09/12/2014

Ondas eletrónicas em Braga [Festival BRG 2000]



cultura SÁBADO, 4 NOVEMBRO 2000

Festival BRG 2000 começa hoje e prolonga-se por dois sábados

Ondas eletrónicas em Braga

Braga vai ficar ligada à corrente elétrica durante três sábados seguidos. O gerador é da marca Evento Zero, modelo BRG 2000, festival que levará à cidade minhota nomes importantes da música eletrónica atual. Hoje, a noite é animada pelas “funny electronics” da escola alemã, com Schlammpeitziger e Holosud.

Schlammpeitziger e Holosud são designações pouco comuns para grupos musicais. Mas no universo multiforme em que ambos os projetos de movimentam faz sentido acrescentar ao prazer da música que fazem o inusitado dos nomes. Schlammpeitziger é, calculem, um só músico: Jo Zimmerman. Holosud é Jo mais FX Randomiz que, embora também não seja nome de gente, gravou um fantástico álbum intitulado “Goflex”. Os nomes não são fáceis de soletrar nem constam do dicionário de alemão. E se nos debruçarmos sobre os títulos dos álbuns, então o jogo de letras torna-se num verdadeiro desafio à imaginação. “Spacerokkmountainrutschquartier” e “Augenwischwaldmoppegeflöte” para os Schlammpeitziger, “Fijnewas Afpompen” para os Holosud, todos editados no selo a-musik e disponíveis em Portugal com distribuição Ananana. Para baralhar ainda mais, acrescente-se que o cartaz desta noite completa-se com uma banda portuguesa chamada Zzzzzzzzzzzzzzzzzp! – Miguel Sá, Miguel Carvalhais, José Moura e Manuel Dias, manipuladores de filmes eletrónicos que fundem a realidade e a fantasia. Como fazia Mr. MxZPtlk, vilão dos “comics” do Super-homem, proveniente de um planeta em forma de cubo.
            Não se ouvia nada assim desde que, nos anos 70, os Cluster instalaram os sintetizadores num carrocel às cores no cinzento de Berlim e os Devo publicaram a sua teoria sobre a “desevolução” num circo para mongolóides sorridentes, em Akron, no Ohio. A feira popular montada no coração da disformidade.
            Hoje, a eletrónica reaprendeu a brincar, sobretudo na Alemanha onde curiosamente as pessoas têm fama de não saberem apreciar uma boa piada. Agradeça-se ao humor visionário de pioneiros como os já citados Cluster, Pyrolator, Holger Hiller e Der Plan.
            A música dos Schlammpeitziger e Holosud dá corpo à sensualidade, faz abrir os ouvidos num sorriso, despeja um arco-íris de sensações na glândula pineal até todo o sistema nervoso de revolver de prazer e brilhar como uma árvore de natal. Música de dança para dançar fora da gravidade numa discoteca de Plutão.
            A esta vertente lúdica, representada de forma superlativa por estes dois projetos que agora nos visitam, se deve terem sido afastados de vez os espectros da música industrial, enfiado inteligência na tecno e trocado as voltas às patorras da “house”, pondo em sobressalto o mundo da eletrónica entronizada num altar. As canetas desenham “cartoons” nos “Powerbooks”, os sintetizadores analógicos regressaram em força para deitar a língua de fora à brigada liofilizada dos digitais e estes respondem sem rancor lançando-lhes à cara samplers serpentinas que mimam o som dos velhos aparelhos Moog e ARP. Perdeu-se o tino, o chão foge debaixo dos pés varrido por este caleidoscópio de sons que rodam e saltitam numa metamorfose sem fim com o objetivo único de nos fazer babar de prazer. Stockausen e o sr. arcebispo de Braga franzirão o sobrolho ou também gostam de caramelos?

SCHLAMMPEITZIGER, HOLOSUD, ZZZZZZZZZZZZZZZZZP!
BRAGA Antigas instalações do Tribunal Judicial de Braga, às 22h. Entrada livre.


