PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 23 JANEIRO 1991 >> Pop Rock >> Vídeos
Cabaret Voltaire
Mute, distri. Edisom
“Cabaret Voltaire” é um dos
primeiros “long forms” independentes de sempre, reedição do original de 83,
editado na Doublevision. Visão do inferno. Porta aberta para o inferno.
A música: da primeira fase. A
melhor (?), experimental e perigosa – compare-se, por exemplo, “Photophobia”,
“Badge of Evil” ou o excerto do filme “Johnny Yesno” com as recentes
banalidades dançáveis de “Groovy, Laidback & Nasty” e veja-se a diferença.
Na altura, os Cabaret Voltaire eram “industriais”, insuportáveis, brutais.
Técnicas de “cut up” e colagem. Vozes subliminais, curto-circuitadas por ruído
branco. Ruído negro. Disformidades acústicas. Stephen Mallinder, Richard H.
Kirk e, no início, Chris Watson (mais tarde nos Hafler Trio). Guitarras em
esquizo-“feedback”. Sintetizadores tribais. Fitas magnéticas em delírio. O
suficiente para orientar a “cold wave” no sentido do mal absoluto.
As imagens: horror. Horror.
Horror. Ritual, “slogans” ameaçadores, totalitarismo, tortura, guerra,
autoflagelação, pornografia, ruínas, monstruosidades físicas e psíquicas.
“Fast/slow motion”. Ruído visual. Formas saturadas. Fanatismo religioso.
Manipulação (das imagens, mental, emocional). Sofrimento. “This is
Entertainment, this is Fun”.
A visão: focada nas capas dos
discos (paradigmática, a de “The Crackdown”, com a mira da câmara fotográfica
apontada ao recetor, ou os retratos “kirlian” de auras etéreas, em “Mix-up”),
nos constantes grandes planos de olhos humanos ou na designação da produtora
Doublevision. O olho do poder. Controlo da e pela imagem eletrónica. Interiorização
do horror por sobrexposição a esse mesmo horror. Luz filtrada, distorcida e
invertida. Duplos. Dupla visão. Os Cabaret Voltaire agradecem à televisão
psíquica, de Genesis P. Orridge. Permanece a interrogação: pode a televisão ser
perigosa? Outra questão: é lícito separar a ética da estética? Dito de outro
modo: está a arte acima de todas as morais? Por detrás da música e imagens dos
Cabaret Voltaire existe uma atitude e uma ideologia (partilhadas atualmente por
dezenas de outros “músicos”) com objetivos muito precisos. Alguns mais
conscientemente do que outros, todos trabalham para fazer subir à Terra um novo
poder.
São diversas a tácticas e
estratégias utilizadas. Atuam por fases: em curso, a inversão de todos os
valores e sentidos. Destruídas as anteriores referências (imputem-se
responsabilidades aos pioneiros dadaístas do princípio do século, que por sinal
faziam do Cabaret Voltaire lugar privilegiado para as suas conspirações), cabe
agora aos técnicos proceder à sua substituição por novos valores de sinal
contrário. A propaganda nazi sabia como proceder. Também o sexo desempenha um
papel de relevo nestas operações: desligado do amor, levado ao extremo da
pornografia, serve, por meio de mecanismos tântricos, como meio de libertação
de energia que poderá ser desviada para outros fins. Sade. Masoch. Wilhelm
Reich.
“Cabaret Voltaire”, o vídeo, constitui importante documento de uma das fases iniciais do processo. Como no início se escreveu, poderá ser visto como uma descida aos infernos. Imagens que ensinam a sofrer e a fazer sofrer. Imagens que se aceitam ou renegam. Imagens a que é impossível ficar indiferente. Sem classificação.
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