09/10/2008

Vários - Deadicated

Pop Rock

29 MAIO 1991
LP’S

JUNTA DE SALVAÇÃO AMAZÓNICA

VÁRIOS
Deadicated
LP duplo / CD, Arista, distri. BMG

Tributos há muitos. É de bom tom homenagear. Vivos ou mortos, é o que está a dar. Porque não os Greatful Dead, grupo emblemático da cena hippie/psicadélica/acid de S. Francisco? Jerry Garcia tem fama de génio. De barbas, guitarra e intenções acima de qualquer suspeita. Há vinte e cinco anos que grava discos. Já merece uma festinha. Ainda por cima, sabendo que os lucros da festa revertem a favor da Rainforest Action Network and Cultural Service, organização preocupada (e com razão) com a matança do pulmão amazónico e com a sobrevivência da espécie humana. Certo. Mas não podiam evitar os discos?
A música servirá para convencer o género humano a utilizar menos sprays e a escrever de novo em pedras? Para alertar a nossa consciência planetária? Já agora, porque é que se escreve tão cinicamente sobre assuntos tão sérios? Cansaço. Puro cansaço. Tanta negociata, tantos números, tantos programas de salvação mundial, com juros a prazo.
“Deadicated” reúne artistas com pouco que ver com o conceito “Sixties” original dos Greatful Dead. É uma salganhada, apressada em dizer “sim” a um grupo lendário e a um lunático (Jerry Garcia) que, se calhar, liga mais ao outro mundo que a este. Los Lobos, Bruce Hornsby & The Range e The Harshed Mellows bem podiam homenagear Artur Garcia, António Calvário ou Gabriel Cardoso. Da maneira como pegaram, respectivamente, em “Bertha”, “Jack Straw” e “U. S. Blues”, mais valia terem ficado calminhos, com o seu rock certinho, muito FM, muito empenhado, muito medíocre. Jerry Garcia dispensava o frete. Quanto a Elvis Costello, reconhece nos Greatful Dead os autores de “muitas baladas maravilhosas” e a “única banda capaz de tornar qualquer um imune à lama”, seja lá o que for que isto signifique. Woodstock, talvez… “Ship of Fools” podia ter sido escrito pelo próprio Elvis, que ninguém notava. Suzanne Vega, tudo em que ela toca adquire um brilho dourado. “China Doll”, fantasmagórico e astral, e “Cassidy”, mais convencional, mostram mundos nascidos do cruzamento de mundos distantes, no tempo e o resto. Suzanne tocou com os Greatful Dead, no Madison Square Garden. Estava nervosa. Jerry Garcia disse-lhe apenas para “ser feliz”. Ouçam-se os temas, para perceber essa felicidade que brota do canto, das histórias vividas, das emoções partilhadas. Pura magia. Warren Zevon e David Lindley passam como uma guitarra abrasiva, em “Casey Jones”. As miúdas Indigo Girls, “sixties” e coloridas, emblemas na lapela, vão buscar os Magna Carta e Simon & Garfunkel à gaveta, dão corda às guitarras acústicas, aos bongos e às congas e transformam “Uncle John’s Band” num exercício de confeitaria. Lyle Lovitt, Midnight Oil e Burning Spear, cada qual apresenta as suas razões, para engraxar o mestre – o primeiro assina um tratado de três linhas no qual revela que “Friends of the devil” é uma das suas “canções preferidas”. Os australianos fazem notar que a banda homenageada sobreviveu a três presidentes. Os “rasta men” não conhecem muito bem a música dos Dead, referindo embora que levam tanto tempo a gravar uma canção quanto os californianos a tocar uma “performance” ao vivo. Sobram os Cowboy Junkies, rendidos ao “paraíso” western de “To Lay me Down”, a cavalo na harmónica e numa Margo Timmins a cantar de garganta fixa em Joan Baez e Judy Collins, Dr. “voodoo” John, “the night tripper”, piano telúrico, voz rouca, não se sabe se de branco ou negro, preocupado em “salvar a floresta” e os Jane’s Addiction, os mais atrevidos e interessantes de todo o projecto, a transportarem as tremideiras e “uh-uhs” vocais de Robert Wyatt para uma cave pop saturada de efeitos “fuzz” e “echo”.
Salvem a floresta amazónica, o planeta, os Greatful Dead, enfim, os mais necessitados, mas, por favor, evitem os discos de “boas intenções”. É que a música não tem culpa. **

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