MÚSICAS
ASSAR
O PÚBLICO NUM MICRO-ONDAS
FELIX KUBIN VEM AO LUX PÔR DISCOS. PENSOU EM “HEAVY METAL” COREANO, SÓ
QUE “A ORGANIZAÇÃO NÃO DEIXOU”. O PRIMEIRO PAR A SALTAR PARA A PISTA GANHA UM
CRÂNIO ELETRIFICADO.
DA PRIMEIRA vez que atuou em
Portugal, a bordo de um cacilheiro em pleno Tejo, o alemão Felix Kubin usou uma
pose glam, tocou sintetizadores antigos, inspirou-se no monstro Godzilla e
massacrou uma canção de Jane Birkin. No álbum de estreia que gravou para a editora
de música eletrónica a-musik, “Filmmuzik”, Kubin recria alguns dos
lugares-comuns de “dance music” e de “easy listening”. Bandas sonoras para
filmes de animação experimentais cujas imagens também poderão ser vistas no
Lux. O próprio Felix poderia passar por um “cartoon” que faz da música
eletrónica gato-sapato. O gato Felix…
PÚBLICO – Ao contrário
da sua anterior visita a Portugal, desta vez vem apenas passar discos. Que
discos e que tipo de música?
FELIX
KUBIN – A minha ideia era tocar “heavy metal” da Coreia. Mas os organizadores
obrigaram-me a optar por uma música mais fácil. Não vou fazer nem uma coisa nem
outra. Tenho uma quantidade de material experimental que poderei usar como
ponte entre a geração de fãs do “heavy metal” e os apreciadores de “easy
listening”. Fora isto, trago uma quantidade de música new wave alemã dos anos
80 e pop eletrónica “sci fi” contemporânea. Gostaria de alterar os fluxos
químicos internos das pessoas de maneira a conduzi-las a um saudável estado de
histeria, de os assar num micro-ondas. Deve-se começar sempre por aquecer o
lado de dentro. Talvez no fim desatemos todos aos gritos e a dançar “noise”
japonês. Ou talvez não… Nesse caso sentar-me-ei sozinho a um canto, atrás do
gira-discos, a beber Vodka. Evidentemente, também passarei música da cena de
Hamburgo e da editora Gagarin.
P. – Faz distinção
entre a cena de música de dança tradicional (djs, drum ‘n’ bass, etc) e a
atitude mais intelectualizada de gente como os Mouse on Mars ou você próprio?
R.
– Bem, procuro sempre entender a função de um género musical específico. A
música de dança serve para fazer mexer o corpo, senão arrisca-se a ser
minimalista e monótona. É preciso chegar a acordo sobre determinadas estruturas
rítmicas se queremos criar um “groove”. Claro que é uma sensação fantástica ver
as pessoas a dançar a nossa música mas não me defino, enquanto músico, através
do ritmo. Estou mais interessado em fazer canções, mesmo “experimentais”,
porque funcionam como um poema. Numa canção nem tudo se concentra no “beat”, há
também o humor, mudanças súbitas, etc. Também a agressão e a sexualidade podem
ser elementos fantásticos, quando usados de forma positiva, como na música
eletrónica punk.
Muita
da música de dança pretende transmitir uma carga sexual mas faz-me sempre
lembrar um filme de zombies. Cada pessoa move-se, dança consigo própria. Em vez
de pôr em marcha uma revolução cultural, agitam-se cada uma para seu lado. A
comunicação é um fator importante. Gostaria de ver um par a dançar música
indançável!
P. – O seu álbum
“Filmmuzik” foi composto como banda sonora de filmes de animação. Vai trazer
algumas dessas imagens?
R.
– Vou apresentar três curtas-metragens. Duas delas são filmes de colagens
experimentais, segundo uma técnica de animação de personagens reais, imagem a
imagem. O terceiro é um videoclip animado, “Morgenroete” (“Aurora”), que
realizei com a cineasta polaca Mariola Brillowska e que aparece em “Filmmuzik”.
P. – “Filmmuzik”
parece não se enquadrar no meio dos outros álbuns da a-musik, de nomes como
Wabi Sabi, FX Randomiz, Schlammpeitziger ou L@N, adeptos de uma eletrónica mais
“séria”. Como é que se sente nesta situação de “marginalidade”?
R.
– Gosto de todos os discos da a-musik. Prefiro as surpresas e os contrastes. A
principal diferença entre mim e os artistas que mencionou está no facto de eles
erem conceções diferentes sobre a estrutura dramática de um tema. Eu gosto de
melodias e de temas curtos. Sou bastante impaciente, é essa a razão.
“Easy” num contexto
“uneasy”
P. – A sua música lembra,
por vezes, Holger Hiller, um dos músicos alemães mais importantes dos anos 80.
Conhece a sua música, álbuns como “Ein Bundel Faulnis in der Grübe”, “Oben im
Eck” ou “As is”?
R.
– Sim, de vez em quando encontramo-nos para beber um copo. Há uns tempos atrás
ele mudou-se de Londres para Hamburgo. Hloger também é um dos meus músicos
favoritos e fui influenciado por ele. Ainda bem que falou dele, vou ver se não
me esqueço de levar alguns discos dele comigo.
P. – Outro nome
fundamental da eletrónica alemão dos anos 80 é Kurt Dahlke/Pyrolator. Também é
influenciado por ele?
R.
– Só os primeiros álbuns, de que gosto imenso. Tem uma personalidade diferente
da minha, é bastante calmo e esotérico. Mas tem histórias espantosas para
contar sobre a Neue Deutsche Welle (“new wave” alemã), o período histórico mais
interessante da música alemã do início dos anos 80.
P. – No concerto que
deu no cacilheiro foi interessante a forma como usou e recriou alguns discos de
“easy listening” num contexto experimental (o tema com Jane Birkin, por
exemplo). Vai fazer algo semelhante no Lux?
R.
– Essa canção, onde usei um “loop” com a voz de Jane Birkin, já foi editada num
dez polegadas pela editora escocesa Diskono. É um disco ruidoso, sem nada que
ver com “easy listening”. O “easy listening” não é muito bem compreendido por
muita gente. As pessoas acabam por gostar das mesmas porcarias que os pais
ouviam em casa. Eu gosto de destruir a harmonia, colocando elementos “easy” num
contexto “uneasy”. A maior parte da música de que gosto é desarmónica. Às vezes
sento-me no quarto com vontade de ouvir discos de “easy pop” mas a verdade é
que não encontro nenhuns. Uma tragédia!
P. – Vai levar
sintetizadores, groove boxes, caixas de ritmo para o Lux?
R.
– Vou levar o meu crânio eletrificado! Mexe-se e mete um medo dos diabos! O
primeiro par de dançarinos vai levá-lo como prémio. Fora isso poderei usar um
microfone para assobiar numa ou noutra canção. Assim a audiência fica menos
nervosa. Como eu, aliás. Também poderei fazer publicidade aos meus discos e às
minhas roupas.
FELIX KUBIN
LISBOA, Lux, 5ª feira, às 24h00
Entrada livre
ARTES | sexta-feira, 3 março 2000
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