POP ROCK QUARTA-FEIRA, 31 OUTUBRO 1990
OS GRANDES CONQUISTADORES
Verona
Virgin Vision, distri. Edisom
Trovoada tremenda sobre o
palco, simulada, claro. Cai o pano, pintado com o símbolo de “Sparkle in the
Rain”. “Close-ups” dos músicos (Jim Kerr – voz, Charlie Burchill – guitarra,
Mick MacNeil – teclas e acordeão, Mel Gaynor – bateria, Malcolm Foster – baixo,
mais Andy Duncan e duas meninas, Lisa Germano – violino e bandolim e Annie
McCaig – pandeireta). Dá-se início à função, com Jim Kerr sempre no comando.
Pelo meio aparece, a preto e branco, a cantar a mesma canção, mas noutro
concerto. Percebe-se, porque está vestido de outra maneira.
A música alterna com
entrevistas aos intérpretes (a preto e branco). Não dizem nada de especial. São
melhores a tocar e a cantar (a cores). Depois, os símbolos: mãos que acenam,
imagens desfocadas não se percebe bem de quê. O guitarrista, com os projetores
incidindo por detrás,naquele plano típico que faz parecer deuses os homens da
guitarra. “Zoom” sobre o público. Uma garrafa de coca-cola passa de mão em mão
no momento imperialista da noite. Um dos espectadores é transportado para fora
do recinto, de maca. Bebedeira? Síncope? Simples sonolência?
Verona. Imagens da cidade:
estátuas, ruínas romanas (em Itália todas as ruínas são romanas), uma velhota à
janela. Uma ponte (romana), sem estar em ruínas porque se não as pessoas
cairiam.
O baterista limpa com um
pano o suor da testa – pormenor videográfico sempre do agrado dos realizadores.
Jim Kerr brande o microfone, qual Roberto Leal, mas quando começa a cantar
“Waterfront” vemos logo que não pode ser o luso-brasileiro. Num gesto de grande
generosidade artística, estende o micro à assistência que corresponde soltando
alguns urros afinados.
Agora é uma mulher de meia
idade que se debruça à janela. Muito gostam as veronesas de estar à janela. Uma
criança circula de bicicleta entre a multidão, simbolizando a grande solidão
existencial do ser humano, ou talvez a sua grande pureza –, imagem do poder que
oprime e bate com o “casse-tête” (em português cacete).
“Don’t you Forget about me”
– das melhores canções dos Simple Minds. No rosto de Jim Kerr, uma expressão de
êxtase. Desta vez o público não urra e canta numa sétima ao lado. Entusiasmado,
o cantor dá um pontapé para trás, quase lhe saltando o sapato, na violência do
movimento. Caso saltasse, teria acertado em cheio na objetiva do “cameraman”.
Ruas de Verona. Um dos
momentos mágicos do vídeo: Mick MacNeil, no acordeão, Lisa Germano, no violino
e Charlie Burchill, na guitarra acústica, lembram-se que são escoceses e
mergulham nas suas raízes folclóricas, deliciando-se e deliciando os
transeuntes. No momento seguinte, os mesmos três músicos surgem sobre o palco a
interpretar o mesmo tema, com os mesmos instrumentos. Excelente.
Volta a eletricidade e Jim
Kerr a cantar estendido no chão, talvez devido ao cansaço, quem sabe? Mas não,
levanta-se com ar de desafio e prossegue com a mesma energia. Mel Gaynor volta
a limpar o suor do rosto, desta vez com uma toalha. Quer dizer que a banda dá
tudo o que pode e que não brinca em serviço, que são todos uns profissionalões.
Ao ponto de Jim Kerr saltar para o meio do público e beijar uma jovem fã.
Retorno às imagens de rua, com o vocalista passeando-se entre a multidão,
ar distraído e melancólico, simbolizando deste modo a grande solidão
existencial do artista. Lixo levado pelo vento – Woodstock para sempre. Soa um
“tin whistle” sintético – Jim olha o céu e canta, como quem seus males espanta.
Duas crianças correm em câmara lenta no campo. Outra toca um tambor militar
entre poética neblina. As duas primeiras continuam a correr. Pressentimos que
se aproxima o clímax final. Sobre o palco, Jim Kerr, todo vestido de branco,
canta “Sanctify Yourself”. Imagens de santos em pedra. Um padre caminha (sobre
as águas? Não se consegue perceber).
Repetem-se imagens anteriores a um ritmo vertiginoso, querendo significar
que o Universo é cíclico e os Simple Minds os senhores do Universo. O Universo
explode e o público também, em aplausos. O império romano volta a cair, desta
vez às mãos de mentes simples. ***
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