cultura SÁBADO, 4 NOVEMBRO
2000
Festival
BRG 2000 começa hoje e prolonga-se por dois sábados
Ondas
eletrónicas em Braga
Braga vai
ficar ligada à corrente elétrica durante três sábados seguidos. O gerador é da
marca Evento Zero, modelo BRG 2000, festival que levará à cidade minhota nomes
importantes da música eletrónica atual. Hoje, a noite é animada pelas “funny
electronics” da escola alemã, com Schlammpeitziger e Holosud.
Schlammpeitziger e Holosud
são designações pouco comuns para grupos musicais. Mas no universo multiforme
em que ambos os projetos de movimentam faz sentido acrescentar ao prazer da
música que fazem o inusitado dos nomes. Schlammpeitziger é, calculem, um só
músico: Jo Zimmerman. Holosud é Jo mais FX Randomiz que, embora também não seja
nome de gente, gravou um fantástico álbum intitulado “Goflex”. Os nomes não são
fáceis de soletrar nem constam do dicionário de alemão. E se nos debruçarmos
sobre os títulos dos álbuns, então o jogo de letras torna-se num verdadeiro
desafio à imaginação. “Spacerokkmountainrutschquartier” e
“Augenwischwaldmoppegeflöte” para os Schlammpeitziger, “Fijnewas Afpompen” para
os Holosud, todos editados no selo a-musik e disponíveis em Portugal com
distribuição Ananana. Para baralhar ainda mais, acrescente-se que o cartaz
desta noite completa-se com uma banda portuguesa chamada Zzzzzzzzzzzzzzzzzp! –
Miguel Sá, Miguel Carvalhais, José Moura e Manuel Dias, manipuladores de filmes
eletrónicos que fundem a realidade e a fantasia. Como fazia Mr. MxZPtlk, vilão
dos “comics” do Super-homem, proveniente de um planeta em forma de cubo.
Não
se ouvia nada assim desde que, nos anos 70, os Cluster instalaram os
sintetizadores num carrocel às cores no cinzento de Berlim e os Devo publicaram
a sua teoria sobre a “desevolução” num circo para mongolóides sorridentes, em
Akron, no Ohio. A feira popular montada no coração da disformidade.
Hoje,
a eletrónica reaprendeu a brincar, sobretudo na Alemanha onde curiosamente as
pessoas têm fama de não saberem apreciar uma boa piada. Agradeça-se ao humor
visionário de pioneiros como os já citados Cluster, Pyrolator, Holger Hiller e
Der Plan.
A
música dos Schlammpeitziger e Holosud dá corpo à sensualidade, faz abrir os
ouvidos num sorriso, despeja um arco-íris de sensações na glândula pineal até
todo o sistema nervoso de revolver de prazer e brilhar como uma árvore de
natal. Música de dança para dançar fora da gravidade numa discoteca de Plutão.
A
esta vertente lúdica, representada de forma superlativa por estes dois projetos
que agora nos visitam, se deve terem sido afastados de vez os espectros da
música industrial, enfiado inteligência na tecno e trocado as voltas às
patorras da “house”, pondo em sobressalto o mundo da eletrónica entronizada num
altar. As canetas desenham “cartoons” nos “Powerbooks”, os sintetizadores
analógicos regressaram em força para deitar a língua de fora à brigada
liofilizada dos digitais e estes respondem sem rancor lançando-lhes à cara
samplers serpentinas que mimam o som dos velhos aparelhos Moog e ARP. Perdeu-se
o tino, o chão foge debaixo dos pés varrido por este caleidoscópio de sons que
rodam e saltitam numa metamorfose sem fim com o objetivo único de nos fazer
babar de prazer. Stockausen e o sr. arcebispo de Braga franzirão o sobrolho ou
também gostam de caramelos?
SCHLAMMPEITZIGER, HOLOSUD,
ZZZZZZZZZZZZZZZZZP!
BRAGA
Antigas instalações do Tribunal Judicial de Braga, às 22h. Entrada livre.
