CONCERTO
VEGA, A ESTRELA DE NATAL
É de Suzanne a voz da estrela Vega. Quente e
suave, ardendo calmamente no íntimo de quem por ela se deixa guiar. Gravou até
à data três álbuns, mas tem já reservado um espaço só para si na Estrada de
Santiago que une o coração aos sons.
Nasceu, em termos
artísticos, no seio da cena folk da Costa Leste americana. Cedo se fez notar,
pelo inusitado do timbre vocal, bem como por uma escolha criteriosa e
personalizada do reportório – canções intimistas, mágicas, esboços
surrealizantes, em certos momentos contrariados pelo registo brutal da
realidade concreta, como em “Luka”, do álbum “Solitude Standing”, na qual
narra, em tom dorido, os maus tratos paternais infligidos a uma criança.
A idade adulta
Do disco estreia, “Suzanne Vega”, as
multidões fizeram seus os temas “Marlene on the Wall” e “Small Blue Thing”,
presas às juvenis e jubilosas entoações da então estreante de olhar inocente e
assustado, receosa das armadilhas que o mundo arma, atónita perante o
retumbante sucesso que logrou alcançar.
“Solitude Standing” assinala a
entrada na “idade adulta”, através de uma maior contenção acompanhada de um
mergulho nas imensidões interiores. O seu universo passou a reger-se por outras
coordenadas, segundo lógicas menos lineares a que se acede somente por estradas
labirínticas. Excetuando “Luka”, as canções de “Solitude Standing”
organizam-se, de forma coerente, em volta de núcleos temáticos menos óbvios,
aos quais a complexidade dos arranjos acrescenta uma maior riqueza
instrumental.
Se “Solitude Standing” é o álbum da
maturidade, o seguinte “Days of Open Hand” aprofunda ainda mais a faceta
intimista, povoada de sombras e cintilações misteriosas do universo musical da
cantora, liberta por fim, na exploração metódica das suas próprias fantasias.
Temas ainda ligados à miséria do mundo, cantados por palavras que, sem fazer
muita força, põem o dedo em algumas das suas feridas (casos de “Men in a War” e
“Fifty-fifty chance”), são exceção, num leque caleidoscópico de emoções
permeáveis aos exotismos trazidos para a sua música pela mão de Glen Velez,
Richard Horowitz, Michael Blair e Philip Glass.
Excentricidade britânica
Convém chegar ao Dramático a tempo e
horas de assistir à primeira parte do concerto, preenchida pela atuação de
Peter Blegvad, excêntrico genial, que decerto irá fazer das suas. Não é por
enquanto, pelo menos entre nós, um nome muito conhecido. Injustamente, diga-se,
tendo em conta a excelência do álbum mais recente, “King Strut and Other
Stories”, o primeiro distribuído em quantidades aceitáveis, no nosso país.
Aqueles, no entanto, que vêm acompanhando de perto o seu percurso, desde os
anos já longínquos dos Slapp Happy (ao lado de Dagmar Krause e Anthony Moore,
precursores na atitude e na abordagem melódica da dupla Devine & Statton),
e das aventuras experimentalistas no seio dos germânicos Faust, até ao rock
escorreito dos Golden Palominos, sabem que assinou entretanto obras bem mais
importantes, merecedoras de todos os encómios.
“The Naked Shakespeare”, produzido
por esse outro louco que dá pelo nome de Andy Partridge e, sobretudo,
“Downtime”, gravado para a Recommended Records, na companhia de músicos dos
Pere Ubu, são exemplos lapidares da arte de compor ótimas canções, à margem dos
esquemas habituais e habitadas por um humor cáustico e surrealista, capaz de as
transformar em exercícios brilhantes de sabotagem aos lugares-comuns da pop. Se
em “King Strut” se acalma diante do horizonte à vista que é Bob Dylan, nos
citados discos torna-se referência principal a típica excentricidade britânica,
na Inglaterra genialmente personificada pelos grupos de Canterbury, nos finais
dos anos 60.
Suzanne Vega e Peter Blegvad formam
uma combinação que promete. Veremos se o gigantismo e a frieza da sala serão
suficientes para apagar o fogo que ambos são capazes de atear, na qualidade de
astros de primeira grandeza, que, embora pertencentes a constelações
diferentes, se equivalem na intensidade do brilho.
PORTO Coliseu do
Porto, sáb., 8, às 21h30.
FIM DE SEMANA SEXTA-FEIRA, 7 DEZEMBRO 1990
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