Y
16|MARÇO|2001
discos|escolhas
HOWE GELB
Hisser
Glitterhouse,
distri. Zona Música
8|10
Confluence
Thrill
Jockey, distri. Ananana
7|10
Esqueletos no armário
Esqueletos
no armário. Howe Gelb olha-nos de frente na capa de “Hisser”, pintado de
esqueleto “cowboy”, a sorrir no dia dos mortos mexicano. E “Hisser”, estreia a
solo (o novo “Confluence” está prestes a sair) do mentor dos Giant Sand – dos
quais foi agora editada a coletânea “Selections Circa, 1990-2000” –, bem
poderia ter sido gravado num armário, quer pelo tom artesanal, quer pela
quantidade de fantasias amarrotadas e suspensas em cabides que encerra. “Lo-fi”
captado numa cidade-fantasma (na realidade, as gravações tiveram lugar numa
velha casa em Tucson, Arizona, construída no princípio do século passado), sob
os efeitos de mescalina estragada, “Hisser” é a sombra espectral desse outro
grande viajante americano do escuro que é Neil Young, o reverso das cavalgadas
do “cowboy” elétrico, Stan Ridgway, e um intervalo de embriaguez nas “spoken
words” de Lou Reed. Mas é nos interstícios das baladas descarnadas, em
sequências e apontamentos instrumentais que remetem para os limites de arranjos
“politicamente inaceitáveis”, que “Hisser” guarda os seus segredos mais
fascinantes e, já agora, perturbantes.
Um velho piano vertical fabricado em
1888 afogado na cisterna, um órgão de foles dos anos 30 e uma guitarra de 1900,
com a caixa em cartão e as cordas lassas (Howe recusou-se a trocá-las por umas
novas), ruídos de fundo, e do fundo da noite, vozes descoladas como papel de
parede, valsas de pé-quebrado, ecos, becos e subterfúgios agarram-se como
lagartos ao verde dos catos do deserto. Bobines partidas de um filme mudo
repetem infinitamente as imagens de um “western” burlesco onde bonecos de corda
dançam num salão de baile do princípio do século. Em “Hisser”, a voz, as
histórias e os sons trocam de lugar e de tempo (“americana” em Viena?) com a
Belle Époque de Pascal Comelade e o sentido de palavras que iludem – “Intro
speck” são dez segundos de introspeção, “Thereminender” junta “there” com
“mine”, para dar a ouvir um solo de theremin que desaparece num buraco de
silêncio. Grandaddy e Lisa Germano são os convidados especiais deste “saloon”
de alucinações.
Em simultâneo com “Hisser” surge no
mercado português o novo “Confluence”, visão assente nos carris de uma linha
férrea apontada para um horizonte que tanto pode conter quimeras, como
desembocar na desolação. Os pianos foram de novo esfregados com naftalina, as
cordas da guitarra mantêm-se lassas, o órgão de foles continua asmático, a
fantasmagoria ganhou uma “phantom drums”, mas, no geral, a música está mais em
conformidade com a linha clássica dos “singersongwriters” dos anos 60 (um dos
temas foi mesmo gravado em Woodstock…), nomeadamente Neil Young. Howe Gelb
segue só numa viagem sem retorno em direção a uma América desesperadamente à
procura de reencontrar os velhos mitos. “In a perfect world you can do what you
want/You can say what you will, you can get what you feel/You won’t be misunderstood/If
it starts out bad, it’ll end up good/In a perfect world”, canta no tema de
abertura. “Poor lonesome cowboy em luta contra o tempo.
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