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9|FEVEREIRO|2001
música|compilação
Os
Heróis do Mar deram um novo rosto à música portuguesa
e tornaram-se um mito.
brava dança dos heróis
“Paixão
– O Melhor dos Heróis do Mar” traz de novo à baila o nome de uma das melhores e
mais importantes bandas de sempre da pop nacional. Com as lacunas inerentes ao
facto da coletânea apenas contemplar o material gravado pelo grupo entre 1981 e
1985 para a Polygram, deixando de fora um álbum como “Macau”, mas devolvendo
intactas as características que ainda hoje são sinónimo de desafio e
originalidade.
Na época em que o grupo de Pedro
Ayres de Magalhães, Rui Pregal da Cunha, Paulo Pedro Gonçalves, António José de
Almeida e Carlos Maria Trindade surgiu, escassos oito anos decorridos sobre a
revolução de Abril, houve quem lhes chamasse “fascistas” por agitarem bandeiras
com a Cruz de Cristo e cantarem canções como “Brava dança dos heróis”. Então.
Como hoje, era difícil ser-se português para além das conveniências
“progressistas” e propagar uma noção mais profunda da história de Portugal, com
base nos mitos e numa tradição de séculos. Mas os Heróis do Mar, mais do que
ideólogos, foram um dos primeiros grupos a trazer para a música portuguesa um
conceito estético que passava pelo espetáculo, a moda, a poesia e uma música
que, passados 20 anos, continua a soar moderna.
Pedro Ayres de Magalhães, letrista,
mentor e baixista da formação original, recordou para o PÚBLICO algumas das
peripécias e conceitos inerentes a essa aventura.
On The Road “Levávamos uma vida de
rockers, de aventureiros. Nunca tive férias nos últimos 18 anos. Ser rocker é
escrever canções, viajar com elas. Escrever na estrada, colher impressões dos
lugares e das pessoas, abrir-se às circunstâncias. Era o ‘on the road’
Kerouakiano…”
Ideia da década “Embora tivéssemos
sido considerados uma das dez melhores bandas da Europa, pela “The Face” e pela
“Rock & Folk”, e a “Actuel” nos tivesse considerado uma das cem melhores
ideias da década, por cá nunca tivemos dinheiro ou apoio, nem para a casa, nem
para o carro, nem para nada…”
O que é que se podia fazer? “Os
Heróis do Mar, além da música, construíram uma imagem. Mas as massas não
perceberam o seu significado. Nos anos 80 não existia uma cultura do vídeo, do
filme rock, as pessoas iam aos nossos concertos e não sabiam o que haviam de
fazer. Havia apenas uma minoria que dançava”.
Celebração “Sentíamos a necessidade
de dotar o país de um reportório. De o conhecer, de falar dele, de ter uma
opinião sobre o que era melhor para Portugal. Encontrámos uma forma original de
celebrar a Nação”.
Amor sem retribuição “É preciso não
esquecer que, além do “Amor”, um êxito na rádio sem precedentes na música
portuguesa de então, e vendeu cerca de 50 mil exemplares, os nossos discos
acabavam por soar um bocado complexos. Não estou a falar em vanguardismos, mas
de serem demasiado densos – informação a mais para aquilo que era frequente
aceitar-se num disco de música popular em Portugal. Éramos um grupo elitista.
Não nos podíamos comparar às vendas do Rui Veloso ou dos Trovante.”
Aprender com a faena “Toda a gente
que faz música em Portugal teria muito a inspirar-se no que a gente faz,
tínhamos muitas soluções a nível das influências musicais, da construção, das
orquestrações, até das próprias soluções técnicas de gravação. Também da
estruturação do discurso cantado e das palavras que foram escolhidas para a
grande faena dos Heróis do Mar. Foi a nossa liberdade que permitiu a grupos
como os Delfins, Polo Norte ou Santos e Pecadores, conseguiram imaginar-se como
tal, como autores de música em Portugal.”
Estação de serviço “Havia
ministérios dentro do grupo. O Rui Cunha era o cérebro da imagem. Ele e o Paulo
eram os cérebros da roupa e da animação ‘anglo-americana’. O Tó Zé, com a
experiência que trazia dos Tantra, era um génio da organização de concertos num
país onde não havia produção de concertos. O Carlos Maria era um génio da
música, como ainda hoje é. Eu tinha a determinação, uma permanente
disponibilidade, estava lá quando não estava mais ninguém. Eu talvez fosse apenas
a personificação de um serviço aquela organização”.
O crepúsculo dos ícones “Houve gente
nalguns meios de comunicação apostada em confundir. Um movimento determinado a
transformar os Heróis do Mar num ícone de um regresso da Direita, a
associar-nos aos paraquedistas de Tancos, aos comandos do Jaime Neves e trinta
por uma linha. Depois vim a saber onde é que isso foi combinado, com votos a
favor e contra. Durante pelo menos dois anos não conseguimos ir tocar a Sul de
Setúbal, no Alentejo, porque éramos ‘fascistas’. Chamaram-nos fascistas, a
putos sem proteção nenhuma que apenas queriam reclamar uma herança histórica,
numa altura em que nem na palavra ‘pátria’ se podia falar. Lançavam-nos:
‘Querem é a herança do Salazar!’, quando o que pretendíamos era a criação de um
showbiz civilizado. Fazíamos tudo como uma companhia de ciganos independente.”
O CONCEITO “SE OS HERÓIS DO
MAR
SÃO HOJE UM GRUPO
‘HISTÓRICO’, É SOBRETUDO PELA DIVULGAÇÃO DO SEU NOME
AS METÁFORAS QUE FORAM
CORPORIZADAS POR NÓS
AINDA NÃO SÃO CONHECIDAS.”
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