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26|JANEIRO|2001
música|rickie
lee jones
classicismo é, em Rickie Lee Jones, sinónimo de classe
Rickie
Lee Jones – “génio”, “louca” ou “sublime”? Um pouco de tudo, como se poderá
comprovar na primeira atuação ao vivo da cantora em Portugal, para apresentar
“It’s like This”, coleção de standards candidata a um Grammy.
a arte do be-pop
É
pegar ou largar. A voz de Rickie Lee Jones, ou se odeia ou se ama. Em todo o
caso, não seria uma má ideia ela pôr umas gotas de Nazex para desentupir o
nariz (será que só grava no Inverno, ao ar livre e de manga curta?). Já lhe
chamaram “Tom Waits no feminino”, “génio”, “louca”, “irresponsável” e
“sublime”. Tem um pouco de tudo isso, como se verá na sua primeira apresentação
ao vivo em Portugal, agendada para o último dia deste mês (quarta-feira), às
22h, na Aula Magna da Universidade de Lisboa.
O seu mais recente álbum, intitulado
“It’s like this”, é uma coletânea de “standards” de autores como Gershwin,
Brecker Brothers, Beatles, Traffic, Marvin Gaye e Bernstein/Stephen Sondheim,
que poderá ser considerada a continuação do clássico trabalho com o mesmo formato
editado pela cantora há dez anos, “Pop Pop”.
Para já, o novo disco é candidato a
um Grammy, na categoria “pop vocal tradicional”, repetindo o que já acontecera
em 1979 com o disco de estreia, “Rickie Lee Jones”, que viria a arrecadas o
prémio de “Best New Artist”, e em 1989, quando conquistou, de parceria com Dr.
John, outro troféu, pela interpretação jazz de “Makin’ whoopie”.
Rickie Lee Jones começou a escrever
canções aos sete anos mas a sua primeira profissão, em 1976 e 1977, foi a de
empregada doméstica, em Los Angeles, onde conheceu Chuck E. Weiss e Tom Waits,
cujo círculo começou a frequentar e com quem chegou a ter um início de romance.
No ano seguinte, foi a vez de Lowel George, dos Little Feat, a descobrir,
gravando com ela o tema “Easy money” ao mesmo tempo que convenceu a editora
Warner Brothers a investir no seu talento.
Mas Rickie era uma força da natureza
e adaptava-se mal às convenções. Depois de ter fugido de casa e ser expulsa da
escola, por insubordinação, exigiu da editora que o produtor do primeiro disco
fosse Lenny Waronker, um dos nomes mais importantes da companhia.
O álbum saiu em 1979 e um dos temas,
“Chuck E’s in love”, chegou aos lugares cimeiros do top americano, com um
milhão de cópias vendidas, um Grammy no bolso e digressões esgotadas. Parecia
aberto o caminho para o sucesso, mas Rickie Lee Jones era perita em desviar-se
e enveredar por caminhos pouco iluminados. Desviou-se para não mais voltar a
encontrar o êxito desse primeiro disco, mas em contrapartida a sua música
ganhou o estatuto de culto e um núcleo de adeptos ferrenhos.
“Pirates”, de 1981, vendeu metade do
disco de estreia. Rickie fugiu uma vez mais. Desta vez mudando-se para Nova
Iorque e, logo de seguida, para Paris.
As versões de clássicos aparecem em
força pela primeira vez no mini-álbum “Girl at her Volcano”, de 1983, onde a
classe das suas interpretações se impunha.
Cabeça de fantasma. Regressou a Los
Angeles e a Hollywood para gravar “The Magazine” (1984), onde a sua voz
inconfundível se rodeava de sintetizadores e de uma aura futurista que voltaria
mais tarde a entrar em funcionamento, de forma bem mais escura, em
“Ghostyhead”.
Depois de nova fase de turbulência
da sua vida privada, com casamento, nascimento de uma filha e a morte do pai,
Rickie mudou uma vez mais de casa – indo viver para o campo, em França – e de
editora, assinando para a Geffen o álbum “Flying Cowboys” (1990), com um novo
produtor, Walter Becker, dos Steely Dan, pondo fim a um interregno de seis anos
afastada dos estúdios, excetuando o single “The moon is made of gold” e o
encontro com os The Blue Nile, na Escócia.
O seu talento interpretativo
explodiria em pleno em 1991, no álbum “Pop Pop”, um trabalho imaculado saído
dos sonhos de uma criança magoada, apaixonada pela canção clássica e pelo
be-bop. O ciclo Geffen fechar-se-ia com “Traffic from Paradise” (1993); o
regresso à Warner teria lugar dois anos depois, com “Naked Songs”, revisitação
acústica de alguns dos seus temas mais antigos.
