Y
12|JANEIRO|2001
underground|música
Na
Guarda, há quem ouse impor uma altitude alternativa. É o caso de Victor Afonso,
cujo projeto Kubik traduz uma forma diferente de ver a música eletrónica em
Portugal. A polícia do espírito foi investigar o “crime”.
Ó da Guarda!
Kubik
é o projeto de Victor Afonso, músico da Guarda, guerrilheiro sónico apostado em
reduzir a estilhaços a pop “mainstream” que inunda o espectro radiofónico
nacional. Armado de samplers, de humor corrosivo e de uma, pouco habitual,
cultura das “new musics” de todas as épocas, pode ser ouvido, para já, através
do CD-maqueta “Radio Mutation” – à venda na Valentim de Carvalho do Chiado, por
um preço irrisório.
O Y encetou uma investigação privada
e obrigou o mutante da serra a responder a um inquérito.
Kubik já tem, ao menos, currículo
digno desse nome?
Fundei o grupo de rock alternativo
Nihil Aut Mors, em finais dos anos 80. A primeira maqueta intitulava-se “Cry
Sound”, lançada em Março de 1998. Tenho dois temas incluídos em CDs em 1998
pela revista Promúsica, um dos quais na edição “Consagração do Ano – As
Revelações Musicais de 98”. A editora (e distribuidora) Ananana editou o
CD-Compilação nacional “Way Out - New Music From Portugal Vol. 2” com um tema
de Kubik.
Em Abril de 2000, a revista
Promúsica editou um CD contendo músicas dos vencedores do concurso Prémios
Maqueta, entre os quais um tema do projeto Kubik, enquanto vencedor do “Prémio
de Melhor Maqueta de Dança de 1998”. Em Outubro de 2000, a Câmara Municipal da
Guarda convidou-me a participar, com um tema, num disco com músicos/grupos da
Guarda, no âmbito das comemorações do 8º Centenário da Guarda. Tal disco
intitula-se “Ar da Guarda”.
Defina quanto antes a orientação
estética do projeto.
Tem mais a ver com a busca de uma
“fragmentação estética” do que com uma orientação específica. A minha música
parte da eletrónica e espartilha-se em inúmeras vertentes de experimentação: é
um trabalho de sampling rigoroso, um processo de montagem sonora que tanto vai
buscar inspiração às músicas étnicas como a programas de televisão, fundindo
drum’n’bass com abstrações ambientais, cut ‘n’ paste surreal com arritmias esfuziantes
ou ritmos eletro-industriais com melodias de flauta japonesa. É uma abordagem
multi-estilística (com referências óbvias às correntes contemporâneas da
eletrónica). A coerência estética deste projeto é não ter coerência “at all”.
Que equipamento utiliza nas
gravações? É material legal?
Não é preciso dizer a marca, pois
não? Sintetizador, computador, sequenciador, sampler, guitarra elétrica, montes
de software barato, resmas de pilhagens sonoras (reconstituídas por mim),
processadores de efeitos sonoros e fortes injeções de criatividade.
Processos utilizados: que crimes
comete e onde? Rouba? Copia? Trafica?
Utilizo um estúdio caseiro. O
processo de criação é simples: geralmente parto de uma ideia musical assente
num padrão rítmico (por mais ténue que seja); depois, essa ideia vai-se
desenvolvendo e tomando forma após experimentar exaustivamente a maneira de ir
acrescentando novos dados à música, através de colagens/montagens e seleção de
samples. Outras vezes o processo é menos cerebral e deixo a inspiração guiar-se
pela improvisação.
Que música ouve. Parentescos
estéticos. Influências. Não tem vergonha de gostar de músicas que poucos
conhecem?
Elliott Sharp; Asmus Tietchens;
David Shea; Christian Marclay; Roberto Musci & Giovanni Venosta, Arvo Pärt;
Muslimgauze; Captain Beefheart; Philip Glass; Holger Hiller; Suicide; Bob
Ostertag; Mauricio Kagel; Martin Tétreault; Squarepusher; Pascal Comelade;
Aphex Twin; Prokofiev; Hal Willner; Raymond Scott; John Coltrane; Alec Empire;
Danny Elfman; Speedy J; To Rococo Rot; Ian Simmonds; DAF; Harry Partch; Amon
Tobin; Hedningarna; Cecil Taylor; Albert Ayler; Nuno Rebelo; DJ Spooky; Faust;
DJ Shadow; Frank Zappa; Glenn Branca…
Posicionamento no panorama atual da
música eletrónica portuguesa? Dentro? À esquerda? À margem? Anarquista,
supõe-se…
Não me posiciono. Não sei onde
poderia encaixar o projeto Kubik (há quem o meta no mesmo saco dos Stealing
Orchestra, Mute Life Dept. ou dos Zzzzzzzzzzzzzzzzp!)… Só que, para todos os
efeitos, sou um outsider: sou da Guarda!!
Como “outsider” da Guarda, onde
deveria ser proibido fazer música eletrónica, muito menos experimental, defina
esse mesmo panorama, para o bem e para o mal.
O panorama musica contemporâneo
português, no que diz respeito à música de raiz eletrónica (experimental ou
não), tem de evoluir muito, como eu próprio, aliás. É um circuito fechado de
escassos projetos musicais que (sobre)vivem na obscuridade, quase num limbo,
onde a exposição pública é feita apenas no âmbito de concertos e de trocas de
maquetas para amigos. Depois é o choradinho habitual: as editoras não apostam
nesses valores – que os há e bons – e a comunicação social é obtusa no momento
da divulgação, completamente abstraída desse panorama de novas propostas. Mas
já foi pior e vai dando sinais de melhoras.
objeto de
delito
KUBIK
Radio Mutation
Ed. de autor
8|10
Notável
em “Radio Mutation” é sobretudo o trabalho de montagem com os samples.
“Montagem” e não “colagem” porque o seu autor, Victor Afonso, segue um processo
que obedece a uma lógica cinematográfica, no modo como diferentes referências,
que vão do universo da eletro-acústica à eletrónica mais (obliquamente)
dançável, se estruturam em “cenas” de filmes tão expressionistas quanto
experimentais. Certos temas recordam a dupla Roberto Musci & Giovanni
Venosta, outros os russos Popular Mechanics, mas em qualquer dos casos Victor
Afonso distingue a assimilação da citação. “Radio Mutation” caminha no sentido
da eletrónica para o abstracionismo para, finalmente, se resolver no humor
desestruturante de um sample do tema musical da série Monty Python.
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