MÚSICAS
ANABELA
DUARTE APRESENTA “MÁQUINA LÍRICA” NO MUSEU DE SERRALVES, NO PORTO
ESTRIPADORA
DE PALAVRAS
COM O CORAÇÃO DIVIDIDO ENTRE A ELETRÓNICA E O CANTO LÍRICO, ANABELA
DUARTE CULTIVA ACIMA DE TUDO O HUMOR E A TEATRALIDADE DAS PALAVRAS. NO CONCERTO
DE QUINTA-FEIRA SERÁ A INTERPRETAÇÃO A IMPOR-SE, NA COMPANHIA DE UM PIANO, PARA
CANTAR PULENC, SATIE, KURT WEILL E BORIS VIAN.
DEPOIS DA EDIÇÃO, o ano passado,
do álbum “Delito”, que recupera canções eletrónicas gravadas ao vivo em 1991, a
antiga cantora dos Mler Ife Dada regressa ao registo acústico num concerto a
que chamou “Máquina Lírica”, dois termos que designam os extremos do seu
universo musical.
A
“Máquina Lírica” será posta em funcionamento na próxima quinta-feira no
auditório do Museu de Serralves, no Porto, acionada, além de Anabela Duarte,
pela pianista jugoslava Vera Prokic.
Na
primeira parte Anabela Duarte interpretará composições de Francis Poulenc,
incluindo “L’Histoire de Babar”, com texto de Jean de Brunhoff, traduzido para
português por Helder Moura Pereira (cuja poesia, juntamente com a de Paulo da
Costa Domingos, a cantora utilizou no livro-disco “O Horizonte Basta”, editado
em 1997), “Deux poèmes de Louis Aragon”, sobre poemas deste escritor
surrealista e “Toreador”, com texto de Jean Cocteau. Completa esta primeira
parte uma composição de Erik Satie, “Ludions”.
Depois
do intervalo a cantora dará voz a “My ship”, “Speak low”, “Surabaya Johnny”,
“Nanna’s lied” e “Youkali”, de Kurt Weill, concluindo com seis canções de Boris
Vian, “Je bois”, “Valse carrée”, “Je suis snob”, “Blouse du dentiste”, “Rock
and roll-mops” e “La danse du chat”. O vestido (como o da foto) tem a
assinatura do estilista portuense Dino Alves.
Anabela
Duarte está nervosa, até porque esta será, para si, uma ocasião importante,
“numa das principais salas de música do país”. “Uma pessoa está sempre a tentar
não descarrilar mas às vezes saem coisas engraçadas, quando se está sob
pressão”, desabafa.
Ainda
este ano sairá um novo álbum da cantora, na sequência dos anteriores trabalhos
a solo, “Lisbunah” (1988), o EP “Subtilmente” (1991), “O Horizonte Basta”
(1997) e “Delito” (1999). Com músicos dos Cool Hipnoise, Alexandre Camarão,
Alex Effects e “mais uma ou duas pessoas para fazer as remisturas”. Um álbum de
“coisas atualíssimas” que passará, inclusive, por incursões na música de dança,
embora numa perspetiva “esotérica”. “Está a dar-me muito gozo, mexer na
samplagem, nos computadores…”, diz Anabela Duarte, para quem o outro lado, o da
canção lírica, tem mais a ver com o desejo de um apuro constante da
interpretação. Na sua opinião “é este choque de influências e de culturas que é
interessante”. Um processo de criação que, além da leitura, passa pela consulta
através da Internet, na procura de informação mas também pelo aproveitamento do
material cuja natureza a cantora prefere não divulgar, “para não ter a polícia
à perna”, confessa, com um sorriso enigmático nos lábios.
Curiosamente,
a ligação à eletrónica, ao aproveitamento da fonética da linguagem e da sua teatralidade,
fazem pensar em Diamanda Galas, cantora do excesso e da provocação levada até
às últimas consequências. Mas Anabela Duarte, para quem a expressão dramática é
igualmente importante, prefere não ir tão longe, demarcando-se da autora de
“Litanies of Satan”: “Ela é uma cantora muito mais desregrada, com uma atitude
mais punk, agressiva. E os poetas que escolhe, como Baudelaire, apontam para
uma coisa mais satânica. A imagem dela tem só a ver com isso, embora
inteligente é limitada. Em mim, além desse lado, têm que passar outras coisas,
jogo mais com a diversidade”.
Mas
o mais importante, mesmo, para Anabela Duarte, é o humor, “um humor crítico, um
humor negro na linha do Surrealismo, a gente ri-se mas há sempre algo mais
sobre o qual se pode pensar”.
Anabela
Duarte recorda os jogos fonéticos destes diletantes da loucura e cita os nomes
do dadaísta Tristan Tzara e dos portugueses Mário Cesariny e Pedro Oom mas
sobretudo o de António Maria Lisboa, de quem interpretará um poema no seu novo
álbum.
Tudo
junto contribui para dar ao percurso artístico de Anabela Duarte um sentido que
a própria considera um “processo de globalização”, aglutinador de vetores só
aparentemente contraditórios que Hélder Moura Pereira, no seu texto de
apresentação de “Máquina Lírica”, resume da seguinte forma: “Anabela situa-se
num intervalo que evita nomenclaturas (…) a cantora sabe que a voz comporta
perigos – ela pode ser, pelo virtuosismo, um elemento branqueador de
diferenças, espaço à mercê de todas as facilidades – por isso, e certamente sem
inocência, tem ela atuado sobre a palavra poética como matéria moldável, aberta
à interpretação, escolhendo da possibilidade histórica (e sendo dela cúmplice)
autores que estiveram também em intervalos ou que, de uma forma ou outra, os provocaram.
Lorca, Vian, Satie, Poulenc, todos eles capazes de honrar a infância, capazes
do amor intenso e do comprometimento”.
ANABELA DUARTE
Porto, Museu de Serralves, dia 11, 21h30
Bilhetes a 1500 escudos
ARTES | sexta-feira, 5 maio 2000
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