cultura SÁBADO, 11
MARÇO 2000
Tony
Conrad atua na Fundação Serralves, no Porto
Minimalista
democrático
Minimalista
desalinhado, Tony Conrad escapou ao jugo do “aristocrata” La Monte Young para
gravar nos anos 70 um álbum mítico e doloroso onde a energia e a repetição são
ferramentas ao serviço da democracia. A música eterna é um mito. Aos outros
aristocratas, como Pitágoras, responde com uma bofetada.
La Monte Young, um dos
teorizadores da primeira geração dos minimalistas americanos, formou no final
dos anos 60 o Dream Syndicate/Theatre of Eternal Music, errático conjunto de
performers de um conceito musical/místico/filosófico comum. A música eterna,
fluxo ininterrupto de sons que ligaria o homem à grande fonte da música
cósmica. “La Monte Young vê a música como uma forma de participação do homem em
algo eterno e universal. É um aristocrata”, explica Tony Conrad, que esta noite
atua ao vivo na Fundação de Serralves, no Porto. “Eu tenho uma perspetiva
diferente”, diz o compositor e violinista. “Para mim a música nasce da
colaboração, enquanto forma de expressão democrática. Era esse o problema.”
Entre
os músicos que circulavam ao redor do guru La Monte Young encontrava-se este
jovem compositor e violinista, menos conhecido do que outros frequentadores do
Sindicato dos Sonhos/Teatro da Música Eterna, como John Cale, Terry Riley, Jon
Hassell e Lee Konitz, imersos no “oceano de espaço” do minimalismo. Tony Conrad
demarcou-se: “Era o espaço que separava o universo dele do meu universo
pessoal. Eu quis explorar o que havia para além dele”.
Tony
Conrad adotou de forma pessoal as teorias de repetição e transe postas em
prática pelos minimalistas mais conhecidos – o próprio La Monte Young, Terry
Riley, Philip Glass e Steve Reich. Nenhum deles levou tão longe e tão à risca
um dos preceitos enunciados por La Monte Young: “Traça uma linha a direito e
segue-a.”
Tony
traçou a sua a direito e seguiu-a a seu modo no álbum “Outside the Dream
Syndicate”, de 1972, citação acusatória ao lugar de início, o “sindicato dos
sonhos”. Uma obra sem curvas. Uma auto-estrada tendo a monotonia como céu, a
repetição como prece e a brutalidade como penitência. “A ideia partiu do
produtor dos Faust, Uwe Nettelbeck, que também produziu nessa altura os
primeiros álbuns de Anthony Moore. Acabei por ficar espantado com o simples
facto de ter sido editado! Teve críticas más na altura (risos) mas agora as
pessoas ouvem-no de maneira diferente”.
Como
a “Metal Machine Music” de Lou Reed, “Outside the Dream Syndicate” inverte de
forma perversa as doutrinas que preconizam a harmonização do homem com o Cosmos
e a música das esferas, convertendo-as num magma de alucinações urbanas no
limite da paranoia. Os sonhos de Tony Conrad eram pesadelos, uma “bad trip”, a
queda no betão da grande cidade. “Fora” e não “dentro” do Sindicato dos Sonhos.
“Nessa época eu trabalhava com La Monte Young como engenheiro num departamento
de documentação que ele montara em Kassel [na Alemanha]. Era a oportunidade
para gravar algo ‘fora’ do ambiente normal dele”.
“Outside
the Dream Syndicate” vive da força. Da energia. Algo que, para Conrad, “estava
a faltar à música até chegar o punk”. O punk lidava com a energia. A minha
música era uma versão sintetizada disto”.
Uma bofetada em Pitágoras
Ao
ouvirmos os dois longos mantras de violino arranhado, drones de ferrugem e
batidas de mertelo-pilão – “From the side of man and womankind” e “From the
side of the machine” – fazemos figas para que a eternidade não exista. A não
ser que seja dado o passo fatal e a mulher e o homem se transformem em
máquinas.
Na
reedição em CD deste trabalho Conrad acrescentou-lhe um terceiro tema, “From
the side of woman and mankind”. “Uwe Nettelbeck tinha ideias diferentes das
minhas. Quando iniciei as gravações, disse-lhe logo que não queria dinheiro, só
ficar com cópias de todas as fitas. Quando regressei a Nova Iorque e ouvi as
gravações, gostei principalmente de ‘from the side of man and womankind’. Mas o
Uwe achava que este tema, sozinho, não aguentava o disco, daí ter incluído um
segundo. Como o CD permite mais tempo, juntei a música que faltava”.
Só
mais tarde, em 1995, Tony Conrad voltaria a gravar novo álbum: “Slaping
Pythagoras” (“Esbofeteando Pitágoras”). “Pitágoras defendeu e organizou uma
ideologia antidemocrática, em relação à forma como as pessoas ouvem música.
Procurava convencê-las de que eram governadas por um poder e uma estrutura
intelectual superiores, uma ordem cósmica baseada nos números. Era uma boa
maneira de controlar o pensamento. Algo semelhante ao socialismo científico,
nos dias de hoje.”
Há
dois anos foi editado “Early Minimalism”, caixa de quatro CD com obras dos anos
60 deste compositor que o pós-rock, pela mão de um dos seus teóricos e músicos,
Jim O’Rourke, erigiu como patriarca do movimento. “Era material com
colaborações com outros músicos que eu considerava importante. Mas a ideia de
La Monte Young era conservá-lo e esperar que eu ou o John Cale morrêssemos
primeiro, para o editar. Não nos queria dar uma única cópia. Por fim John Cale
levou o assunto a tribunal mas mesmo assim só se concordássemos que toda esta
música fosse creditada como sendo sua! Claro que não concordámos. Estávamos em
1962, 1963, em dialética com a obra de John Cage e com as músicas étnicas do
mundo. O nosso propósito era, precisamente, abolir a noção de ‘compositor’”,
explica.
O
concerto desta noite, com Alexandra Gelencser, companheira de Conrad, e que
incluirá improvisação, realiza-se no âmbito do Festival “On/Off”, em paralelo
com a exposição “Andy Warhol – A Factory”. O festival prossegue em Junho com a
apresentação de três representantes da nova música eletrónica da escola de
Berlim: Pôle (dia 3), Thomas Köner (dia 9) e Porter Ricks (dia 10).
TONY CONRAD & ALEXANDRA GELENCSER
PORTO
Fundação Serralves, 21h30. Bilhetes a 2000$00.
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