01/12/2014

Minimalista democrático [Tony Conrad]



cultura SÁBADO, 11 MARÇO 2000

Tony Conrad atua na Fundação Serralves, no Porto

Minimalista democrático

Minimalista desalinhado, Tony Conrad escapou ao jugo do “aristocrata” La Monte Young para gravar nos anos 70 um álbum mítico e doloroso onde a energia e a repetição são ferramentas ao serviço da democracia. A música eterna é um mito. Aos outros aristocratas, como Pitágoras, responde com uma bofetada.

La Monte Young, um dos teorizadores da primeira geração dos minimalistas americanos, formou no final dos anos 60 o Dream Syndicate/Theatre of Eternal Music, errático conjunto de performers de um conceito musical/místico/filosófico comum. A música eterna, fluxo ininterrupto de sons que ligaria o homem à grande fonte da música cósmica. “La Monte Young vê a música como uma forma de participação do homem em algo eterno e universal. É um aristocrata”, explica Tony Conrad, que esta noite atua ao vivo na Fundação de Serralves, no Porto. “Eu tenho uma perspetiva diferente”, diz o compositor e violinista. “Para mim a música nasce da colaboração, enquanto forma de expressão democrática. Era esse o problema.”
            Entre os músicos que circulavam ao redor do guru La Monte Young encontrava-se este jovem compositor e violinista, menos conhecido do que outros frequentadores do Sindicato dos Sonhos/Teatro da Música Eterna, como John Cale, Terry Riley, Jon Hassell e Lee Konitz, imersos no “oceano de espaço” do minimalismo. Tony Conrad demarcou-se: “Era o espaço que separava o universo dele do meu universo pessoal. Eu quis explorar o que havia para além dele”.
            Tony Conrad adotou de forma pessoal as teorias de repetição e transe postas em prática pelos minimalistas mais conhecidos – o próprio La Monte Young, Terry Riley, Philip Glass e Steve Reich. Nenhum deles levou tão longe e tão à risca um dos preceitos enunciados por La Monte Young: “Traça uma linha a direito e segue-a.”
            Tony traçou a sua a direito e seguiu-a a seu modo no álbum “Outside the Dream Syndicate”, de 1972, citação acusatória ao lugar de início, o “sindicato dos sonhos”. Uma obra sem curvas. Uma auto-estrada tendo a monotonia como céu, a repetição como prece e a brutalidade como penitência. “A ideia partiu do produtor dos Faust, Uwe Nettelbeck, que também produziu nessa altura os primeiros álbuns de Anthony Moore. Acabei por ficar espantado com o simples facto de ter sido editado! Teve críticas más na altura (risos) mas agora as pessoas ouvem-no de maneira diferente”.
            Como a “Metal Machine Music” de Lou Reed, “Outside the Dream Syndicate” inverte de forma perversa as doutrinas que preconizam a harmonização do homem com o Cosmos e a música das esferas, convertendo-as num magma de alucinações urbanas no limite da paranoia. Os sonhos de Tony Conrad eram pesadelos, uma “bad trip”, a queda no betão da grande cidade. “Fora” e não “dentro” do Sindicato dos Sonhos. “Nessa época eu trabalhava com La Monte Young como engenheiro num departamento de documentação que ele montara em Kassel [na Alemanha]. Era a oportunidade para gravar algo ‘fora’ do ambiente normal dele”.
            “Outside the Dream Syndicate” vive da força. Da energia. Algo que, para Conrad, “estava a faltar à música até chegar o punk”. O punk lidava com a energia. A minha música era uma versão sintetizada disto”.

Uma bofetada em Pitágoras

            Ao ouvirmos os dois longos mantras de violino arranhado, drones de ferrugem e batidas de mertelo-pilão – “From the side of man and womankind” e “From the side of the machine” – fazemos figas para que a eternidade não exista. A não ser que seja dado o passo fatal e a mulher e o homem se transformem em máquinas.
            Na reedição em CD deste trabalho Conrad acrescentou-lhe um terceiro tema, “From the side of woman and mankind”. “Uwe Nettelbeck tinha ideias diferentes das minhas. Quando iniciei as gravações, disse-lhe logo que não queria dinheiro, só ficar com cópias de todas as fitas. Quando regressei a Nova Iorque e ouvi as gravações, gostei principalmente de ‘from the side of man and womankind’. Mas o Uwe achava que este tema, sozinho, não aguentava o disco, daí ter incluído um segundo. Como o CD permite mais tempo, juntei a música que faltava”.
            Só mais tarde, em 1995, Tony Conrad voltaria a gravar novo álbum: “Slaping Pythagoras” (“Esbofeteando Pitágoras”). “Pitágoras defendeu e organizou uma ideologia antidemocrática, em relação à forma como as pessoas ouvem música. Procurava convencê-las de que eram governadas por um poder e uma estrutura intelectual superiores, uma ordem cósmica baseada nos números. Era uma boa maneira de controlar o pensamento. Algo semelhante ao socialismo científico, nos dias de hoje.”
            Há dois anos foi editado “Early Minimalism”, caixa de quatro CD com obras dos anos 60 deste compositor que o pós-rock, pela mão de um dos seus teóricos e músicos, Jim O’Rourke, erigiu como patriarca do movimento. “Era material com colaborações com outros músicos que eu considerava importante. Mas a ideia de La Monte Young era conservá-lo e esperar que eu ou o John Cale morrêssemos primeiro, para o editar. Não nos queria dar uma única cópia. Por fim John Cale levou o assunto a tribunal mas mesmo assim só se concordássemos que toda esta música fosse creditada como sendo sua! Claro que não concordámos. Estávamos em 1962, 1963, em dialética com a obra de John Cage e com as músicas étnicas do mundo. O nosso propósito era, precisamente, abolir a noção de ‘compositor’”, explica.
            O concerto desta noite, com Alexandra Gelencser, companheira de Conrad, e que incluirá improvisação, realiza-se no âmbito do Festival “On/Off”, em paralelo com a exposição “Andy Warhol – A Factory”. O festival prossegue em Junho com a apresentação de três representantes da nova música eletrónica da escola de Berlim: Pôle (dia 3), Thomas Köner (dia 9) e Porter Ricks (dia 10).

TONY CONRAD & ALEXANDRA GELENCSER
PORTO Fundação Serralves, 21h30. Bilhetes a 2000$00.

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