05/12/2016

Anja de cristal no CCB [Anja Garbarek]

CULTURA
TERÇA-FEIRA, 20 NOV 2001

Crítica Música

Anja de cristal no CCB

Anja Garbarek + Casino
Lisboa, Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
18 de Novembro, 20h30
Sala quase cheia

Classe. A classe de uma voz, uma música e uma pose irrepreensíveis que a cantora norueguesa Anja Garbarek trouxe na sua primeira visita a Portugal, domingo, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, deixando como que hipnotizada uma assistência que praticamente encheu o recinto. Nada foi deixado ao acaso. O som, pristino, deixava ouvir a mais leve respiração dos sopros, os mais recônditos pormenores articulados pelo sampler e pelos sintetizadores, cada suspiro do violino, o calor do afago do contrabaixo. Mais importante ainda: o silêncio. O silêncio que impregna e rodeia cada nota de uma música que se entende no recolhimento mas é sentido numa embriaguez serena dos sentidos.
Cinquenta e cinco minutos, incluindo os dois “encores”, foram sufi cientes para deixar toda a gente suspensa da música e da voz de Anja Garbarek, num alinhamento que privilegiou, como não podia deixar de ser, as canções do novo álbum “Smiling & Waving”, mas não deixou de fora as do anterior “Balloon Mood”.
Antes atuaram os portugueses Casino, que entretiveram o público com a fórmula vencedora lounge mais neo-country mais pop alternativa encharcada em violetas e melancolia. Quiçá mesmo algum desespero, como o da vocalista Francisca Cortesão, no esforço titânico para não desafinar.
Instrumentalmente impecáveis, os Casino, se não apresentaram uma grande voz (seria dos nervos? No último tema, da única vez que não cantou e tocou guitarra em simultâneo, sobre uma base de loops, Francisca até esteve bem...) têm, pelo menos, pernas para andar.
Já Anja Garbarek não se satisfez com menos do que a perfeição. A sua voz andou por onde quis, ondulando entre as vagas de trip-hop, enfrentando as difíceis equações da eletrónica, descendo a baixos de veludo, pelas grutas do jazz. Sem uma falha ou uma hesitação.
Mas onde outros se recolheriam num perfeccionismo sem alma, Anja Garbarek soube inventar lugares onde se espraiaram emoções pautadas pela subtileza do canto e acentuadas por um jogo discreto de luzes — nas mil e uma variações e matizes nascidas do combate entre o verde e o vermelho —, que trouxe uma vez mais à memória o “music hall” esotérico de “Blue Velvet”, o filme de David Lynch. Uma dimensão cinematográfica que fez corar de vergonha o cabaré sem magia que Alison Goldfrapp mostrara recentemente em Portugal. Onde Goldfrapp foi cortesã, baton borrado e lantejoulas, Anja Garbarek personificou a fineza e a sofisticação de uma dama de um casino situado fora do tempo, onde mesmo o “kitsch” (o vaporoso vestido verde que levou ao CCB podia passar perfeitamente por uma couve...) ostentou a pureza dos anjos. Stina Nordenstam, Annette Peacock, Leila, Mathilde Santing, ou grupos como Non Credo ou No Secrets in the Family, brilharam como lustres no salão de baile futurista que Anja Garbarek encheu de criaturas tão ternas como bizarras. Só que no CCB a norueguesa fez questão que esse baile fosse só seu. Anja Garbarek dançou dentro das nossas cabeças, como Cinderela, com sapatos de cristal.

EM RESUMO
Garbarek A música e o som de Anja Garbarek roçaram a perfeição, num espetáculo feito de mil e uma subtilezas

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