SÁBADOS ELECTRO

 4 DE NOVEMBRO, 22H00

Zzzzzzzzzzzzzzzzzp! (Portugal)
Um dos grupos nacionais de referência da nova eletrónica portuguesa. Entre o industrialismo digital, as fotografias Kirlian dos Cabaret Voltaire e a tentação tecno.

Schlammpeitziger (Alemanha)
O supra-sumo da nova eletrónica alemã encarada como fonte de inesgotáveis prazeres pelo manipulador e ideólogo Jo Zimmerman.

Holosud (Alemanha)
Pareceria de Schlammpeitziger com FX Randomiz, outro nome de referência da editora a-musik. A arquitetura sonora torna-se mais complexa, o humor é menos evidente, mas a auto-estrada para o prazer continua aberta na via verde.

Djs: Miguel Sá e Miguel Carvalhais. Vídeo: Rev Design + Schlammpeitziger

11 DE NOVEMBRO, ÀS 22H00

Projeto comum de Pedro Almeida e Pedro Tudela, dos Mute Life Dept. e Miguel Carvalhais, dos Zzzzzzzzzzzzzzzzzp! com a designer e videasta austríaca Lia.

Concorde Plus (Áustria)
Colaboração de Ramon Bauer, co-fundador da editora Mego, com Gerhard Potuznik, cérebro electro e produtor das Chicks on Speed.

Dj: Pedro Tudela. Vídeo: Tina Frank (Áustria), Lia (Áustria)

18 DE NOVEMBRO, ÀS 22H00

Felix Kubin (Alemanha)
O Holger Hiller do final do milénio, showman do kitsch electro delirante, já atuou em Portugal por duas vezes, no festival Reset do ano passado, a bordo de um cacilheiro, e como DJ, em discotecas de Lisboa e do Porto.

Aaviko (Finlândia)
Muzak, neo-disco, discos de baixa-fidelidade e groove digital. O grupo, tal como Felix Kubin, irá atuar em Lisboa no dia 19, em local ainda a designar.

DJ: Felix Kubin e Georg Odjik (da editora a-musik)


Jo Zimmerman e os brinquedos

NA CABEÇA de Jo Zimmerman, ao mesmo tempo mentor, patrão, operário, “designer” e moço de recados dos Schlammpeitziger, os conceitos e as imagens rodopiam à mesma velocidade com que o atual milénio se presta para dar a vez ao seguinte. Em vez de fazer música poderia ganhar a vida “a vender brinquedos sexuais para animais”, como comentou para o PÚBLICO, em corrida para um espetáculo na Bélgica. Também não parece estar a falar a sério quando define as diferenças estéticas existentes entre as duas principais editoras alemãs de música eletrónica, a-musik e a Mille Plateaux, como uma “batalha de cerveja”. E quando lhe foi proposto fazer uma lista dos seus artistas preferidos, a escolha apresentada não poderia ser mais elucidativa: Renaldo and the Loaf, Residents, Coil, Bene Gesserit, Telex e Der Plan. Todos habitantes da quarta dimensão e seguintes.
            Jo faz parte de uma nova geração de músicos alemães que se recusam a desempenhar na música eletrónica os papéis de professor e carpideira. Filhos de uma tradição de peso que nasceu com o serialismo, cresceu enjoada com a pop anglo-americana e bateu com o martelo na bigorna do “krautrock” (é verdade que as faíscas se espalharam pelo Cosmos…), os Schlammpeitziger, como os Mouse on Mars, Nova Huta, Pluramon, Schneider TM, B. Fleischmann, Bluthsiphon, Bernd Friedmann, Atom Heart, Thomas Brinkmann, Jeans Team, Kreidler, Tarwater, Felix Kubin ou To Rococo Rot, escaparam pela janela ao preconceito que adora atirar a música eletrónica para os lugares – da frente, sem dúvida, mas numa casa normalmente vazia – da “vanguarda”.
            Assumem antes o gozo da manipulação na descoberta da inocência perdida, onde a máquina abandona a frieza dos números para adquirir a sedução do brinquedo.

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