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22|DEZEMBRO|2000
discos|escolhas
FAUST
The Wümme Years, 1970-1973
5xCD Recommended, distri. Ananana
10|10
Cola-tudo
Acordem!
Desfaçam as malas! Adiem a entrada no novo milénio! Desliguem a televisão à
hora do “Big Brother”! Parem tudo o que estão a fazer e prestem atenção: acabou
de ser reeditada – no formato de caixa, ideal para prenda de Natal – a obra
completa e remasterizada dos Faust, correspondente às primeiras gravações
alemãs, nos estúdios do castelo de Wümme. “The Wümme Years, 1970-1973” reúne os
três primeiros álbuns de originais, “Faust” (1971), “So Far” (1972) e “The
Faust Tapes” (1973), mais “71 Minutes of Faust” (“The Last LP” com "Munic &
Elsewhere”) e umas “The BBC Sessions” acrescidas de mais material disperso.
Qualquer destes discos sairá posteriormente em separado, mas esta edição tem a
vantagem de sair mais barata (13 mil escudos) e incluir um indispensável
livrete com entrevistas inéditas a Jean-Hervé Peron e Joachim Irmler, elementos
fundadores dos Faust, Kurt Graupner, engenheiro de som, e Uwe Nettelbeck, o
produtor que vendeu a alma ao diabo para conseguir da editor Polydor a cedência
aos seus meninos do estúdio em Wümme e um ano de experiências, a fundo perdido.
Peter Blegvad, músico inglês que além de ter pertencido aos Slapp Happy e aos
Henry Cow ainda conseguiu juntar-se aos Faust da última fase, relembra
episódios marginais. Somos ainda presenteados com um conjunto de fotos inéditas
e explicações detalhadas sobre os métodos de gravação, composição e
equipamento.
Quanto à música... deixem-me
antecipar o gozo que decerto terão, como eu tive, todos os que guardam
religiosamente na estante as cópias em vinilo ou as anteriores versões
japonesas em CD da Captain Trip.
Os Faust, como os Beatles, Zappa ou os
Kraftwerk, mudaram o curso da história do rock. “Faust”, o álbum de estreia,
era original em tudo, desde a embalagem e disco completamente transparentes à
radiografia do punho fechado que passou a funcionar como símbolo do grupo.
Neste álbum, mãe e pai de todas as transgressões, o ruído, as citações aos
Beatles, Stones e Beach Boys, o romantismo, o rock ‘n’ roll e o
experimentalismo eletro-acústico congregam-se numa colagem que parece ter
origem numa orgia de som, com o estúdio a funcionar como substância lisérgica.
Jogos de poesia fonética, bebedeiras de improvisação, relâmpagos no palácio de
Bayreuth, tudo aqui se pronuncia com o adjetivo “novo”. Um marco.
“Faust so Far” é um pouco o negativo
do disco de estreia. Capa e rótulos negros escondem uma série de ilustrações
dedicadas a cada “canção”, entre o surrealismo e o hiper-realismo. Um álbum que
junta a violência Velvetiana (“It’s a rainy day, sunshine girl”, “Mammie is
blue”) ao humor de Zappa (“I’ve got my car and my TV”) e fragmenta a golpes de
rock minimalista e eletrónica alienígena os clichés do krautrock.
Culminando um período de
criatividade demencial que antecedeu o estabelecimento da banda em Inglaterra,
onde viria a gravar o seu último álbum oficial, “Faust IV”, “The Faust Tapes” é
a enciclopédia definitiva da estranheza. Aqui a colagem é levada às últimas
consequências, numa sequência de segmentos (nesta edição, e pela primeira vez,
indexados e com a atribuição de títulos a algumas das “faixas”) que devem tanto
à música concreta como a rock, a Novalis e Hoelderlin como ao LSD, numa
linguagem tão universal quanto impenetrável, de que é exemplo a mítica parte
vocal “C’est pas aux dents, j’ai mal aux dents aussi”, projetiva ao ponto de
alguém a descodificar como “Shempal Buddah, ship on a better sea”…
Os Faust ressuscitaram entretanto
nesta década como niilistas e anjos exterminadores mas foi nos anos de Wümme
que teve lugar a verdadeira revolução.
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