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26|JANEIRO|2001
escolhas|discos
JOHN MARTYN
Solid Air
Island,
import. Lojas Valentim de Carvalho
8|10
TODD RUNDGREN
A Wizard, a True Star
Essential,
import. Lojas Valentim de Carvalho
9|10
Sonhos de ar e mescalina
Dois
excêntricos, o inglês John Martyn e o americano Todd Rundgren, para dois
clássicos de 1973: “Solid Air” e “A Wizard, A True Star”. A pop, esbatida pela
folk e pelo jazz, no caso do britânico. Ainda a pop, mas também a soul e o R
& B, infetados e coloridos pelas substâncias alucinogénicas, no caso do
americano.
Incluído
na lista de preferências de Gilles Peterson, recolhidas no álbum “Worldwide”,
está “Solid Air”, do cantor e compositor John Martyn, referência incontornável
do jazzfolk inglês dos anos 70 e hoje um dos raros trovadores da pop ainda em
atividade.
“Solid Air” é, juntamente com o
anterior “Bless the Weather” e o posterior “Inside Out”, um dos instantes
mágicos deste músico nascido na cena folk britânica sob a égide de Hamish
Imlach e que, com os Pentangle, aproximou as linguagens da folk e do jazz,
tendo ainda assinado, com a sua então mulher Beverly Martyn, dois enigmáticos
álbuns de iluminuras em formato de canção, “Stormbringer” e “The Road to Ruin”.
Reeditado com uma remasterização e
apresentação soberbas, “Solid Air” é o retrato, paradoxalmente poderoso, de uma
personalidade cuja fragilidade se viria a revelar no envolvimento progressivo
com o álcool e as drogas, retrato tirado quase em simultâneo com o seu irmão
espiritual, Nick Drake, de quem Martyn foi amigo e a quem dedicou o
título-tema, onde canta: “You’ve been taking your time and you’ve been living
on solida ir. You’ve been walking the line…”. Mas enquanto Drake naufragou na
sua visão, John Martyn deteve sempre o controle, pelo menos da música, e é esse
domínio formal que confere distinção e solidez aos seus álbuns, em lugar da
dispersão, marcada pelo génio, é certo, que caracterizavam os do seu malogrado
amigo.
Alternando vocalizações folky e
correntes de ar inflamadas, a voz de Martyn era, ao contrário do registo
implosivo de Drake, de uma maleabilidade acrobática, e é nesta capacidade de se
recriar em cada canção que o jazz se infiltra, conferindo a “Solid Air” uma
fluência e uma força que em “Inside Out” dispensaria em definitivo, no reforço
ca componente instrumental, quaisquer reminiscências folk. À voz e ao discurso
rendilhado da guitarra filtrada por efeitos de eco de Martyn, contrapõe Danny
Thompson, contrabaixista dos Pentangle, firmeza e elasticidade rítimica, a
permitirem ao vibrafone de Tristan Fry, ao sax do freejazzman Tony Coe e aos
teclados de Rabbit, o desenho de tapeçarias de intrincado recorte, num álbum
que conta ainda com os desempenhos de Dave Pegg e Dave Mattacks, dos Fairport
Convention, e uma arrebatadora interpretação ao vivo de “I’d rather be the
devil”.
O diabo voltou a fazer das suas,
transformando Hollywood em gruta de cerimoniais de iniciação aos sonhos de
peiote. E assim, ao quarto álbum, Todd Rundgren flipou. Depois do sucesso
comercial de “Something/Anything” nada fazia prever o mergulho de Todd
Rundgren, antigo guitarrista dos Nazz, na loucura. Mescalina, psilocibina e
peiote constituíram o cocktail de drogas naturais usadas pelo guitarrista, de
cuja ingestão resultaram, explica, a iluminação mental, danos permanentes na
personalidade e a capacidade de conseguir ouvir o seu próprio sistema nervoso a
funcionar. Seria este processo de procura interior, que levou ao reconhecimento
da realidade como “mera projeção mental”, a dar origem à gravação de “A Wizard,
a True Star” (agora com reedição remasterizada), inflexão de Rundgren na
eletrónica (levada ainda mais longe em “Initiation”, de 1975), labirinto onde
se cruzam o glam cósmico, a soul, o jazz, música de desenhos animados, guitarra
a jato, R & B e eletroacústica experimental, envoltos na aura “vaudeville”
de um Frank Zappa, em canções que anteciparam um quarto de século o circo dos
Mr. Bungle.
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