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5|JANEIRO|2001
Em tempo de MP3, as
editoras suam para “oferecer” objetos apelativos, com as remasterizações a
ganharem espaço num fenómeno de reciclagem que não tem fim. Os “dinossauros”
agradecem.
Parque
Jurássico remasterizado
Com
o advento do MP3 e a possibilidade de qualquer um poder adquirir música
gratuitamente através da internet, as editoras procuram a todo o custo
rentabilizar os seus produtos, tentando tornar o mais possível apetecível o
objeto CD. Ao nível das reedições, aposta-se na melhoria do som (nalguns casos
mais aparente que real…) através de gravações remasterizada, enquanto no
capítulo da apresentação, tendo em mira o colecionador, se socorre de
embalagens cartonadas que são réplicas em miniatura das capas dos discos em
vinilo. O impacte, a nível psicológico, destas últimas, é indesmentível. Velhos
álbuns dos King Crimson, Genesis ou Roxy Music ganharam nova vida, visual e
sonora, e mesmo os velhos melómanos na posse das edições originais não terão
ficado insensíveis aos “brinquedos”, voltando a investir nos mesmos títulos.
É o cada vez mais forte fenómeno da
reciclagem a fazer-se sentir, impelindo o consumidor a comprar o que já tinha
em casa, sob o pretexto da melhoria de um produto que é apresentado como a
“versão definitiva”, possuidora do “melhor som possível”, sem dúvida um objeto
estimável até à eternidade. Até o novo e “definitivo” “melhoramento” surgir
para o desmentir. Depois das edições remasterizadas e re-remasterizadas, dos
“digipaks” e das capas em miniatura, teremos a seguir, quem sabe, as edições
desremasterizadas, com a garantia de que, afinal, os ruídos e estalidos do
vinilo (devidamente digitalizados e contextualizados, como é evidente…) é que
são o “it” na sua forma mais pura e genuína.
Pacotes para fetichistas. Em matéria
de MP3, confesso que não uso. Enquanto colecionador, fetichista, a quem, ainda
por cima, os discos saem à borla, prefiro o objeto físico – passível de ser
tocado, lido e até mesmo estragado – ao virtual. Mas também acho que as editoras
e a indústria em geral, que durante anos têm inflacionado o preço dos CDs,
merecem sofrer e ter um bocadinho de prejuízo.
Passemos então em revista algumas
das reedições remasterizadas (lojas há que exibem escaparates inteiros
preenchidos por elas…) lançadas nos últimos meses em Portugal.
Cat Stevens, o velho Gato Esteves,
que há bastante tempo abandonou a música para pregar o islamismo, voltou
remasterizado e remoçado, com as reedições de “Catch Bull at Four” (1972),
“Foreigner” (1973) e “Buddha and the Chocolate Box” (1974). Os três posteriores
aos bem melhores “Mona Bone Jakon” (1970, o seu melhor de sempre), “Tea for the
Tillerman” (1971) e “Teaser and the Firecat” (1971) que, estranhamente, ficaram
de fora do pacote nacional.
Se “Catch Bull at Four” condensa os
tiques vocais do cantor em canções bem pouco inspiradas, como a agoniativa “O
caritas”, também “Foreigner” não ganha com a inclusão de uma longa “Foreigner
Suite” pseudo-progressiva que não é mais do que uma colagem, enfeitada por
orquestrações inócuas e pretensamente exóticas, de canções mal amanhadas. Já
“Buddha and the Chocolate Box” recupera uma parte da magia perdida.
Outro “remasterizado” ilustre é Mike
Oldfield, este sim, digno de figurar no quadro de honra dos anos 70. A
totalidade da sua obra compreendida entre a estreia “Tubular Bells”, de 1973 –
e da qual já existia uma anterior versão remasterizada na edição especial do
seu 25º aniversário – e a coletânea “Elements”, está de volta, agora em “High
Definition Compatible Digital”. E se o som faz justiça à qualidade de obras
como o já citado “Tubular Bells”, “Hergest Ridge”, “Ommadawn”, “Incantations”,
“Five Miles Out” e “Amarok”, é pena a impressão das capas não estar ao mesmo
nível (cores mais esbatidas, tonalidades deturpadas) e a informação não primar
pela abundância. O destaque vai para “Amarok”, por ser um álbum dos anos 90 que
constitui exceção ao período de maior criatividade – os anos 70 – deste
multinstrumentista inglês que encheu os bolsos a Richard Bronson e permitiu o nascimento
do império Virgin.
