faso accionada por botões e enfeitada com trompete).
Lights In A Fat City: Somewhere (Didgeridoo
digital em música para aborígenes sofisticados).
Mikel Rouse Broken Consort: A Lincoln Portrait (Outro
dos nomes importantes do minimalismo americano).
Motor Totemist Guild: Shapuno Zoo (Rebuscados,
Perfeccionistas, tocam tudo e mais alguma coisa. Inclassificáveis).
Non Credo: Reluctant Hosts (os medos
infantis. O papão. Estes alemães parecem inocentes mas tocam-nos o cérebro como
se fôssemos bonecos).
Pere Ubu: The Tenement Year
(Regresso em forma do gordo mais simpático do mundo em novos exercícios de
contorcionismo vocal).
Recoil: Hidrology (Kraftwerk,
versão esotérica).
Robert Musci & Giovanni
Venosta:
Urban and Tribal Portraits (O título diz tudo).
Steve Moore: A Quiet Gathering (O
mistério das catedrais. Um dos lados é apelidado de «Música de câmara para sons
ambientais»).
Test Dept.: Terra Firma (Depois do metal
a Terra, os cânticos guerreiros e a gaita-de-foles).
Univers Zero: Uzed (Os belgas discípulos
dos Magma continuam a tarefa de dar um rosto solene à velha Europa).
When: Death in the Blue Lake (O
líder dos Holy Toy inspira-se na obra do seu compatriota, o escritor Henrik
Ibsen, agarra em samples do «Tristão e Isolda» de Wagner e constrói um disco
estranhíssimo e grandioso).
e ainda: Heiner Goebbels
& Heiner Muller: Der Mann im Fahrstuhl; Jazz Passengers:
Deranged and Decomposed; Jocke Soderqvist: Perma Blue; Last Exit:
Iron Path; Luciano Margorani: Home Recording is Killing Studios; John
Surman: Private City; Peter
Blegvad: Downtime; President: Bring Yr Camera; Uludag: Mau
Mau; 5UU’s: Elements.
1989
Agnes Buen Garnas/Jan
Garbarek: Rosensfole
(A voz celestial de Agnes leva-nos direitinho ao Céu).
Barry Adamson: Moss Side Story (O
ex-Magazine numa obra heterogénea em tons de negro e sangue).
Charles W. Vrtacek: When Heaven Comes to Town
(O que Eno poderia ter feito mas não fez. O que Satie faria se fosse vivo e
utilizasse um sampler em vez do piano).
David Byrne: Rei Momo (Onde se prova
que as boas saladas devem levar salsa).
Edward Ka-Spel: Perhaps We’ll Only See a Thin Blue Line (Edward mais
experimentalista do que nos Legendary).
Einstuerzende Neubauten: Haus der Luege (Os
niilistas berlinenses mais virulentos do que nunca).
Fred Frith: The Top of his Head
(Aproveito para dizer que, para mim, é Frith e não Zorn, o músico da década.
Zorn é o segundo… Está feita a correcção).
Glenn Branca: Symphony N.º 6-Devil
Choirs at the Gates of Heaven (Não sei quantas guitarras fazem a festa e o
rugido do costume).
Hector Zazou: Géologies (música clássica
erudita que Zazou é gente séria).
Invaders Of The Heart: Without Judgement (Oriente
vs, Ocidente em guerra religiosa instigada por Jah Wobble).
Laurie Anderson: Strange Angels (Laurie
Pop, a grande pecadora…).
Lounge Lizards: Voice of Chunk (O sax
emblemático da Nova Iorque underground).
Michael Nyman: The Cook, The Thief, His Wife & Her Lover (De
novo juntos, Nyman e Greenaway. Como
sempre obcecados pela morte e desta vez também pela comida).
Philip Glass: 1000 Aeroplanes on the
Roof (Ou mudava ele ou nós). Felizmente, mudou ele. Ou será que fomos nós?...).
Robert Merdzo: Darwin Waltzes (Da mesma
escola que Branca).
Seigen Ono: Comme des Garçons, vols. 1 & 2 (Da New Age dos primeiros tempos
passou para companhia de Frith, Zorn, Frisell, Lindsay, Lurie e por aí fora.
Sim, os referidos tocam todos neste disco).
Stan Ridgway: Mosquitos (O melhor
contador de histórias da América, a par de Tom Waits. Como este também das
vozes mais originais).
Steve Tibbetts: Big Map Idea (o misticismo
ECM por um dos melhores guitarristas da casa).
Worlds Of Love: The Worlds of Love (Depois
de canções sobre o poder, David Garland regressa cantando o amor em todas as
suas variantes. Apaixonado ou não, mantém-se tão excêntrico como nunca).
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