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22|DEZEMBRO|2000
escolhas|ao
vivo
FOCO
GAITEIROS DE LISBOA
Fogo
posto
“Invasões
Bárbaras”, “Bocas do Inferno”, “Dançachamas”. É, para já, a trilogia de títulos
disponível dos Gaiteiros de Lisboa. Para quem (ainda) não os conheça, os
títulos sugerem mafarricos saídos do Hades, com hálito de labaredas e tridentes
que espetam, mais que não seja, na atenção. Vão hoje endemoninhar, às 17h, o
vetusto Auditório da RDP.
Os Gaiteiros de Lisboa, na verdade,
até nem são más pessoas, mas fica a suspeita se conseguirão salvar a alma no
céu da música tradicional. É que, não sei se sabem, mas a gaita-de-foles é o
instrumento dos instrumentos da música tradicional e foi ela que esteve na
génese da formação do grupo. Mas eles, desde o início, com a entrada de rompante
do álbum “Invasões Bárbaras” mantêm uma saudável distância da tradição. Mais,
apostaram em que eram capazes de romper os cânones da dita, decidindo “a
priori” recusar os instrumentos cordofones na sua estratégia de, a partir do
passado, traçarem as rotas de um herético futuro. Concentraram-se, pois, nas
palhetas duplas, nas flautas, nas percussões, na sanfona, nas invenções de um
dos seus elementos, Carlos Guerreiro, autor das patentes de uns Túbaros de
Orfeu, um orgaz e um cabeçadecompressofone, entre outras engenhocas sónicas
arrancadas a um bestiário que não cessa de lhes morder os miolos. E em
polifonias vocais que trazem o Norte céltico e o Sul árabe para o centro das
suas convicções.
“Invasões Bárbaras” e “Bocas do
Inferno” revelaram os Gaiteiros como iconoclastas iluminados da moderna música
popular portuguesa, na senda do incêndio ateado na Europa pelos Hedningarna mas
também, e sobretudo, por uma assimilação visionária da atitude (e, até certo
ponto, da estética) preconizados pelo mestre José Afonso.
Nos Gaiteiros conjuga-se, como em
nenhum outro grupo português, o humor que tudo arrasa, a graça que tudo redime
e o fogo que tudo transmuta. “Dançachamas”, gravado ao vivo, não faz mais do
que confirmar, no contexto da fogueira acendida em público, a inesgotável
capacidade dos Gaiteiros de Lisboa para fazer ouvir, alto e bom som, o que
ainda não fora dito antes.
GAITEIROS DE LISBOA
LISBOA, AUDITÓRIO DA RDP
Tel. 213820000. 6ª, 22, às 17h. Entrada livre.
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