Pop
Rock
3 ABRIL
1991
LP’S
O NORDESTE
EM CHAMAS
VÁRIOS
Brazil
Classics 3
LP / CD, Sire, distri. Warner port.
MARGARETH DE
MENEZES
Ellegibo
LP / CD,
Polydor, distri. Polygram
Pontes
entre a terra-mãe e o céu. Passado e futuro. Ponto de encontro da África,
Brasil e o resto de mundo. Duas gerações que se olham e se cruzam, no canto
maravilhoso do Baião, no frenesim incendiado do forró, do acordeão e das festas
Juninas de Luís Gonzaga, Dominguinhos, Gonzaguinha e Jackson do Pandeiro ao
universalismo e sensualidade baiana de Margareth de Menezes, a mesma que
“roubou” o “show” a David Byrne durante a “tournée” de “Rei Momo”.
Em
Margareth de Menezes, David Byrne vê uma das grandes e mais promissoras vozes
da música popular brasileira. “Brazil Classics 3” recupera e homenageia a
música dos mestres. Byrne, vem nos compêndios, perdeu-se de amores pelo Brasil.
Por lá ficaram a sua música e a sua alma. Se “Rei Momo” juntava a visão
nova-iorquina heterodoxa do vocalista dos Talking Heads ao universo imenso e
luxuriante dos ritmos sul-americanos, a colectânea “Brazil Classics” mergulha
nas raízes e na essência do Brasil negro e mágico, do afoxé e do samba, das
favelas e da selva, do Nordeste e do Candomblé, do sofrimento e alegria das
gentes do sertão, na voz e canções encantadas de alguns dos seus expoentes.
“Brazil
Classics” é música de festa, de ritmos e melodias nordestinos, sintetizados no
forró, termo que se diz ter origem, por volta de 1900, nas danças populares
organizadas por engenheiros ingleses encarregados de construir o sistema
ferroviário daquela região e destinadas a todos os trabalhadores (“forró” seria
assim um equivalente fonético de “for all”...). David Byrne chama-lhe “mistura
de ska e polca em velocidade acelerada”. Acordeão, triângulo e “zabumba” (tambor
baixo) formam a necessária e tradicional combinação instrumental a que formas
híbridas posteriores (nomeadamente as infusões funk ou a fusão com o rock, ou
fo-rock) acrescentaram os metais, violinos e electricidade.
Luís
Gonzaga, falecido há dois anos, o homem dos chapéus enormes e fatos
espampanantes (só isso já lhe valeria a admiração de Byrne...), abre
magistralmente o disco com “O fole roncou”, forró/xaxado inebriante que canta o
amor em volta do fogo, naquele registo único que casa as vertentes pagã e
cristã da alma brasileira. Gal Costa, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos,
Anastácia, Nando Cordel e Amelinha, Gonzaguinha, Clemilda, Jorge do Altinho,
Genival Lacerda, o Trio Nordestino e Elba Ramalho completam a lista de nomes
presentes. Qualquer tema chega para se compreender e, sobretudo, sentir onde se
encontra o Brasil autêntico, do fundo, muito longe, séculos antes e depois, do
vazio das telenovelas e do romantismo serôdio do ídolo de pés de barro, Roberto
Carlos.
Frevos,
arrasta-pés, sambas, aboio-toadas – danças que duram toda a noite até de
madrugada. Vozes que cantam até a morte da depor, com um beijo, diante dos
anjos. Impossível conter um frémito de emoção quando se ouve o “Querubim” de
Dominguinhos ou Luís Gonzaga cantar em dueto com Elba Ramalho “Sanfoninha
choradiera”. Cantares de centro que queimam de prazer. Alegria que, de tão
triste, faz doer.
Com
Margareth de Menezes, o Brasil muda de figura. Tornada mundialmente conhecida
graças às actuações com que abriu o recente “show” de David Byrne, a cantora
junta numa mistura explosiva o reggae, o forró, o funk-samba, a lambada e o
afoxé eléctrico com a electrónica, uma voz e corpo de uma sensualidade que
enlouqueceu a Europa e uma espiritualidade entroncada na genuína tradição
religiosa da Baía.
Evidente
a influência africana no modo como a música se exterioriza através das pulsões
corporais e da dança (conta quem viu que Margareth a dançar é como um vulcão em
actividade). Tropicalismo apoteótico. Energia em estado puro. Diz que, quando
canta, “tudo se transforma em energia”. Como um sol.
“Negra
melodia”, reggae inspirado directamente em Bob Marley (a quem o compositor
Jards Macalé ensinou por sua vez o samba), já anteriormente recuperado por
Gilberto Gil; o delírio funky de “Tudo à toa”; a lambada sensual de “Abra a
boca e feche os olhos” (atenção arcebispo!); a balada em tons “bluesy”
“Maravilha morena” (cuja letra evoca, na musicalidade e jogos que entre si
disputam as palavras, os feitiços de Caetano Veloso) ou os ascéticos “Ifá, um
canto para subir”, baseado nos rituais do Candomblé (juntamente com “Abra a
boca”, os dois temas recuperados da “tournée” “Rei Momo”), e “Hino das águas”
são alguns bons exemplos da arte maior de Margareth de Menezes, de resto
unanimemente reconhecida pelos consagrados. “Ellegibo” vem de novo, e de forma
brilhante, recordar que o mundo existe também para além do Atlântico, em redor
do Equador. Muita da música do planeta nasceu e nasce aí.
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