TERÇA-FEIRA,
18 JULHO 2000 cultura
Ala dos
Namorados surpreende Pontedera, em Itália
O cantor
com “voce di donna”
Estupefação, sorrisos, por fim, adesão.
Foi assim que
o público italiano de Pontedera reagiu à “voce di donna” de Nuno Guerreiro, vocalista
da Ala dos Namorados. Na primeira das apresentações portuguesas no Sete Sóis
Sete Luas, a surpresa foi a nota principal.
Primeiro estranha-se, depois
entranha-se. A frase de publicidade à Coca-Cola idealizada por Fernando Pessoa
aplica-se na perfeição ao modo como a música da Ala dos Namorados e, em
particular a voz de contratenor do seu vocalista, Nuno Guerreiro, foram
recebidos no domingo em Pontedera, na primeira das apresentações de artistas
portugueses na extensão italiana do festival Sete Sóis Sete Luas, ficando a
lista completa com Cristina Branco e Mafalda Arnauth.
Pontedera
é uma pequena cidade italiana da Toscânia situada a 60 quilómetros de Florença
onde fica localizada a sede do Teatro Immagini, entidade organizadora do
festival. Os seus habitantes têm o costume saudável de sair à noite e fazem-no
passeando pela madrugada dentro, de cima para baixo e de baixo para cima, pela
artéria principal da cidade, o corso Cesare Matteotti. As noites de Verão, já
de si animadas pela “movida”, convidam mais ao convívio nos bares ou no meio da
rua, do que a prestar atenção ao que se passa sobre o palco, instalado em plena
via.
Daqui
se compreende que não foi fácil à Ala dos Namorados conquistar o público
toscano. Sem ter sido, em termos absolutos, um grande concerto, teve o mérito
de tirar partido das circunstâncias e de optar por um registo certo de
alternância entre canções intimistas e o convite ao bailarico. E até nem se
pode dizer que a música tenha soado de início estranha aos ouvidos dos
pontederenses, dadas as semelhanças de ambiência do tema de abertura, “Há
dias”, com o vaudeville do genial crooner italiano Paolo Conte. Mas quando a
voz de Nuno Guerreiro lançou para o ar os seus agudos mais penetrantes, a
incredulidade foi geral. Como era possível a um homem cantar com aquela voz era
a pergunta que bailava no espírito das pessoas.
Tempo de baile
Aos
poucos, porém, a estranheza deu lugar ao fascínio. Sem se deter num registo
particular, a música percorreu as notas do rock progressivo, em “Café Paraíso”,
a fazer lembrar grupos como os Renaissance e Curved Air, da tarantela, no
instrumental “Ruas e praias”, do chorinho brasileiro, da música árabe e do
fado. “Fado de amor e pecado” serviu de pretexto para um tour de force vocal de
Nuno Guerreiro – primeira grande ovação da noite – e para João Gil exercitar os
seus dotes no domínio da língua italiana, explicando que esta canção “une todos
os povos do Sul”.
A
partir daqui foram sobressaindo gradualmente as intervenções de Manuel Paulo,
no piano, e de José António Santos, no clarinete e no clarinete-baixo. O
primeiro aproveitou, em “Rosa negra”, outro tema evocativo dos Renaissance,
para se demorar num longo solo onde pairaram as notas de Michael Nyman, Keith
Jarrett e do flamenco, enquanto Nuno Guerreiro fez questão de demonstrar que
era capaz de arrancar notas tão ou mais agudas que as da vocalista daquele
grupo inglês, Annie Haslam.
“Alice”,
dedicada pela Ala a todas “le donne italiane”, foi jazzy e swing do
clarinete-baixo. Depois, foi tempo de baile, com “Siga a marinha” e “Zé
passarinho” a puxarem às marchas populares, ao fado castiço e ao Conjunto de
António Mafra, e “Solta-se o beijo”, título que dá nome ao mais recente álbum
da Ala, a transformar a Ala nos reis do mambo e Nuno Guerreiro na cantora
Shirley Bassey.
O
encore, “Ausência”, tema crioulo, fechou a atuação da Ala dos Namorados em
Pontedera, deixando a imagem de Nuno Guerreiro a dançar abraçado à atriz Ana
Bola.
Houve
quem, ainda intrigado, se aproximasse depois do concerto dos músicos para
indagar sobre o cantor com “voce di donna” que tão bem sabe cantar o fado.
Digamos que esses terão sido os que ficaram enamorados desta música tão próxima
e ao mesmo tempo tão diferente das sonoridades mais comuns do Mediterrâneo.
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