MÚSICAS
MEIRA ASHER APRESENTA-SE NO
SÁBADO, ÀS 21H30, NO FESTIVAL “Ó DA GUARDA”
A
MORTE EM DIRETO
MUTILAÇÕES, HORROR, INCESTO, MASTURBAÇÃO, O HOLOCAUSTO NAZI
TRANSFORMADO EM MUSIC-HALL. A FEIRA DA MORTE, AO VIVO E EM DIRETO. MEIRA ASHER,
A DIVA DO INFERNO, APRESENTA-SE PELA SEGUNDA VEZ EM PORTUGAL, NO FESTIVAL “Ó DA
GUARDA”. NO FINAL FAR-SE-Á A CONTAGEM DOS SOBREVIVENTES.
CITAÇÃO 1: “Durante muito tempo toquei nos seios e na
vagina. Fiquei dominada pela emoção. Senti-me envergonhada. A descoberta do meu
corpo passava por esse encontro das minhas mãos com a vagina”.
Citação 2,
de Job, 2:4-5: “Satanás retorquiu ao Senhor: Um homem é capaz de dar tudo o que
tem, até a sua própria pele, para salvar a sua vida. Mas experimenta levantar a
Tua mão contra ele, faz com ele sofra e verás se ele não te amaldiçoa, mesmo na
Tua frente”.
Citação 3.
“Faz parte da nossa natureza, acumular mais e mais poder, até nos tornarmos no
vencedor absoluto”.
O PÚBLICO
entrevistou duas vezes a cantora israelita Meira Asher (Fevereiro de 1997 e
Junho de 1999, esta última por ocasião da sua primeira atuação ao vivo em
Portugal, no Festival Ritmos do Mundo, no Porto) e de ambas ficou com os
cabelos em pé.
Através
destas três citações é possível vislumbrar o percurso desta artista que faz do
mal o seu campo de trabalho: da vergonha para a revolta e desta para a assunção
do poder. Mas se tais palavras são reveladoras de uma deambulação física e
psicológica pelo horror e pelo sofrimento que a obra musical mal consegue
exorcizar, ao mesmo tempo que indiciam um perturbante paralelismo com a
evolução do nazismo (é ainda Meira Asher quem afirma que o “torturado tende a
transformar-se no torturador”), a música desta israelita marcada pela memória
do holocausto vai ainda mais além.
Meira
Asher, como Diamanda Galas, é uma diva do inferno. Nela a Bíblia – que usou
como arma apocalíptica nos seus dois álbuns editados até ao momento,
“Dissected”, de 1997, e “Spears into Hooks”, do ano passado – transmuta-se num
livro negro de pragas. Como Diamanda Galas, a israelita profetiza a morte e o
caos, revolvendo-se na abordagem de temáticas como a sida, a masturbação
feminina e o incesto. Mas enquanto Galas encarcera a ópera, os “blues” e o
“gospel” no quarto de lua do Romantismo, Meira usa maquinaria eletrónica
pesada, desfaz-se na podridão e clama que o Apocalipse é agora.
De
“Dissected”, dissecação da masturbação, da tortura, da mutilação, da
auto-castração e dos horrores da Intifada, representava ainda a falsa segurança
de uma inovação que traía a essência da música étnica, ao automatizá-la na
hipnose da tecno, “Spears into Hooks” é a carnificina, o caos, o êxtase da
morte.
“Spears
into Hooks” faz o relatório detalhado do mal. Nele a cantora socorre-se de
samples com gravações de mulheres e crianças atingidas por projéteis,
acompanhados pela descrição dos seus efeitos e das várias gradações da dor
sentida pelas vítimas. Mas é num tema como “Weekend away break” que a noite se
abate.
“Weekend
away break” aponta os holofotes ao campo de concentração de Birkenau
descrevendo-o como um campo de férias. Sobre uma valsa de Strauss e uma canção
de Marlene Dietrich, o horror esmaga e toda a esperança na humanidade se esvai.
“Birkenau e as suas florestas divinais, abrigo de espécies em extinção/De manhã
é possível observar pessoas apanhando morangos/Outra atração: elas não suportam
o seu cheiro a decadência”. Postal de “boas-vindas a um lugar criado num
momento de inspiração”. O assassínio científico em massa como uma das
belas-artes. “Acordarás ao som das sirenes para outro dia passado no bar/E vais
esquecer-te do pequeno-almoço porque irás experimentar os nossos pequenos
jogos/E se não te apetecer jogá-los, bem, o que é que te podemos dizer
mais?/Oferecemos-te, como opção, a sauna/Basta inalares e serás transportado
para o paraíso”.
Por fim, a
própria memória morre, numa adaptação de “Se Questo é un Uomo”, de Primo Levi.
Sobre rajadas de metralhadora, explosões, silvos de gás e vidro estilhaçado uma
mulher grita suplicando pelo esquecimento: “Lembramo-nos de tudo o que
aconteceu/Mas agora é como se nunca tivesse existido/Não gravaremos nada nos
nossos corações/Quando chegarmos a casa e já estivermos longe/Quando pudermos
finalmente descansar e nos erguermos de novo/Não imprimiremos nada do que
vivemos aos nossos filhos/Deste modo perderemos a nossa essência/E a doença
tomará conta de nós da cabeça aos pés/E a nossa descendência afastar-se-á de
nós/Cada vez mais – para todo o sempre”.
No vórtice
do desespero, torturado e torturador unidos numa só pessoa, é a vez do poder
libertar a energia de Tanatos. Meira grita: “Morram! Morram! Morram!” O tema do
espetáculo que a israelita (voz, sampler, percussão e objetos) apresentará na
Guarda – acompanhada por Guy Harris (voz, computadores, flautas e objetos),
Riccardo Massari (voz, gira-discos, acordeão e objetos) e Jackie Shemesh (luz)
– é, sem disfarces, a morte. No Porto, houve quem não aguentasse e fugisse.
Para a Guarda, convirá levar defesas.
MEIRA ASHER
Guarda,
Pavilhão de adubos para todas as culturas do Barracão, sáb., 21h30.
Bilhetes:
1000$00
Entrada
permanente para todos os dias do festival: 1500$00
ARTES | sexta-feira, 29 setembro 2000
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