08/09/2014

John Martyn + Todd Rundgren



Y 26|JANEIRO|2001
escolhas|discos

JOHN MARTYN
Solid Air
Island, import. Lojas Valentim de Carvalho
8|10

TODD RUNDGREN
A Wizard, a True Star
Essential, import. Lojas Valentim de Carvalho
9|10

Sonhos de ar e mescalina

Dois excêntricos, o inglês John Martyn e o americano Todd Rundgren, para dois clássicos de 1973: “Solid Air” e “A Wizard, A True Star”. A pop, esbatida pela folk e pelo jazz, no caso do britânico. Ainda a pop, mas também a soul e o R & B, infetados e coloridos pelas substâncias alucinogénicas, no caso do americano.
Incluído na lista de preferências de Gilles Peterson, recolhidas no álbum “Worldwide”, está “Solid Air”, do cantor e compositor John Martyn, referência incontornável do jazzfolk inglês dos anos 70 e hoje um dos raros trovadores da pop ainda em atividade.
            “Solid Air” é, juntamente com o anterior “Bless the Weather” e o posterior “Inside Out”, um dos instantes mágicos deste músico nascido na cena folk britânica sob a égide de Hamish Imlach e que, com os Pentangle, aproximou as linguagens da folk e do jazz, tendo ainda assinado, com a sua então mulher Beverly Martyn, dois enigmáticos álbuns de iluminuras em formato de canção, “Stormbringer” e “The Road to Ruin”.
            Reeditado com uma remasterização e apresentação soberbas, “Solid Air” é o retrato, paradoxalmente poderoso, de uma personalidade cuja fragilidade se viria a revelar no envolvimento progressivo com o álcool e as drogas, retrato tirado quase em simultâneo com o seu irmão espiritual, Nick Drake, de quem Martyn foi amigo e a quem dedicou o título-tema, onde canta: “You’ve been taking your time and you’ve been living on solida ir. You’ve been walking the line…”. Mas enquanto Drake naufragou na sua visão, John Martyn deteve sempre o controle, pelo menos da música, e é esse domínio formal que confere distinção e solidez aos seus álbuns, em lugar da dispersão, marcada pelo génio, é certo, que caracterizavam os do seu malogrado amigo.
            Alternando vocalizações folky e correntes de ar inflamadas, a voz de Martyn era, ao contrário do registo implosivo de Drake, de uma maleabilidade acrobática, e é nesta capacidade de se recriar em cada canção que o jazz se infiltra, conferindo a “Solid Air” uma fluência e uma força que em “Inside Out” dispensaria em definitivo, no reforço ca componente instrumental, quaisquer reminiscências folk. À voz e ao discurso rendilhado da guitarra filtrada por efeitos de eco de Martyn, contrapõe Danny Thompson, contrabaixista dos Pentangle, firmeza e elasticidade rítimica, a permitirem ao vibrafone de Tristan Fry, ao sax do freejazzman Tony Coe e aos teclados de Rabbit, o desenho de tapeçarias de intrincado recorte, num álbum que conta ainda com os desempenhos de Dave Pegg e Dave Mattacks, dos Fairport Convention, e uma arrebatadora interpretação ao vivo de “I’d rather be the devil”.
            O diabo voltou a fazer das suas, transformando Hollywood em gruta de cerimoniais de iniciação aos sonhos de peiote. E assim, ao quarto álbum, Todd Rundgren flipou. Depois do sucesso comercial de “Something/Anything” nada fazia prever o mergulho de Todd Rundgren, antigo guitarrista dos Nazz, na loucura. Mescalina, psilocibina e peiote constituíram o cocktail de drogas naturais usadas pelo guitarrista, de cuja ingestão resultaram, explica, a iluminação mental, danos permanentes na personalidade e a capacidade de conseguir ouvir o seu próprio sistema nervoso a funcionar. Seria este processo de procura interior, que levou ao reconhecimento da realidade como “mera projeção mental”, a dar origem à gravação de “A Wizard, a True Star” (agora com reedição remasterizada), inflexão de Rundgren na eletrónica (levada ainda mais longe em “Initiation”, de 1975), labirinto onde se cruzam o glam cósmico, a soul, o jazz, música de desenhos animados, guitarra a jato, R & B e eletroacústica experimental, envoltos na aura “vaudeville” de um Frank Zappa, em canções que anteciparam um quarto de século o circo dos Mr. Bungle.

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