“Ghostyhead”, de 1997, marcaria
outro dos seus momentos de transgressão. Álbum difícil e mal aceite por alguns,
de sonoridades carregadas, explora a eletrónica industrial e o lado mais
sombrio de uma personalidade sempre inquieta, permanecendo até à data como um
dos seus trabalhos mais estimulantes.
Por fim, nova mudança de editora –
passagem para a Artemis –, e o regresso a um dos formatos que lhe é querido, o
dos “standards”, com o novo “It’s like this” (com os convidados Joe Jackson e
Taj Mahal) a fazer de novo incidir os holofotes na vertente da interpretação.
Numa altura em que se tornou “trendy” fazer álbuns de versões (recorde-se que
outros dois concorrentes ao Grammy de melhor “pop vocal tradicional”, Joni
Mitchell, com “Both Sides Now”, e Bryan Ferry, com “As Time Goes by”, competem
igualmente com álbuns de standards) não deixa de haver ironia no facto de
Rickie Lee Jones ver associado o seu talento à “tradição”, quando é sabido que
ela fez sempre questão de fintar as convenções.
Mas no final do mês se demonstrará
que “classicismo” é, em Rickie Lee Jones, sinónimo de “classe”
TOP 10 de álbuns de “covers”
“It’s
Like This” insere-se na tradição de álbuns de “covers”. Aqui ficam alguns mais
representativos.
JEAN-LUC PONTY
King
Kong Blue Note, 1970
“Virtuose”
do violino eletrificado, ginasta do jazz de fusão, herdeiro de Grappelli, Ponty
deu novo rosto instrumental ao papa dos Mothers of Invention, reinventando o
humor de “Idiot bastard son” e “Twenty small guitars”, ou alinhando em
cumplicidade com o mestre, em “Music for Electric Violin and low budget
orchestra”.
DAVID BOWIE
Pinups EMI, 1973
O
camaleão ainda arranjou tempo para vestir a pelo dos seus heróis, travestindo
“See Emily play”, de Syd Barrett, “I can’t explain”, de Townshend ou “Where
have all the good times gone”, de Ray Davies.
THE RESIDENTS
George
and James Ralph, 1984
Os
amantes da soul, se pudessem, davam-lhes um tiro. Os da música clássica,
enforcavam-nos. Os “criminosos” são os Residents, e o crime foi o massacre de
James Brown e Gershwin, no primeiro volume de uma série dedicada a compositores
americanos deste século.
MARIANNE FAITHFULL
Strange
Weather Island, 1987
Resultou
do encontro mágico entre a produção de Hal Willner e uma voz do fundo da noite.
Tom Waits e Bob Dylan sangrados. E os extremos de uma ressurreição sempre
incompleta, entre a ferida de “As tears go by” e o despojamento sem esperança
de “Boulevard of broken dreams”.
STEVE BERESFORD
L’Extraordinaire
Jardin de Charles Trenet
Nato, 1988
Do
jazzman e lunático Steve Beresford tudo se espera. Mas foi na editora-anedota
Chabada que o inglês soltou o humor nonsense e o amor pelas variedades, em
particular a “chanson française”, num disco sorridente que levou ao colo as
canções de Trenet.
PASCAL COMELADE
El
Primitivismo Les Disques du Soleil et
de l’Acier, 1988
Tudo
o que toca fica em cacos. E é ao juntar os pedaços com a cola da memória que a
música se transforma num brinquedo. Aqui remonta alguns dos seus preferidos:
Stones, Wyatt, Nino Rota e Chuck Berry.
MARY COUGHLAN
Uncertain
Pleasures Eastwest, 1990
Uma
das mais sensuais vozes da atualidade, a irlandesa Mary Coughlan desfiou álbuns
de “covers”, qual deles o mais brilhante. “Uncertain Pleasures” distingue-se
pela arrebatadora versão de “Heartbreak hotel”, de Presley, subindo ao cume em
“The little death”, dos Boomtown Rats, feito standard de jazz.
MATHILDE SANTING
Carried
Away Solid, 1991
Todd
Rundgren, Roddy Frame e os Doors contam-se entre os autores de “Carried Away”,
veículo para a voz desta holandesa cultivar a arte da elegância. Com a
meticulosidade de colecionadora e o apuro da designer.
URBAN TURBAN
Urban
Turban Resource, 1994
Para
os suecos Urban Turban, dar lustro a uma canção é esfregá-la com o
desregramento. Sarcasmo, rock & rol e sanfonas, numa variante das
barbaridades folk dos compatriotas Hedningarna. “Voodoo chile”, de Hendrix, e
“Let’s work together”, dos Canned Heat, caíram que nem ginjas nas mãos dos
iconoclastas.
JONI MITCHELL
Both
Sides now Reprise, 2000
Uma
das damas da pop deste século, na sua primeira incursão no universo das
“covers”. Canções sobre o amor, numa paleta interpretativa que vai do
recolhimento à orquestração majestosa das emoções. “Standards” na sua aceção
mais nobre, de modelos a seguir.
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