PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 9 JANEIRO 1991 >> Pop Rock
A ARTE DO DESEQUILÍBRIO PERFEITO
São como uma orquestra de circo, exótica e
colorida – seis pinguins de corpo humano que arribam a Portugal para nos fazer
cócegas e confundir. Clássicos e folclóricos, os Penguin Cafe Orchestra deitam
abaixo todos os castelos sem que ninguém lhes leve a mal. O melhor é não tentar
compreender.
O verdadeiro cómico nunca se
desmancha. Conta as piadas sem se rir, como deve ser. A “troupe” Penguin Cafe
Orchestra é assim mesmo: não para de brincar. Sempre com ar sério, violinos e
pautas para desconcertar. São danados para a brincadeira. Pegam em tudo, nos
sons todos que fazem o folclore do mundo, abanam um bocadinho os alicerces, não
muito, da tradição e entretêm-se a ver como seria se fossem eles os demiurgos.
Simon Jeffes é o maestro da
banda da fantasia. Um sonhador. De um sonho nasceu a designação do grupo. Café
de pinguins, como poderiam ser ursos polares ou focas. Sonhos frios.
Esquisitos. Os bichos em causa têm corpo humano, como aparecem nas capas dos discos.
Tocam tambores, ukeleles, dançam, apanham sol. Os mais pequerruchos andam de
triciclo.
Obscuros
Brian Eno reparou neles, como
não podia deixar de ser. Brian Eno repara em tudo o que é diferente. Eles eram.
Produziu-lhes a estreia em disco, intitulada simplesmente “Music from the
Penguin Cafe”, dos menos obscuros gravados para a Obscure. A capa original era
como todas as outras da editora – um quadradinho de luz aberto sobre paisagem
urbana escurecida. Anos mais tarde, a E.G. apagou a noite, substituindo-a pelos
pinguins, refrescando-se à luz do sol. Comparada com os assombramentos
oceânicos de Gavin Bryars ou os malabarismos conceptuais de John Cage, Jan
Steele, Michael Nyman, Chritopher Hobbs ou Tom Philips, na altura juntos e
“obscuros”, a música dos Penguin Cafe Orchestra soava a sol, a brinquedos
tocados por meninos a quem deixaram brincar aos “clássicos”. Na época, não se
parecia com nada. Rock não era. Clássico muito menos. Para folclore havia
erudição e eletrónica a mais. Experimentais, talvez?... Se se quiser... Embora
nesta categoria não haja quase nunca espaço para dançar, nem para o simples prazer
de tocar.
Percebe-se que Simon Jeffes
se diverte a confundir as mentes menos ginasticadas. Ou talvez queira que
acreditemos nele, à boa maneira elegante dos excêntricos genuínos. De 1974, ano
em que começaram a gravar o primeiro álbum, até hoje, consolidou-se o discurso,
tornado entretanto familiar pelo hábito e o gosto pelo bizarro, característico
do século.
A
vida no circo
Em seis anos gravaram outros
tantos álbuns, entre os quais um mini de reduzida circulação. Os três primeiros
permanecem, até à data, como os melhores: “Music from the Penguin Cafe” (1976),
“Penguin Cafe Orchestra” (1981) e “Broadcasting from Home” (1984). Era a
novidade, mas não só. Havia o gosto pelo risco, a vontade de tudo experimentar.
A procura de um equilíbrio entre todos os géneros musicais que se diria
impossível de alcançar. Ao fim e ao cabo, se não o conseguiram, pelo menos,
honra lhes seja feita, fizeram gala em exibir o espetáculo esplendoroso do
desequilíbrio perfeito. Ainda e sempre uma brincadeira?
“Signs of Life” (1987) e
“When in Rome” (registo ao vivo, 1988) são mais calmos e previsíveis. Quase
clássicos, se a palavra não soasse, neste caso, a perversão. O mundo, para os
Penguin Cafe Orchestra, é um circo aberto a todas as idades. Da História, fazem
tábua rasa. Cantam e tocam, com a mesma seriedade distanciada, o tradicional
épico “Giles Farnaby’s Dream” e temas que intitulam solenemente de “O som de
alguém que amas, que se vai embora e isso não interessa”, “As calças de
Pitágoras” e “O êxtase de pulgas dançarinas”. Têm uma especial predileção por
feijões.
Utilizam em disco e em palco,
muitos instrumentos, acústicos, cómicos e eletrónicos: ukelele (o nosso
cavaquinho), cuatro, acordeão, as cordas todas, dulcitone, harmónio, omnichord,
kalimba, a lista continua. Há quem os leve muito a sério ou exatamente o
contrário – a banda “folk” irlandesa Patrick Street inclui, no seu último
álbum, o tema “Music For a Found Harmonium”, como se de um clássico tradicional
se tratasse. Admirável mundo novo. Hoje, em Coimbra, no Teatro Gil Vicente,
sexta em Lisboa, no Teatro S. Luiz, e sábado no Porto, Simon Jeffes, Geoffrey
Richardson, Helen Liebman e mais três explicam por sons a lógica da “Rua
Sésamo”. Histórias estimulantes, como por vezes se contam no café.
OS DISCOS
“MUSIC
FROM THE PENGUIN CAFE” (1976, Obscure, reed. E.G.)
Estreia
magistral. O caos sob controlo. Canções falsamente folclóricas alternando com
longas sequências (“ZOPF”, “The Sound of Someone...”) em que a eletrónica serve
para ligar caixinhas de música à corrente. Pequenos “trompe l’oeil’ melódicos
de fazer arrebitar o ouvido. Pinguins à solta. Uma delícia.
“PENGUIN CAFE ORCHESTRA” (1981, E.G.)
Superdivertido.
O “non-sense” como lógica irredutível, elevado à dignidade de grande arte. O
tal das “caçlças de Pitágoras” e das pulgas em êxtase. Canções curtas em
extensão, mas enormes em capacidade criativa e subversão inocente. Como as
calças do filósofo.
“BROADCASTING FROM HOME” (1984, E.G.)
Na
senda dos anteriores trabalhos, opta no entanto por vias mais declaradamente
“clássicas”, como em “Heartwind”, com predomínio das cordas, ou ambientais como
o satiesco “Now Nothing”. “Music by Numbers” prossegue o fascínio pela
matemática utilizada à avessas.
“SIGNS
OF LIFE” (1987, E.G.)
Dissipado
um pouco do fascínio da trilogia inicial, tornada previsível, a música dos
pinguins perdeu em novidade o que ganhou em seriedade. Como se brincar fosse
agora uma coisa muito séria. O que antes era alegria de criança não passa aqui
de riso amarelo. Também... A vida não é só brincar...
“WHEN IN ROME” (1988, E.G.)
Gravado ao vivo na capital italiana, o disco serve apenas para demonstrar mais uma vez o reconhecido virtuosismo dos músicos. Nenhum original, de uma das bandas mais originais de sempre da música popular. Os Penguin Cafe preparam-se para editar brevemente um disco gravado com orquestra, das verdadeiras... À atenção da Gulbenkian...
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