SÁBADOS ELECTRO
4 DE NOVEMBRO, 22H00
Zzzzzzzzzzzzzzzzzp! (Portugal)
Um dos grupos nacionais de
referência da nova eletrónica portuguesa. Entre o industrialismo digital, as
fotografias Kirlian dos Cabaret Voltaire e a tentação tecno.
Schlammpeitziger (Alemanha)
O supra-sumo da nova eletrónica
alemã encarada como fonte de inesgotáveis prazeres pelo manipulador e ideólogo
Jo Zimmerman.
Holosud (Alemanha)
Pareceria de Schlammpeitziger com
FX Randomiz, outro nome de referência da editora a-musik. A arquitetura sonora
torna-se mais complexa, o humor é menos evidente, mas a auto-estrada para o
prazer continua aberta na via verde.
Djs: Miguel Sá e Miguel Carvalhais. Vídeo: Rev Design +
Schlammpeitziger
11 DE NOVEMBRO, ÀS 22H00
Projeto comum de Pedro Almeida e
Pedro Tudela, dos Mute Life Dept. e Miguel Carvalhais, dos Zzzzzzzzzzzzzzzzzp!
com a designer e videasta austríaca Lia.
Concorde Plus (Áustria)
Colaboração de Ramon Bauer,
co-fundador da editora Mego, com Gerhard Potuznik, cérebro electro e produtor
das Chicks on Speed.
Dj: Pedro Tudela. Vídeo: Tina Frank (Áustria), Lia (Áustria)
18 DE NOVEMBRO, ÀS 22H00
Felix Kubin (Alemanha)
O Holger Hiller do final do
milénio, showman do kitsch electro delirante, já atuou em Portugal por duas
vezes, no festival Reset do ano passado, a bordo de um cacilheiro, e como DJ,
em discotecas de Lisboa e do Porto.
Aaviko (Finlândia)
Muzak, neo-disco, discos de
baixa-fidelidade e groove digital. O grupo, tal como Felix Kubin, irá atuar em
Lisboa no dia 19, em local ainda a designar.
DJ: Felix Kubin e Georg Odjik (da editora a-musik)
Jo Zimmerman e os brinquedos
NA CABEÇA de Jo Zimmerman, ao
mesmo tempo mentor, patrão, operário, “designer” e moço de recados dos
Schlammpeitziger, os conceitos e as imagens rodopiam à mesma velocidade com que
o atual milénio se presta para dar a vez ao seguinte. Em vez de fazer música
poderia ganhar a vida “a vender brinquedos sexuais para animais”, como comentou
para o PÚBLICO, em corrida para um espetáculo na Bélgica. Também não parece
estar a falar a sério quando define as diferenças estéticas existentes entre as
duas principais editoras alemãs de música eletrónica, a-musik e a Mille
Plateaux, como uma “batalha de cerveja”. E quando lhe foi proposto fazer uma
lista dos seus artistas preferidos, a escolha apresentada não poderia ser mais
elucidativa: Renaldo and the Loaf, Residents, Coil, Bene Gesserit, Telex e Der
Plan. Todos habitantes da quarta dimensão e seguintes.
Jo
faz parte de uma nova geração de músicos alemães que se recusam a desempenhar
na música eletrónica os papéis de professor e carpideira. Filhos de uma
tradição de peso que nasceu com o serialismo, cresceu enjoada com a pop
anglo-americana e bateu com o martelo na bigorna do “krautrock” (é verdade que
as faíscas se espalharam pelo Cosmos…), os Schlammpeitziger, como os Mouse on
Mars, Nova Huta, Pluramon, Schneider TM, B. Fleischmann, Bluthsiphon, Bernd
Friedmann, Atom Heart, Thomas Brinkmann, Jeans Team, Kreidler, Tarwater, Felix
Kubin ou To Rococo Rot, escaparam pela janela ao preconceito que adora atirar a
música eletrónica para os lugares – da frente, sem dúvida, mas numa casa normalmente
vazia – da “vanguarda”.
Assumem
antes o gozo da manipulação na descoberta da inocência perdida, onde a máquina
abandona a frieza dos números para adquirir a sedução do brinquedo.
Sem comentários:
Enviar um comentário