04/09/2014

Parque Jurássico remasterizado



Y 5|JANEIRO|2001

Em tempo de MP3, as editoras suam para “oferecer” objetos apelativos, com as remasterizações a ganharem espaço num fenómeno de reciclagem que não tem fim. Os “dinossauros” agradecem.

Parque Jurássico remasterizado

Com o advento do MP3 e a possibilidade de qualquer um poder adquirir música gratuitamente através da internet, as editoras procuram a todo o custo rentabilizar os seus produtos, tentando tornar o mais possível apetecível o objeto CD. Ao nível das reedições, aposta-se na melhoria do som (nalguns casos mais aparente que real…) através de gravações remasterizada, enquanto no capítulo da apresentação, tendo em mira o colecionador, se socorre de embalagens cartonadas que são réplicas em miniatura das capas dos discos em vinilo. O impacte, a nível psicológico, destas últimas, é indesmentível. Velhos álbuns dos King Crimson, Genesis ou Roxy Music ganharam nova vida, visual e sonora, e mesmo os velhos melómanos na posse das edições originais não terão ficado insensíveis aos “brinquedos”, voltando a investir nos mesmos títulos.
            É o cada vez mais forte fenómeno da reciclagem a fazer-se sentir, impelindo o consumidor a comprar o que já tinha em casa, sob o pretexto da melhoria de um produto que é apresentado como a “versão definitiva”, possuidora do “melhor som possível”, sem dúvida um objeto estimável até à eternidade. Até o novo e “definitivo” “melhoramento” surgir para o desmentir. Depois das edições remasterizadas e re-remasterizadas, dos “digipaks” e das capas em miniatura, teremos a seguir, quem sabe, as edições desremasterizadas, com a garantia de que, afinal, os ruídos e estalidos do vinilo (devidamente digitalizados e contextualizados, como é evidente…) é que são o “it” na sua forma mais pura e genuína.

            Pacotes para fetichistas. Em matéria de MP3, confesso que não uso. Enquanto colecionador, fetichista, a quem, ainda por cima, os discos saem à borla, prefiro o objeto físico – passível de ser tocado, lido e até mesmo estragado – ao virtual. Mas também acho que as editoras e a indústria em geral, que durante anos têm inflacionado o preço dos CDs, merecem sofrer e ter um bocadinho de prejuízo.
            Passemos então em revista algumas das reedições remasterizadas (lojas há que exibem escaparates inteiros preenchidos por elas…) lançadas nos últimos meses em Portugal.
            Cat Stevens, o velho Gato Esteves, que há bastante tempo abandonou a música para pregar o islamismo, voltou remasterizado e remoçado, com as reedições de “Catch Bull at Four” (1972), “Foreigner” (1973) e “Buddha and the Chocolate Box” (1974). Os três posteriores aos bem melhores “Mona Bone Jakon” (1970, o seu melhor de sempre), “Tea for the Tillerman” (1971) e “Teaser and the Firecat” (1971) que, estranhamente, ficaram de fora do pacote nacional.
            Se “Catch Bull at Four” condensa os tiques vocais do cantor em canções bem pouco inspiradas, como a agoniativa “O caritas”, também “Foreigner” não ganha com a inclusão de uma longa “Foreigner Suite” pseudo-progressiva que não é mais do que uma colagem, enfeitada por orquestrações inócuas e pretensamente exóticas, de canções mal amanhadas. Já “Buddha and the Chocolate Box” recupera uma parte da magia perdida.
            Outro “remasterizado” ilustre é Mike Oldfield, este sim, digno de figurar no quadro de honra dos anos 70. A totalidade da sua obra compreendida entre a estreia “Tubular Bells”, de 1973 – e da qual já existia uma anterior versão remasterizada na edição especial do seu 25º aniversário – e a coletânea “Elements”, está de volta, agora em “High Definition Compatible Digital”. E se o som faz justiça à qualidade de obras como o já citado “Tubular Bells”, “Hergest Ridge”, “Ommadawn”, “Incantations”, “Five Miles Out” e “Amarok”, é pena a impressão das capas não estar ao mesmo nível (cores mais esbatidas, tonalidades deturpadas) e a informação não primar pela abundância. O destaque vai para “Amarok”, por ser um álbum dos anos 90 que constitui exceção ao período de maior criatividade – os anos 70 – deste multinstrumentista inglês que encheu os bolsos a Richard Bronson e permitiu o nascimento do império Virgin.
            Os The Who merecem todas as melhorias, eles que tiveram fama de ser do “piorio”, “enfants terribles” dos anos 60 e 70. Os álbuns andavam por aí perdidos em edições rascas. Depois de “Who’s Next” já circular remasterizado desde há dois anos, são as óperas-rock “Tommy” e “Quadrophenia”, correspondentes à fase conceptual e megalómana do seu líder, Pete Townshend, que ressurgem como objetos de luxo, aqui sim, com embalagens à altura e livretes informativos, profusamente ilustrados.
            Mais dispensável, mas mesmo assim interessante, é a aglutinação no formato “dois em um” dos dois primeiros álbuns do supergrupo inglês Humble Pie, “As Safe as Yesterday is” e “Town and Country”, ambos de 1969 e os únicos editados no selo Immediate por este grupo do qual faziam parte Peter Frampton, ex-The Herd e futuro herói da guitarra, Steve Marriott, ex-Small Faces, e Dave Clempson, ex-Colosseum. Excelentes desempenhos instrumentais para uma música que só esporadicamente foge aos lugares comuns do rock e rhythm ‘n’ blues, quando pega em “sitars” e brinca ao psicadelismo.
            Ótimos músicos eram também os norte-americanos Blood, Sweat and Tears, uma das primeiras bandas a integrar uma secção de metais. “Child is Father to the Man”, álbum de estreia de 1968, não era ainda o rock-jazz festivo que os viria a catapultar para os tops mas um híbrido de psicadelismo, pop e soul, tingido por referências clássicas e pelo talento do singer-songwriter Al Kooper.


