BLITZ
16.1.90
VALORES
SELADOS
O BALANÇO INSTÁVEL
CABE-ME a mim, finalmente,
fazer o balanço dos melhores discos da década (esta semana a lista dos quinze
melhores dos anos de 1980 a 1984. A outra metade fica para a semana. Decerto
repararão que desta lista constam muitos nomes estranhos e desconhecidos. A
culpa não é minha. Procurem-nos e talvez cheguem à conclusão que nem sempre a
melhor música é a mais badalada. Para não dizerem que invento, informo que
todos os discos mencionados fazem parte de minha colecção particular. E agora
podem começar a copiar e a lamentar o tempo perdido…
1980
Alan Stivell: «Symphonie Celtique – Tir
Na Nog» (Todas as músicas e tradições do mundo convergindo na Bretanha).
Cabaret Voltaire: «The Voice of America» (Quando
ainda eram ameaçadores).
Captain Beefheart & His Magic Band:
«Doc at the Radar Station» (o esquizofrénico genial de «Trout Mask Replica»).
Chrome: «Red Exposure» (Americanos
precursores de tudo o que é industrial).
Flying Lizards: «The Flying Lizards» (David Cunningham e a vanguarda
como grande paródia).
Fred Frith: «Gravity» (Frith é um
universo inteiro à parte).
Harold Budd/Brian Eno: «Ambient 2 The
Plateaux of Mirror» (o mundo cristalino).
Jon Hassell/Brian Eno: «Fourth World, Vol. 1
Possible Musics» (a selva electrónica).
Monochrome Set: «Strange Boutique» (dandies dos eternos 60s. Tommy, can you hear me ?)
Negativland: «Negativland» (a América
do avesso pelos mestres da colagem).
Pere Ubu: «The Art of Walking» (o
rock à beira do abismo, sem cair).
Peter Hammill: «A Black Box» (o último
voo a grande altura do eterno romântico).
Talking Heads: «Remain in Light» (com Eno
desta vez luxuriante).
Tuxedomoon: «Half-Mute» (os americanos
mais europeus do mundo).
Univers Zero: «Ceux du Dehors» (a nova
música de câmara europeia passa por estes belgas apreciadores de Lovercraft).
1981
Art Bears: «The World as it is Today» (Fred Frith, Chris Cutler
e Dagmar Krause anunciando o fim do mundo).
Brian Eno/David Byrne: «My Life in the Bush of
Ghosts» (sim, já se sabe, o primeiro a fazê-lo foi Holger Czukay, mas eles não
se importam).
Carla Bley: «Social Studies» (a
sociologia da fanfarra pela senhora sempre bem acompanhada).
Heaven 17: «Penthouse and Pavement»
(os derradeiros estertores da Pop electrónica inteligente).
King Crimson: «Discipline» (Robert Fripp
e as técnicas mágicas da J.G. Bennett).
Kraftwerk: «Computer World» (o melhor
disco do séc. XXI).
Marc Hollander: «Onze Danses pour
Combattre la Migraine» (o homem dos Aksak Maboul e o «Vaudeville» minimalista).
Meredith Monk : «Dolmen Music» (o
nascimento da voz humana).
Nick Mason/Carla Bley: «Fictitious Sports»
(Carla, outra vez, brincando ao Rock. Tomara este que houvesse mais
brincadeiras assim. Mason é só um pretexto).
Penguin Cafe Orchestra: «Penguin Cafe Orchestra» (a
caixinha de música onde cabe tudo).
Residents: «Mark of the Mole» (Os Beatles dos anos 80? Dos 90? Mas quem são eles
afinal?)
Soft Cell: «Non-Stop Erotic Cabaret»
(Desculpem lá, mas muito antes de Momus já Marc Almond estava a agitar todos os
fantasmas).
This Heat: «Deceit» (o som do
holocausto).
Tuxedomoon: «Desire» (Aqui já eram
definitivamente europeus. Até perderam a pronúncia).
ZNR: «Barricades 3» (Satie por
Zazou ou vice-versa?)
1982
Andy Summers/Robert Fripp: «I Advance Masked»
(Frippertronics mais Police pelos mestres da guitarra).
Annette Peacock: «Sky-Skating» (a voz mais
sensual em cetim aveludado).
D.A.F.: «Fur Immer» (Um, dois,
esquerdo, direito).
Etron Fou Leloublan: «Les Poumons Gonflés» (Captain Beefheart + Henry Cow em
tons parisienses).
Fad Gadget : «Under the Sky» (Frank
Tovey é uma espécie de Matt Johnson, só que ainda mais doentio).
