PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 16 JANEIRO 1991 >> Pop Rock
MÚSICA PORTUGUESA grandes expectativas
Se 1990 foi o ano das confirmações dos grandes
nomes, mas também o da inexistência de um circuito alternativo que pudesse
prometer a continuação do cenário, já há muita gente a tentar reagir contra
isso. Pelo menos há uma grande esperança em relação ao aparecimento de projetos
novos, que ainda assim pouco se vislumbram. Será 1991 um ano de grande explosão
de vias alternativas impostas pela aparente estagnação do meio?
Algumas pistas parecem apontar nessa direção, se
não atente-se na quantidade de nomes consagrados dispostos a arriscar em
projetos fora do habitual. Uma dessas pistas passa mesmo pela grande vontade de
altar as fronteiras e mostrar no estrangeiro o que se vai passando por cá.
Serão tudo promessas de ano novo?
ANTÓNIO M. RIBEIRO
Nova
editora discográfica, discos a solo e com os UHF, tournée intensiva
Como sempre, os UHF têm uma
agenda recheada para o ano em curso. Concertos não faltam e parece que discos
também não. António Manuel Ribeiro, mentor e porta-voz habitual do grupo, é
organizado e prepara com antecedência todas as suas atividades, isto é, não
brinca em serviço. É perentório: “Este ano, os UHF vão realizar uma série de
concertos, já assinados, que farão parte da pré-temporada em relação ao Verão,
que será muito intenso”. Quanto a discos, há projetos muito concretos: edição
de um single antes da época estival, “que será como que um aperitivo do álbum
de originais a editar depois do Verão”. Mais bombástica é a intenção de a banda
de Almada criar a sua própria editora, destinada a editar e promover novos
valores e, muito provavelmente, os próprios UHF, o que deixa antever uma rutura
definitiva com a Edisom, à qual ainda se encontram ligados.
1991 vai ser o ano do
lançamento a solo de António Manuel Ribeiro. Depois de uma primeira
apresentação no Teatro Tivoli, integrada na campanha do MASP e que foi “até
certo ponto uma brincadeira, embora tivesse sido minimamente preparada” (a
apresentação, não a campanha, como é evidente...), tenciona continuar a
trabalhar com os mesmos músicos que o acompanharam nessa ocasião e publicar o
seu primeiro disco a solo ainda antes das férias grandes.
António Manuel Ribeiro anda
no meio musical há muito tempo e conhece-o como poucos. Não tem pejo em
criticar uma situação que julga cada vez mais deteriorada: “Em relação ao
mercado discográfico, as coisas estão cada vez pior.” A editora que pensa criar
pretende lutar contra tal situação: “Acho que nos devemos meter um bocado ao
barulho. Ao fim destes anos todos de críticas constantes ao sistema, o que
temos de fazer neste momento é apresentar-nos dentro desse próprio sistema e
produzir, ao fim e ao cabo, novos grupos, novos artistas e novas ideias.”
O líder dos UHF não poupa as
editoras: “A Europa e o confronto com 1992 deixou-as num deserto de ideias.” E
diz ainda: “Toda a gente se queixa, desde os artistas aos próprios chefes das
editoras, mas o que é um facto é que os disparates continuam semanalmente a ser
os mesmos.” Refere-se a disparates como “gastar dinheiro mal gasto, de que são
exemplo os milhares de contos perdidos em estúdio, em projetos sem pernas para
andar” e adianta soluções: “A música portuguesa precisa sobretudo de descobrir
novos valores, mas também de segurança e garantias de viabilidade financeira,
sob riscos de [as editoras] se tornarem meros financiadores discográficos.”
Acusa novamente: “Mas nada tem sido feito para que isso aconteça e as editoras
são talvez as principais culpadas do insucesso prático que se verifica. O
público não é parvo. As pessoas não compram os discos só porque são lançados cá
para fora com grandes parangonas de promoção, mas que depois resultam em
fracasso.” Exceções a estas estratégias mal orientadas, encontra-as António
Manuel Ribeiro nos dois extremos do leque editorial: um dos casos é um dos
“grandes” selos nacionais, o outro um pequeno, independente, e, segundo o
cantor, “cada qual com um projeto viável para a música portuguesa”. De resto,
1991 será mais um ano do “deixa andar”.
JOÃO PESTE
…
Jorge Dias
PEDRO AYRES MAGALHÃES
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Luís Maio
MIGUEL ÂNGELO
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Luís Maio
GNR
em estúdio, Gala anti-sida em Lisboa, cumplicidade Alexandre Soares
Este ano, os GNR entrarão em
estúdio “quando lhes apetecer”, de preferência a partir de março, que é, para
Rui Reininho, “um bom mês, primaveril”, ideal para se gravar, sobretudo se for
em Carcavelos. São capazes de apostar no estrangeiro: “Deve ser fácil, cá é tão
difícil, há tanta má vontade, que lá fora não pode ser pior.” São capazes de
ter razão.
Grandes concertos parece que
não vai haver. A não ser em fevereiro, numa grande gala em Lisboa, uma
intervenção “pequenina”, mas decerto que empenhada. Tem de ser, pois trata-se
de “uma daquelas coisas de solidariedade, com uma recolha de fundos e apoios
para a investigação da sida, com a participação de pessoas muito caridosas”.
Para os GNR é importante “essa história do vírus”.
Já Rui Reininho, em
particular, parece voltado para outro lado: vai trabalhar de novo com o seu
antigo companheiro nos GNR, Alexandre Soares, na feitura musical de uma peça de
Sam Shepard.
