MÚSICAS
THOMAS
KÖNER EM SERRALVES
CORROÍDO
PELO GELO
ESCURIDÃO POLAR. UMA AURORA BOREAL CRIA PADRÕES COLORIDOS NO CÉU,
BANHANDO COM UMA LUZ TÉNUE O BRANCO DAS EXTENSÕES ÁRTICAS. SÃO ESTAS IMAGENS,
ATERRADORAS E ALUCINATÓRIAS, QUE A IMAGINAÇÃO DESENHA AO OUVIR A MÚSICA DO
COMPOSITOR ALEMÃO THOMAS KÖNER QUE HOJE GELARÁ
SERRALVES COM A PERFORMANCE “TABULA SMARAGDINA”.
THOMAS KÖNER, 35 anos, é o autor de um álbum por muitos
considerado um dos clássicos da “música ambiental”: “Nunatakgongamur”, editado
pela primeira vez em 1990 e reeditado em CD seis anos mais tarde. Música
ambiental e nada mais, dirão alguns encolhendo os ombros ao escutar esta música
nas margens do silêncio.
A “ambient
music” de Thomas Köner, que o público do Porto poderá apreciar esta noite,
pelas 21h30, na Casa de Serralves, tem, no entanto, uma particularidade.
Enquanto género musical cujas coordenadas foram lançadas por Brian Eno nos anos
70, com o álbum “Discreet Music”, a música ambiental procura estabelecer uma
harmonia, um equilíbrio, entre o som da música gravada – que idealmente deverá
ser ouvida a níveis baixos de volume – e os ruídos da realidade exterior.
Parece tarefa impossível a música de Thomas Köner funcionar como fator de
integração e de apaziguamento.
Indissociável
das imagens, esta música, sem dúvida “paisagística”, cria, pelo contrário, a
banda sonora de um “thriller” psicótico erguido das cinzas do
pós-industrialismo, na oficina contígua às dos Zoviet France, P.G.R., Lull,
Main, Bernhard Gunter, Lustmord ou do Steve Roach de rosto “sombient”. O som
deste mundo de espectros é desolado, calafetado de sombras e reverberações.
Em
“Nunatakgonggamur” este lado glaciar é potenciado por um acento ritualístico
que advém do facto de a única fonte sonora utilizada ser o gongo. Todas as
sequenciações e “drones” eletrónicas nasceram do processamento digital de sons
originais criados neste instrumento de percussão cujas origens se confundem com
as do homem.
Ao invés
do equilíbrio, instala-se a perturbação. Em vez da perceção integrada da
realidade circundante a mente é estimulada para produzir alucinações.
Toda a
obra posterior do músico alemão – registada em álbuns como “Teimo”, “Permafrost”,
“Aubrite”, “Nuuk” e “Kaamos” – procede no mesmo sentido, interligando-se com o
cinema e as artes multimédia.
Thomas
Köner ignora as estruturas convencionais da composição. A melodia e o ritmo são
conceitos apenas parasitários no imenso oceano de vagas geladas da sua música.
Em seu lugar estabelece-se uma dimensão cinematográfica, um silêncio cortado
por relâmpagos. Instado a pronunciar-se sobre um dos seus discos, “Kaamos”,
comentou-o do seguinte modo: “Considerem o rasto de uma nave intergaláctica
pulsando com um zumbido… John Barry recuperando ‘Dark Star’, mas mais
sacrossanto… Movimento lânguido, vagamente ameaçador… uma pequena epifania – a
sensação de algo mais…”. Ouve-se esta música sem margens que Biba Kopf,
jornalista da revista “The Wire”, definiu como “O grande arrepio”, e entra-se
em órbita.
Estudioso
do som enquanto fenómeno físico e psicológico, Köner conhece o efeito que as
frequências sonoras têm sobre o cérebro. O trabalho que desenvolveu em 1995 com
o realizador Jürgen Reble, designado “Alchemie”, consistia na manipulação de um
loop de imagens sujeito a tratamento químico e destruído no final da
performance. Os ruídos do projetor e da película a ser corroída pelo ácido
serviram de base ao compositor para fazer a música. Em “Tabula Smaragdina”,
outra colaboração com Jürgen Reble, a apresentar hoje em Serralves, são
igualmente retalhadas e reanimadas como mutantes ameaçadores, imagens cinematográficas
e musicais. A montagem de um caleidoscópio de estímulos sensoriais cujo efeito
sobre a assistência se adivinha perturbador.
Com o
artista multimédia Max Eastley, Köner construiu a escultura sonora (outro
conceito avançado por Brian Eno) “List of Japanese Winds”. As paisagens polares
criadas pelos seus gongos digitalizados serviram ainda para acompanhar uma
série de filmes mudos, numa sessão realizada no Museu do Louvre, em Paris.
Como
contraponto, Thomas Köner empreende com os Porter Ricks, ele e Andy Melwig, uma
estética oposta às estratégias de frigorífico com que se ocupa no seu trabalho
a solo. Em vez de um ringue de patinagem para a imaginação a música dos Porter
Ricks – nome original de uma personagem do filme “Flipper”, realizado nos anos
70, que envia sons sintetizados para o mar com o objetivo de localizar o
cetáceo – enquadra-se no chamado jazz digital (“inventado” por Paul Schütze no
álbum “Site Anubis”) aproximando-se do universo da música de dança. Mas ainda
aqui o suor rapidamente congela sobre a pele. Há movimento, sem dúvida, mas o
movimento mecânico de fotogramas isolados que se sucedem como um filme
projetado na velocidade errada. Uma ilusão de vida feita de instantes mortos.
THOMAS KÖNER E JURGEN REBLE
Porto, Casa de Serralves, hoje, 21h30
PORTER RICKS
Porto,Court de ténis de Serralves,
amanhã, 2130h
ARTES | sexta-feira, 9 junho 2000
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