24/12/2014

Brincando com o fogo [Dervish]



MÚSICAS

DERVISH ATUAM EM CONCERTO ÚNICO EM SANTA MARIA DA FEIRA

BRINCANDO COM O FOGO

COM UM ESPETÁCULO ÚNICO EM SANTA MARIA DA FEIRA, NO FESTIVAL SETE SÓIS SETE LUAS, OS IRLANDESES DERVISH FERÃO JUSTIÇA AO TÍTULO DO SEU MAIS RECENTE ÁLBUM, “MIDSUMMER’S NIGHT”. UMA NOITE DE VERÃO TORNADA AINDA MAIS QUENTE POR ESTA FORMIDÁVEL MÁQUINA.

SÃO UMA DAS bandas de folk irlandês mais importantes da atualidade, estatuto talvez apenas partilhado com a instituição Chieftains. Para os Dervish este reconhecimento, mais do que merecido, surge na sequência de uma ascensão iniciada em 1989 no seio de uma associação de músicos locais do condado de Sligo e que no espaço de uma década fez os Dervish passarem de banda revelação para uma excitante combinação de músicos que, ao vivo e em disco, operam prodígios com a “Irish traditional music”.
            Testemunho privilegiado disto mesmo foi o público do Porto que em Março de 1994, no Festival Intercéltico, assistiu a uma das mais inesquecíveis noites de folk irlandesa de que há memória em Portugal. Nessa noite em que Cathy Jordan, a cantora do grupo, brilhou com a intensidade de uma estrela, ficou claro que a continuação da linhagem mais nobre das grandes bandas irlandesas do passado (Sweeney’s Men, Planxty, The Bothy Band, De Dannan, Five Hand Reel) estava assegurada pelos Dervish.
            No universo da folk irlandesa atual, onde a concorrência elimina sem piedade os menos aptos, os Dervish impuseram-se pelo inultrapassável virtuosismo de todos os seus elementos (condição sem a qual, nesta música, como no jazz, se torna impossível vencer) e pela voz de Cathy Jordan, herdeira legítima de Triona Ní Dhomnaill, dos Bothy Band, mas possuidora de um fogo interior próprio que faz esquecer a sua figura franzina e a transforma numa deusa da mitologia celta.
            Cathy vai direta à essência desta música sem paralelo no resto do mundo. A sua voz toca e prende de forma irremediável quem a ouve. Um estremecimento e uma luz interiores emergem da sua alma, que se confunde com a da própria Irlanda.
            A história começou em 1989 no condado de Sligo, no Noroeste da ilha, onde um grupo de músicos locais se juntou para gravar um álbum que receberia o título de um dos jigs tocados na ocasião: “The Boys of Sligo”. Os cinco participantes dessa sessão, Liam Kelly, Shane Mitchell, Martin McGinley, Brian McDonagh e Michael Holmesm sentiram-se inspirados e decidiram avançar para a criação de um projeto mais consistente. Escolheram como nome o termo Dervish. O dançarino da fraternidade mística sufi mas também a pessoa pobre mas espiritualmente rica que fica extasiada pela música.
            Cathy Jordan apenas se juntou a este núcleo inicial dois anos depois, em 1991, enquanto um novo violinista, Shane McAleer, campeão do seu instrumento em vários concursos nacionais, ocupava o lugar de Martin McGinley. “Harmony Hill”, o primeiro álbum editado sob a designação Dervish, explodiu em 1992 como uma bomba. Pontuado pelo PÚBLICO com uma alta classificação (8/10), revelava dois instrumentistas “virtuoses”: Liam Kelly, na flauta, e Shane McAleer, no violino. E a voz de Cathy Jordan, claro, que despontava e renovava o legado deixado por Triona Ní Dhomnaill e Dolores Keane, a diva dos De Dannan.
            Os anos seguintes foram passados em digressões pela Irlanda e pela Europa o que deixava pouco tempo para uma nova gravação. Quando “Playing with Fire” surge, finalmente, em 1995, os Dervish encontravam-se já bastante perto do topo. O álbum alcançou o primeiro lugar nas listas de vendas na Irlanda, aí permanecendo durante uma série de meses. O PÚBLICO subia a pontuação para 9/10.
            Os Estados Unidos não demoram a ser conquistados. O mercado americano passa a distribuir os seus álbuns e a banda obtém do outro lado do Atlântico uma série de distinções, incluindo o prémio IRMA, destinado aos melhores trabalhos de música tradicional. Em 1996 é editado o álbum “At the End of the Day”, obra-prima absoluta da folk irlandesa e europeia. Considerado “álbum do ano” pela revista Hot Press, recebeu igual distinção do PÚBLICO.

Violinos campeões

            A partir daqui os Dervish já não tinham mais nada a provar. Mesmo assim quiseram mostrar ao mundo o esplendor das suas atuações ao vivo, lançando em 1997 o álbum duplo “Live in Palma”, gravado no Teatro Principal de Palma de Maiorca. Os leitores da revista irlandesa “Irish Music” aclamaram-no, por sua vez, como o melhor do ano.
            Shane McAleer abandonou o grupo no ano seguinte, sendo substituído por Séamus O’Dowd, mantendo-se o estilo característico de Sligo, numa demonstração de fidelidade às raízes que estiveram na base da criação do grupo. Para aumentar ainda mais o fogo das labaredas, nos jigs e reels, juntou-se-lhes um segundo violinista, Tom Morrow, do condado de Leitrim, outro campeão do “fiddle”. A formação atual dos Dervish é composta por Brian McDonagh (mandola), Liam Kelly (flauta e “tin whistle”), Tom Morrow (violino), Shane Mitchell (acordeão), Cathy Jordan (voz, “bodhran” e ossos), Séamus O’Dowd (violino, guitarra, harmónica e voz) e Michael Holmes (bouzouki).
            “Midsummer’s Night”, que os Dervish deverão apresentar esta noite no concerto de Santa Maria da Feira, conserva intactas todas as qualidades do grupo – o virtuosismo, o equilíbrio entre o intimismo das baladas vocalizadas por Cathy Jordan e o vigor dos “sets” instrumentais, a compreensão profunda das origens e a capacidade de as renovar sem as trair – entrando, uma vez mais, para o grupo dos melhores álbuns do ano.
            Uma noite de Verão para saborear “At the End of the Day”. Ou melhor ainda, “At the End of a Perfect Day”.

DERVISH
Santa Maria da Feira, 4ª feira, dia 21, 21h30


ARTES | sexta-feira, 9 junho 2000

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