MÚSICAS
SAVINA
YANNATOU COM PRIMAVERA EM SALONICO NO CCB
VOZ
DE SOL NUM CACHIMBO DE ÁGUA
EM TORNO DO MEDITERRÂNEO, EM VIAGEM COM OS JUDEUS SEFARDITAS, EM TRANSE
NUM CAFÉ DE REBETIKA, EM LOUVOR DA VIRGEM MARIA. POR AQUI TEM ANDADO A VOZ
SENSUAL DA CANTORA GREGA SAVINA YANNATOU, EXPOENTE DAS MÚSICAS DO SUL. ESTA
NOITE, NO GRANDE AUDITÓRIO DO CCB, EM LISBOA, PODERÁ VOAR AINDA MAIS LONGE.
NÃO É PRECISO fumar haxixe por um
narguilé para o cérebro ficar enevoado e o espírito se abrir numa dança de
cambiantes eróticos. Escutar a voz da cantora grega Savina Yannatou tem o mesmo
efeito. O Mediterrâneo transforma-se num mar de luxúria. Arrepios prometidos
para hoje, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), em concerto
do Festival das Músicas e dos Portos.
Mas
não se imagine que vai ser uma pouca-vergonha. É verdade que a voz e a presença
física de Savina Yannatou nos recordam que a ascese espiritual não dispensa um
ou outro frémito do corpo. E que na origem da música rebetika (na qual, aliás,
Savina faz ocasionais incursões) também estão umas boas cachimbadas de haxixe
turco as quais, de certa forma, ajudam a que soe ainda melhor. Mas nela o
erotismo radica em correntes mais profundas do ser, num veio de sol, aluz e mar
que empurra suave, mas firmemente, a alma para o êxtase. Coisa mística, enfim.
Mas deleitosa.
Tudo
isto a propósito da segunda vinda desta cantora grega a Portugal (passou
despercebida na programação da Expo), desta feita acompanhada pelo grupo
Primavera em Salonico, composto por músicos afetos à música tradicional e ao
jazz.
Poderia
não passar de uma premonição, ou de um desejo, se antes não tivéssemos travado
conhecimento com dois magníficos álbuns nos quais Savina demonstra tudo aquilo
que escrevemos até aqui: “Primavera en Salonico”, de 1994, e “Songs of the
Mediterranean”, de 1998. Já foi editado um terceiro, inteiramente preenchido
com canções em louvor à Virgem Maria. A música que deles se evola faz-nos
sentir apaixonados, infiltra-se pela pele até se alojar no coração. Ou mais
fundo ainda.
Savina
Yannatou canta o Mediterrâneo. O mar e a terra em volta. Ela é o sal e o cálice
que transborda. Em “Primavera en Salonico” a sua voz inflama principalmente as
canções dos judeus sefarditas que no século XVI foram expulsos da Península
Ibérica, disseminando-se um pouco por todo o Mediterrâneo. Savina canta neste
disco em ladino, o dialeto destes judeus que marcaram de forma indelével a
cultura de todo o Sul da Europa.
Em
“Songs of the Mediterranean” o canto de Savina Yannatou alarga-se,
espreguiça-se, assanha-se, ganhando corpo nas margens e nas águas da sua Grécia
natal mas também da Albânia, Itália, Sardenha, Israel, Andaluzia, Líbano,
Chipre, Turquia, França, Córsega e Tunísia. Há nestes dois álbuns momentos
sublimes que, a repetirem-se hoje no CCB, poderão garantir para o concerto um
lugar entre os melhores do ano.
Ladina e rebetika
Savina
Yannatou nasceu em Atenas onde estudou canto no Conservatório, prosseguindo os
estudos na Academia de Arte Vocal de Atenas, onde trabalhou com músicos
reputados na área da música grega erudita, como G. Georilipoulou e Spiros
Sakkas. As altas classificações proporcionaram-lhe uma bolsa em Londres, na
Guildhall School of Music and Drama. Sim, drama! Porque além de cantora, Savina
Yannatou não descura o teatro, tendo composto e executado as bandas sonoras de
“A Caixa de Pandora”, uma pantomina, e da peça clássica “Medeia”, de Eurípides,
pelo Teatro Nacional Grego.
1979
assinala o ano de início de carreira. Quatro anos mais tarde encontra os Primavera
en Salonico, grupo com o qual enceta um caminho comum que, para já, os coloca a
ambos na vanguarda do panorama da world music atual. Com os Primavera en
Salonico, impulsionados pelo rigoroso trabalho de investigação musicológica e
pelos arranjos de Kostas Vomvolos (também acordeonista e executante de quanun,
o saltério árabe), a música expande-se pelos territórios abertos pela
improvisação. Não admira. Todos os músicos do grupo estão ligados ao jazz:
Kyryakos Gouventas, violino, Yannis Alexandris, violeta e alaúde árabe, Haris
Lambrakis, nay (flauta), Nikos Psofoyrogos, percussão, e Michalis Signadis,
contrabaixo, este, por sinal, companheiro habitual de um famoso jazzman grego,
o clarinetista Floros Floridis, e elemento da Black Sea Orchestra, formação de
virtuosos que ontem se apresentou na Aula Magna, em Lisboa, no âmbito deste
mesmo festival.
Festival
onde, além do fado, tem estado em destaque a música rebetika do porto do Pireu
e de outras cidades onde teve origem, como Atenas, Larissa, Hermopolis (na ilha
de Syrus), Salónica, Esmirna (na costa da Turquia) e Constantinopla. Uma música
que começou por ser cantada e tocada ainda no século XIX, nos cafés musicais
das zonas portuárias, antes de ser adotada pelos marginais, pelos presos
políticos e em geral por todos os que, a seguir à Guerra de Independência
grega, se opunham ao governo. Entre danças de volúpia e todo o género de
improvisações, musicais e de outro tipo, sugeridas provavelmente pelas tais
cachimbadas (no tradicional cachimbo de água, o narguilé) de haxixe que
escorria em abundância da Turquia.
Sem
ser uma cantora exclusiva de “rebetika” Savina Yannatou não deixa, contudo, de
abordar este forma de canção tão característica, quer através da interpretação
de alguns temas “rembetes”, quer devido ao facto de alguns dos músicos do
Primavera en Salonico pertencerem também ao grupo, este sim de rebetika pura e
dura, Tambourlika Ensemble, acompanhantes da cantora Maryo, ou Maria
Konstanttinidou, apelidada de “o mito do porto de Salónica”, que hoje e amanhã
atuam no bar Speakeasy, às 24h.
SAVINA YANNATOU + PRIMAVERA EN SALONICO
LISBOA Grande Auditório do Centro
Cultural de Belém, hoje, às 21h30. Bilhetes entre 3000$00 e 1000$00.
ARTES | sexta-feira, 11 fevereiro 2000
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