28/10/2025

Electro [Balanço 1990]

 PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 2 JANEIRO 1991 >> Pop Rock >> Balanço 1990

 

ELECTRO

 

Tornado obsoleto o termo “new age” – por demasiado redutor quando aplicado, na generalidade, a músicas formal e esteticamente assentes no primado da eletrónica –, nem por isso estas têm deixado de enveredar por caminhos e “idades” (passadas e futuras) que constantemente procuram atualizar o conceito de “novo”, “Ambiental”, “industrial”, “planante”, “meditativa”, “ritual”, “techno”, são outras tantas categorias abrigando o espírito exploratório dos “malucos” dos computadores, sequenciadores, sintetizadores e máquinas afins, unidos na epopeia de “dar novos mundos” ao mundo da música.

1990 foi o ano da pluralidade e da síntese dos folclores planetários (reais ou imaginários) com a alquimia digital. Nunca como agora soaram tão bem juntos o vento, a água, o canto das vozes e dos instrumentos tradicionais, a eletricidade e a imaginação humana. Insustentável beleza do Apocalipse…

 

JON HASSELL
City: Works of Fiction
Land, import. Contraverso

 O trompete galático e tribal, guia condutor das viagens pelos sonhos e lugares luxuriantes do mundo que há de vir. Jon Hassell demanda a totalidade e nunca, como nestas “ficções”, esteve tão próximo de a alcançar. Depois das experiências, em “Flesh Of The Spirit”, com o agrupamento do Burkina Faso, Farafina, e do tropicalismo brasileiro de “Earthquake Island”, o trompetista americano lançado por Brian Eno consegue criar uma espécie de “funky” estratosférico (o tema “Voiceprint” teve mesmo direito a nova mistura, em versão maxi, ainda mais dançável) que atualiza a ideia de “aldeia global” enunciada por McLuhan.

 

INGRAM MARSHALL
Three Penitential Visions/Hidden Voices
Elektra Nonesuch, import. VGM e Contraverso

 Para Ingram Marshall, todos os sons são matéria suscetível de transmutação. Um computador soletra as sílabas mágicas da natureza, sirenes de nevoeiro vibram como sinfonias. “Abrandamento da perceção temporal” e “evocações encantatórias”, segundo o compositor. Em “Three Penitential Visions” utiliza como matriz sonora o ranger do gigantesco portão em aço da cadeia de Alcatraz. “Hidden Voices” junta “samples” de cânticos fúnebres russos, a uma soprano feminina entoando um hino religioso. Reinvenção do sagrado.

 

STEVE SHEHAN
Arrows
Made to Measure, distri. Contraverso

 Steve Shehan toca neste disco cerca de cinquenta instrumentos diferentes, desde os artefactos étnicos primitivos aos “samplers” mais sofisticados. Na confluência das sínteses festivas da dupla Musci/Venosta com o ascetismo e contenção de Stephan Micus, a música de Steve Shehan cria paisagens de extraordinária serenidade e complexidade, recriando as forças de um mundo ancestral em que “a música existia somente por causa do poder da vibração e do seu efeito, místico e sensível, sobre a condição humana”.

 

ERSATZ
Ersatz
Pinpoint, import. Contraverso

Dieter Moebius (antigo companheiro de Joachim Roedelius, nos Cluster) e um tal Renziehausen, inventaram a fábrica do futuro. Ambientais, industriais, frios, robóticos, hipnóticos, os Ersatz são tudo o que se lhes quiser chamar. Se Roedelius representava a faceta romântica dos Cluster, Moebius deitou para trás a melodia e carrega com força na tecla do ritmo e dos automatismos eletrónicos. Abstrata, terrivelmente sedutora, a música destes alemães prolonga a racionalidade milimétrica dos Kraftwerk até ao limite demoníaco da pura matemática.


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