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19|JANEIRO|2001
discos|escolhas
VAN DER GRAAF GENERATOR
The Box
4xCD
Virgin, distri. EMI – VC
9|10
A caixa de Pandora
Mesmo
aqueles que, ao contrário de nós, não consideram Peter Hammill, Deus (o outro é
John Cleese…) devem ajoelhar-se aos seus pés e agradecer a quem, finalmente,
decidiu escrever a bíblia que, a partir de agora, permitirá aos neófitos
iniciarem em condições o culto aos Van Der Graaf Generator e, aos discípulos de
sempre, a consulta condensada dos ensinamentos do mestre.
E dizemos “em condições” porque a
reedição em CD da discografia de toda a primeira fase do grupo bem como os
primeiros álbuns a solo de Hammill, gravados nos anos 70 para a Charisma, por
enquanto a única disponível é, nalguns casos, execrável. Obras-primas como “H
to He, Who am the only One” ou “Pawn Hearts”, da forma como foram cuspidas para
o mercado em versões “nice price”, sem a mínima qualidade sonora, são
autênticos atentados que devem ser evitados a todo o custo, quer pelos que
conhecem a música do grupo através das gravações originais em vinilo, quer
pelos interessados em mergulhar num dos universos musicais e poéticos mais
fascinantes de sempre da música popular.
“The Box” não está, contudo, isento
de defeitos. Mas as virtudes superam alguma frustração, sobretudo de quem
estaria (e ainda está!) à espera das reedições individuais dos álbuns do grupo
compreendidos entre a estreia de 1969, “The Aerosol Grey machine” (apesar de
tudo, bem tratado pela atual reedição da Repertoire) e “The Quiet Zone/The
Pleasure Dome”, de 1977, bem como os trabalhos a solo de Hammill compreendidos
entre “Fool’s Mate” (1971) e “Sitting Targets” (1981), num total de dezoito
álbuns de estúdio.
Para começar, o som é, nalguns
casos, simplesmente soberbo, na linha do que já se podia escutar na recente
súmula/coletânea “An Introduction from the Least to the Quiet Zone”. É todo um
mundo sonoro que ressurge na sua pureza e energia originais, com os sons de
baixo (da guitarra de Nic Potter ou dos pedais de órgão de Hugh Banton), o sax
lancinante de David Jackson e a bateria primordial de Guy Evans a explodirem no
palco sonoro e a nitidez dos detalhes a revelar finalmente toda a riqueza dos
arranjos. Eis o principal trunfo de “The Box”.
Arrumado em quatro módulos temáticos
– “Bless the Baby Born Today”, “The Tower Reels”, “One More Heaven Gained” e
“Like something out of Edgar Allan Poe” (o escritor inglês [sic] é uma das fixações de PH que, já
por duas vezes, encenou em forma de ópera “The Fall of the House of Usher”) o
alinhamento, escolhido e supervisionado em conjunto com a Virgin pelo próprio
Peter Hammill, não é, contudo, satisfatório. A não ser que, na manga, esteja a
tal ansiada reedição álbum a álbum.
Assim, apesar da inclusão das
versões originais, com destaque para a apresentação integral do “magnum opus”
“A plague of lighthouse keepers”, do álbum “Pawn Hearts”, ou da totalidade de
“Still Life”, proliferam sessões efetuadas para a BBC, com temas antigos do
primeiro álbum e, o que já se compreende menos, a inclusão de versões ao vivo
recolhidas de um espetáculo de 1975 em Rimini, na Itália, onde a música dos
VSGG provocava, na época, reações de histeria. Se a intenção era mostrar a
força do grupo ao vivo, tal não era necessário, dada a existência de mais do
que um álbum com este formato, incluindo o duplo “Vital”.
Deixa igualmente algo a desejar o
livro que acompanha a edição. Mesmo sabendo-se da recusa de Hammill em explicar
o “significado” das canções, sabem a pouco a cronologia, apesar de extensa, ou
os textos individuais assinados por cada um dos elementos do grupo,
interessantes sobretudo de um ponto de vista técnico e factual.
Seja como for, e fora da ótica
apaixonada do fã incondicional, “The Box” é uma obra monumental. Para quem pela
primeira vez enfrentar a música dos Van Der Graaf Generator, o desafio e o
estímulo são totais. Cai por terra a imagem preconceituosa – metodicamente
construída pelos que, em absoluto, o desconhecem – do “progressivo”, para
revelar uma música que até hoje conserva intacta a sua glória. Peter Hammill é
um dos maiores poetas, cantores e músicos ingleses vivos (“None of the Above”,
do ano passado, aí está para, uma vez mais, o confirmar) e os Van Der Graaf
Generator uma das mais formidáveis máquinas que a música popular já conheceu.
Poderosa como uma locomotiva, alucinatória como um saco de LSD, brilhante como
uma estrela, tocante como o primeiro sorriso de um recém-nascido, tenebrosa
como a morte, infinita como o Cosmos. Atrevam-se a tocá-la.
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