CAT STEVENS
Buddha and the Chocolate Box
Island, distri. Universal
7|10
Não tem o charme “hippie” dos primeiros discos e tresanda já ao misticismo que transformaria Cat Stevens de músico em profeta, mas estas eram ainda canções que falavam de amor como se fosse possível acreditar nele, num bouquet de sonoridades subtis dedicadas a Buda e a Jesus, onde a pop e a folk percorrem de mãos dadas uma cidade-fantasma.

MIKE OLDFIELD
Amarok
Virgin, distri. EMI - VC, import. FNAC
8|10
20º álbum de estúdio do compositor, “Amarok”, editado em 1990, é uma peça de 52 minutos pioneira da vaga “world” e fusionista que caracterizaria a década agora finda. Percussionistas zulu, as uillean pipes de Paddy Moloney, dos Chieftains, uma comediante a fazer as vezes de Margaret Thatcher e o ruído do compositor a lavar os dentes, juntam-se numa obra complexa que nada deve ao aclamado “Tubular Bells”.

THE WHO
Quadrophenia
2xCD Polydor, distri. Universal
8|10
Como os Kinks, os The Who foram sinónimo da Londres dos anos 60, sufocada entre as pulsões da moda, a nostalgia vitoriana e o muro cinzento de uma classe operária sem horizontes. “Quadrophenia” é uma alucinação híper-realista e duplamente esquizofrénica de um mod de Brighton, aliás Pete Townshend, o punk anterior a todos os punks que almejava compor uma sinfonia.

HUMBLE PIE
Natural Born Bugie
2xCD Immediate, distri. Universal
6|10
Intitulado a partir do “hit” de 1969, “Natural Born Bugie” (e não “boogie” como poderia parecer…) junta “As Safe as Yesterday is” e “Town and Country”. Apesar do rótulo de supergrupo e do virtuosismo dos seus elementos, os Humble Pie raramente conseguiram escapar à mediania de um rock mainstream em contradição com o brilhantismo pop da banda que acolhera antes Peter Frampton, The Herd.

BLOOD, SWEAT & TEARS
Child is Father to the Man
Columbia, import. Lojas Valentim de Carvalho
7|10
Das primeiras pequenas big-bands da música pop, os Blood, Sweat & Tears trouxeram para os finais dos anos 60 a fanfarra, com a inclusão de uma secção de sopros que procurava honrar os ensinamentos do trompetista canadiano Maynard Ferguson. Ainda hesitantes quanto ao caminho que os haveria de conduzir ao sucesso, “Child is Father to the Man” cruza, entre a exaltação e a devoção, a herança dos blues e da soul com o psicadelismo em voga, revelando Al Kooper como um notável escritor de canções.

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