Para 1991, o vocalista da
banda portuense acredita nas virtudes das organizações camarárias, que podem
desempenhar um papel importante na divulgação da música portuguesa, caso do
espetáculo que deram o ano passado na Alameda, mas “com um bocadinho menos de
romaria”. Falta organização, mas é capaz de “não haver estruturas para isso”. Como
na Alameda, que foi o que se sabe. “Fazer coisas dessas sem segurança pode ser
perigoso, só nós, que somos malucos. Se tivesse sido, por exemplo, em Milão,
tinha havido gente ferida, esfaqueada, confrontos”. Mesmo assim “sentem” os
apoios das câmaras, embora sejam “um bocado eleitoralistas”. 1991 vai ser ainda
um ano de proibições, com as bandas proibidas de tocar em bares, “por causa de
horários, barulho, essas histórias todas. Apenas vai continuar aquela pressão
das pessoas beberem copos”. Também não parecem acreditar muito nas editoras e
ouviram falar de “recessão”. Enfim “é a guerra” – diz Reininho. “Acho que vai
haver guerra!”
RUI VELOSO
…
Jorge Dias
Composição
nos Sétima Legião, digressão nos Madredeus, projeto a solo
Rodrigo toca baixo e é um dos
membros fundadores dos Sétima Legião. Depois iniciou, de parceria com Pedro
Ayres Magalhães, o projeto Madredeus, onde se ocupa das teclas. É um dos
personagens mais determinantes e influentes da nova música portuguesa, embora
não seja muito vistoso nem vocacionado para afirmações sensacionalistas. Em
1991, dividirá a sua atividade entre as duas formações que integra. Quanto aos
Sétima Legião têm poucas atuações agendadas, sendo duas delas no estrangeiro
(Bélgica e Canadá). O objetivo desta formação não é, de resto, atuar ao vivo,
antes estão mais preocupados em começar a compor e tocar material para um novo
trabalho de estúdio, sucessor do triunfante “De Um Tempo Ausente”, lançado no
Natal de 1989. É um trabalho mais a médio prazo e não é provável que seja
editado antes dos finais deste ano/princípio do próximo. Diametralmente oposta
é a ideia dos Madredeus, cuja digressão é para já a sua grande prioridade.
Para além das duas coisas,
Rodrigo planeia também desenvolver este ano o seu projeto a solo que define
como um trabalho de sintetizadores com computadores e surge na sequência da
encomenda para a banda sonora do filme de estreia de Manuel Mozos. O artista
encontra-se em negociações para a publicação do disco resultante com uma
editora local. Com tanta coisa que fazer, Rodrigo está naturalmente um pouco à
margem do trabalho alheio. “Tenho estado um bocado afastado do panorama local.
As coisas que tenho ouvido... Acho é que há uma série de grupos que têm
conseguido sobreviver.”
Curtas
metragens, programas de televisão, concertos em Goa e Macau
“Escritor de Canções”, Sérgio
Godinho parece este ano apostado em explorar outros tipos de linguagem: vídeo e
cinema. Já tem gravados dois dos seis programas que tenciona apresentar na
televisão sob o genérico de “Luz na Sombra”, série que explora algumas das
principais funções inerentes à produção musical – como recentemente explicou,
em entrevista concedida ao PÚBLICO. Além disso, tenciona realizar e produzir
quatro filmes, quatro curtas metragens, no fundo “extensões de trabalhos de
ficção que habitualmente faz em canção”. “Anda tudo ligado”, como ele próprio
diz. Discos, este ano, só se estes projetos falharem. Quanto ao espetáculo
“Escritor de Canções”, que alcançou grande sucesso enquanto esteve em cena no
Instituto Franco-Portugais, tenciona levá-lo a Goa e Macau já em fevereiro.
Para o ano em curso, espera
da música portuguesa que surjam coisas novas, mas que não sejam “indigestas”. É
de opinião, no entanto, que adiantar mais qualquer coisa, seria como “fazer
previsões sobre a guerra no Golfo”. Assim, acha que “todas as hipóteses estão
em aberto”. Segundo ele, “criatividade é o que não falta e em Portugal é uma
coisa estimulante”. Infelizmente parece que o que falta mesmo é “um mercado,
mesmo para os consagrados. O consumo não é tão extenso como isso e o que há são
casos esporádicos, como o Rui Veloso, de facto um fenómeno, mas que não faz a
Primavera”. De resto, o costume: “A nível de estruturas organizadas para
‘tournées’ e espetáculos ao vivo, a coisa não tem evoluído muito
positivamente.”
Em relação ao tal apoio ou
não das câmaras municipais, lamenta que o panorama esteja “um bocado em
recessão”. O rock é ainda assim quem menos razões tem para se queixar: “As
câmaras acham que a juventude quer sobretudo rock e é como se lhe desse um
brinde. Depois, há aquela fação adepta das canções tipo Marco Paulo e tudo é
encaminhado para aí”. Na questão de concertos, “devia dar-se prioridade a
‘tournées’ comerciais, inclusive com patrocínios, mas que sejam viáveis”,
aponta. É que da maneira como as coisas estão, criaram-se, segundo ele, certos
“vícios”, quer no público quer nos organizadores, com espetáculos gratuitos,
mas sem qualquer espécie de condições. “É importante que as câmaras promovam a
cultura, mas com o entendimento das estruturas necessárias para o fazer.”
XANA
…
Jorge Dias
ZÉ PEDRO
…
Jorge Dias
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