05/09/2014

Van Der Graaf Generator - The Box



Y 19|JANEIRO|2001
discos|escolhas

VAN DER GRAAF GENERATOR
The Box
4xCD Virgin, distri. EMI – VC
9|10

A caixa de Pandora

Mesmo aqueles que, ao contrário de nós, não consideram Peter Hammill, Deus (o outro é John Cleese…) devem ajoelhar-se aos seus pés e agradecer a quem, finalmente, decidiu escrever a bíblia que, a partir de agora, permitirá aos neófitos iniciarem em condições o culto aos Van Der Graaf Generator e, aos discípulos de sempre, a consulta condensada dos ensinamentos do mestre.
            E dizemos “em condições” porque a reedição em CD da discografia de toda a primeira fase do grupo bem como os primeiros álbuns a solo de Hammill, gravados nos anos 70 para a Charisma, por enquanto a única disponível é, nalguns casos, execrável. Obras-primas como “H to He, Who am the only One” ou “Pawn Hearts”, da forma como foram cuspidas para o mercado em versões “nice price”, sem a mínima qualidade sonora, são autênticos atentados que devem ser evitados a todo o custo, quer pelos que conhecem a música do grupo através das gravações originais em vinilo, quer pelos interessados em mergulhar num dos universos musicais e poéticos mais fascinantes de sempre da música popular.
            “The Box” não está, contudo, isento de defeitos. Mas as virtudes superam alguma frustração, sobretudo de quem estaria (e ainda está!) à espera das reedições individuais dos álbuns do grupo compreendidos entre a estreia de 1969, “The Aerosol Grey machine” (apesar de tudo, bem tratado pela atual reedição da Repertoire) e “The Quiet Zone/The Pleasure Dome”, de 1977, bem como os trabalhos a solo de Hammill compreendidos entre “Fool’s Mate” (1971) e “Sitting Targets” (1981), num total de dezoito álbuns de estúdio.
            Para começar, o som é, nalguns casos, simplesmente soberbo, na linha do que já se podia escutar na recente súmula/coletânea “An Introduction from the Least to the Quiet Zone”. É todo um mundo sonoro que ressurge na sua pureza e energia originais, com os sons de baixo (da guitarra de Nic Potter ou dos pedais de órgão de Hugh Banton), o sax lancinante de David Jackson e a bateria primordial de Guy Evans a explodirem no palco sonoro e a nitidez dos detalhes a revelar finalmente toda a riqueza dos arranjos. Eis o principal trunfo de “The Box”.
            Arrumado em quatro módulos temáticos – “Bless the Baby Born Today”, “The Tower Reels”, “One More Heaven Gained” e “Like something out of Edgar Allan Poe” (o escritor inglês [sic] é uma das fixações de PH que, já por duas vezes, encenou em forma de ópera “The Fall of the House of Usher”) o alinhamento, escolhido e supervisionado em conjunto com a Virgin pelo próprio Peter Hammill, não é, contudo, satisfatório. A não ser que, na manga, esteja a tal ansiada reedição álbum a álbum.
            Assim, apesar da inclusão das versões originais, com destaque para a apresentação integral do “magnum opus” “A plague of lighthouse keepers”, do álbum “Pawn Hearts”, ou da totalidade de “Still Life”, proliferam sessões efetuadas para a BBC, com temas antigos do primeiro álbum e, o que já se compreende menos, a inclusão de versões ao vivo recolhidas de um espetáculo de 1975 em Rimini, na Itália, onde a música dos VSGG provocava, na época, reações de histeria. Se a intenção era mostrar a força do grupo ao vivo, tal não era necessário, dada a existência de mais do que um álbum com este formato, incluindo o duplo “Vital”.
            Deixa igualmente algo a desejar o livro que acompanha a edição. Mesmo sabendo-se da recusa de Hammill em explicar o “significado” das canções, sabem a pouco a cronologia, apesar de extensa, ou os textos individuais assinados por cada um dos elementos do grupo, interessantes sobretudo de um ponto de vista técnico e factual.
            Seja como for, e fora da ótica apaixonada do fã incondicional, “The Box” é uma obra monumental. Para quem pela primeira vez enfrentar a música dos Van Der Graaf Generator, o desafio e o estímulo são totais. Cai por terra a imagem preconceituosa – metodicamente construída pelos que, em absoluto, o desconhecem – do “progressivo”, para revelar uma música que até hoje conserva intacta a sua glória. Peter Hammill é um dos maiores poetas, cantores e músicos ingleses vivos (“None of the Above”, do ano passado, aí está para, uma vez mais, o confirmar) e os Van Der Graaf Generator uma das mais formidáveis máquinas que a música popular já conheceu. Poderosa como uma locomotiva, alucinatória como um saco de LSD, brilhante como uma estrela, tocante como o primeiro sorriso de um recém-nascido, tenebrosa como a morte, infinita como o Cosmos. Atrevam-se a tocá-la.

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