29/12/2014

Vampiros de corda [Kronos Quartet & Philip Glass]



MÚSICA

KRONOS QUARTET E PHILIP GLASS NO COLISEU DE LISBOA

 

VAMPIROS DE CORDA

O ACADEMISMO E TERROR, PARA CONSUMO CHIQUE: PHILIP GLASS TOCARÁ A SUA MÚSICA AO LADO DO KRONOS QUARTET NO COLISEU DE LISBOA DURANTE A PROJEÇÃO AO VIVO DO “DRACULA” DE TOD BROWNING.

FORMADOS EM 1973 para interpretar compositores “sérios” como Shostakovitch, Webern ou Bartok, os Kronos Quartet, um clássico quarteto de cordas de dois violinos, viola de arco e violoncelo, notabilizaram-se todavia por estenderem o seu reportório a formas musicais estranhas à música clássica, como o rock e a música étnica.
            Mas foi isso mesmo que os Kronos fizeram, ao executarem nos instrumentos de arco o rock encharcado em LSD de Jimi Hendrix, música indiana ou a guitarralma de Carlos Paredes. As fronteiras diluíram-se, géneros musicais díspares deram as mãos, o mundo ficou mais aconchegado.
            Amanhã e domingo, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, apesar do contexto vampiresco, a combinação faz-se com conforto. Philip Glass – autor da nova partitura para o clássico filme de terror da Universal, “Dracula”, realizado em 1931 por Tod Browning sobre a novela de Bram Stoker, e com o ator húngaro Bela Lugosi no papel do vampiro mais mediático de todos os tempos – estará, de resto, presente no palco para tocar teclados ao lado do Kronos. O minimalismo, na sua vertente mais conservadora, é uma brincadeira de crianças nos arcos do quarteto. O CD, cheio de sangue e com a carantonha de Bela Lugosi/Dracula na capa, pronta a cravar os dentes na nossa jugular, encontra-se disponível na Elektra Nonesuch, com distribuição da Warner Music.
            Tudo isto acontece porque o Kronos Quartet – David Harrington, violino, John Sherba, violino, Hank Dutt, viola de arco, e Joan Jeanrenaud, violoncelo – além de virtuosos são curiosos. Uma curiosidade que se confundiria até com iconoclastia se entretanto este tipo de “transgressões” não se tivesse vulgarizado através de outras formações com uma prática idêntica, como o Balanescu Quartet ou os menos eruditos Soldie String Quartet. Os Kronos continuam a sugar com engenho o sangue alheio mas já ninguém desfalece de susto com as suas dentadas.
            Philip Glass e o Kronos Quartet já tinham colaborado antes. Na banda sonora de “Mishima”, de Paul Schrader, e no “Quartet no.5” do compositor americano. Terry Riley é outro dos monstros da escola minimalista norte-americana com presença assídua no reportório do quarteto, contribuindo com a composição “Cortejo funebre en el Monte Diablo” para “Kronos Caravan”, editado o ano passado pela Elektra Nonesuch, um álbum no qual participal a banda cigana romena Taraf de Haidouks e de cujo alinhamento faz parte um par de temas do músico português Carlos Paredes, incluindo a “Canção dos verdes anos”.
            Quanto a Glass, há muito que a sua música tem paredes de vidro. Longe vão os tempos em que ele e Robert Wilson criaram a obra que revolucionou o conceito de ópera, “Einstein on the Beach”, editada em 1976. Hoje trabalha por encomenda a um ritmo de cruzeiro numa citação até à náusea de si próprio.
            Philip Glass e Kronos Quartet, cada um à sua maneira, sustentam-se das vidas que sujam sob o aplauso público. Os vampiros já não são o que eram.


DRACULA
De Tod Browning
Música ao vivo pelos KRONOS QUARTET e PHILIP GLASS
LISBOA Coliseu dos Recreios, dias 23 e 24, às 22h00, bilhetes entre 3000$00 e 10000$00


ARTES | sexta-feira, 22 setembro 2000

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