John Cale: «Music for a New Society»
(a sociedade ainda não é suficientemente nova. Ainda bem).
Kate Bush: «The Dreaming» (deixem a
menina sonhar).
Laurie Anderson: «Big Science» (deixem a
senhora falar).
Michael Nyman: «The Draughtman’s
Contract» (música das imagens do labirinto das imagens da música).
Monochrome Set: «Eligible Bachelors» (Ainda
e sempre o chá das cinco).
Peter Gabriel: «Peter Gabriel IV» (é o
quarto, é o melhor e não embirrem mais com o homem).
Residents: «The Tunes of Two Cities»
(segunda parte da luta entre toupeiras e Hrtywxlks).
Snakefinger: «Manual of Errors»
(costumava tocar guitarra com os senhores acima. Seria um novo Zappa se não
tivesse entretanto morrido).
Soft Veredict: «Vergessen» (Wim Mertens
antes de se tornar Merdens – obrigado Jorge).
Terry Riley: «Descending Moonshire
Dervishes» (Riley antes de se tomar por profeta).
1983
Art Zoyd: «Les Espaces inquiets» (franceses. Música total. Só gravaram
obras-primas).
Benjamin Lew/Steven Brown: «Douzième Journée: Le Verbe, la Parure, l’Amour» (precursores
da Made to Measure. Nao sei porquê lembram-me Duras).
Einstuerzende Neubauten: «Zeischnungen des Patienten O.T.» (queriam destruir a música
e quase o conseguiram).
Fred Frith: «Cheap at Half the Price»
(outra vez, agora em canções Pop. O quê?)
Golden Palominos: «The Golden Palominos»
(primeira grande conferência nova-iorquina. Estão lá todos: Fier, Lindsay,
Laswell, Zorn. Frith também, claro).
Moebius, Plank, Neumeier: «Zero Set» (alemães,
electrónicos e à procura de África).
Peter Blegvad: «The Naked Shakespeare» (o
excêntrico dos Slapp Happy em canções ainda mais excêntricas).
Phantom Band: «Nowhere» (o
percussionista Jaki Liebezeit continuando brilhantemente o espírito dos Can).
René Lussier: «Fin du Travail» (o Fred Frith canadiano).
Severed Heads: «Since the Accident» (os Throbbing Gristle
australianos, mas com humor).
Tom Waits: «Swordfishtrombones» (a
Lua na sarjeta).
Virginia Astley: «From Gardens where We
Feel Secure» (Onde ficam esses jardins? Silêncio).
Wha Ha Ha: «Wha Ha Ha» (são japoneses. O Free-Jazz pode ser
melodioso e dançável).
Yello: «You Gotta Say Yes to
Another Excess» (Dieter Meier é suíço, gosta da Europa dos casinos e de
computadores).
Zazou/Bikaye: «Noir et Blanc»
(Europáfrica em ritmo de dança).
1984
After Dinner: «After Dinner» (mais
japoneses. Música de bonecas e cristais).
Andre Duchenes: «Le Temps des Bombes» (as
canções de Andre é que caem como bombas).
Brian Eno/Harold Budd: «The Pearl» (até onde é
audível o silêncio?)
Débile Menthol: «Battre Champagne» (a boa
velha música progressiva continua viva e de boa saúde).
Foetus: «Hole» (gritos.
Sofrimento. Auto-Tortura).
Frank Zappa: «Them or Us» (sempre genial. Continua a fazer rir).
Hector Zazou: «Reivax au Bongo» (Zazou e
Bikaye reincidentes, agora mais surrealistas).
Holger Czukay: «Der Osten ist Rot» (o
homem dos Can que fez tudo antes de Brian Eno e pôs o papa a cantar Blues).
Holger Hiller: «Ein Bundel Faulnis in der Grube» (o mestre absoluto do
sampler. Reinventou
a música. Não me voltem a falar nos De La Soul).
Mnemonists: «Horde» (o ruído da
deformidade).
Officer!: «Ossification» (música
medieval na óptica de um banco de malucos).
Pascal Comelade: «Détail Monochrome»
(música ambiental no quarto dos brinquedos).
Penguin Cafe Orchestra: «Broadcasting from Home»
(basta sintonizar).
R. Stevie Moore: «Everything You Always Wanted to Know About R. Stevie
Moore But Were Afraid to Ask» (Ufa! Tem
gravadas mais de cem cassetes. Inclassificável. Como é possível ser Pop,
experimentalista, doido varrido, sério, etc., etc., etc?)
Test Dept.: «Beating the Retreat» (Metal on metal).
1 comentário:
Excelente!!!
Venha a outra metade rapidamente :-)
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