Os The Who merecem todas as
melhorias, eles que tiveram fama de ser do “piorio”, “enfants terribles” dos
anos 60 e 70. Os álbuns andavam por aí perdidos em edições rascas. Depois de
“Who’s Next” já circular remasterizado desde há dois anos, são as óperas-rock
“Tommy” e “Quadrophenia”, correspondentes à fase conceptual e megalómana do seu
líder, Pete Townshend, que ressurgem como objetos de luxo, aqui sim, com
embalagens à altura e livretes informativos, profusamente ilustrados.
Mais dispensável, mas mesmo assim
interessante, é a aglutinação no formato “dois em um” dos dois primeiros álbuns
do supergrupo inglês Humble Pie, “As Safe as Yesterday is” e “Town and
Country”, ambos de 1969 e os únicos editados no selo Immediate por este grupo
do qual faziam parte Peter Frampton, ex-The Herd e futuro herói da guitarra,
Steve Marriott, ex-Small Faces, e Dave Clempson, ex-Colosseum. Excelentes
desempenhos instrumentais para uma música que só esporadicamente foge aos
lugares comuns do rock e rhythm ‘n’ blues, quando pega em “sitars” e brinca ao
psicadelismo.
Ótimos músicos eram também os
norte-americanos Blood, Sweat and Tears, uma das primeiras bandas a integrar
uma secção de metais. “Child is Father to the Man”, álbum de estreia de 1968,
não era ainda o rock-jazz festivo que os viria a catapultar para os tops mas um
híbrido de psicadelismo, pop e soul, tingido por referências clássicas e pelo
talento do singer-songwriter Al Kooper.
CAT STEVENS
Buddha and the Chocolate Box
Island, distri. Universal
7|10
Não
tem o charme “hippie” dos primeiros discos e tresanda já ao misticismo que
transformaria Cat Stevens de músico em profeta, mas estas eram ainda canções
que falavam de amor como se fosse possível acreditar nele, num bouquet de
sonoridades subtis dedicadas a Buda e a Jesus, onde a pop e a folk percorrem de
mãos dadas uma cidade-fantasma.
MIKE OLDFIELD
Amarok
Virgin, distri. EMI - VC, import. FNAC
8|10
20º
álbum de estúdio do compositor, “Amarok”, editado em 1990, é uma peça de 52
minutos pioneira da vaga “world” e fusionista que caracterizaria a década agora
finda. Percussionistas zulu, as uillean pipes de Paddy Moloney, dos Chieftains,
uma comediante a fazer as vezes de Margaret Thatcher e o ruído do compositor a
lavar os dentes, juntam-se numa obra complexa que nada deve ao aclamado
“Tubular Bells”.
THE WHO
Quadrophenia
2xCD Polydor, distri. Universal
8|10
Como
os Kinks, os The Who foram sinónimo da Londres dos anos 60, sufocada entre as
pulsões da moda, a nostalgia vitoriana e o muro cinzento de uma classe operária
sem horizontes. “Quadrophenia” é uma alucinação híper-realista e duplamente
esquizofrénica de um mod de Brighton, aliás Pete Townshend, o punk anterior a
todos os punks que almejava compor uma sinfonia.
HUMBLE PIE
Natural Born Bugie
2xCD Immediate, distri. Universal
6|10
Intitulado
a partir do “hit” de 1969, “Natural Born Bugie” (e não “boogie” como poderia
parecer…) junta “As Safe as Yesterday is” e “Town and Country”. Apesar do
rótulo de supergrupo e do virtuosismo dos seus elementos, os Humble Pie
raramente conseguiram escapar à mediania de um rock mainstream em contradição
com o brilhantismo pop da banda que acolhera antes Peter Frampton, The Herd.
BLOOD, SWEAT & TEARS
Child is Father to the Man
Columbia, import. Lojas Valentim de Carvalho
7|10
Das
primeiras pequenas big-bands da música pop, os Blood, Sweat & Tears
trouxeram para os finais dos anos 60 a fanfarra, com a inclusão de uma secção
de sopros que procurava honrar os ensinamentos do trompetista canadiano Maynard
Ferguson. Ainda hesitantes quanto ao caminho que os haveria de conduzir ao
sucesso, “Child is Father to the Man” cruza, entre a exaltação e a devoção, a
herança dos blues e da soul com o psicadelismo em voga, revelando Al Kooper
como um notável escritor de canções.
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