CULTURA
TERÇA-FEIRA, 20 NOV 2001
Crítica
Música
Anja de
cristal no CCB
Anja Garbarek + Casino
Lisboa,
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
18 de
Novembro, 20h30
Sala quase
cheia
Classe. A classe de uma voz, uma
música e uma pose irrepreensíveis que a cantora norueguesa Anja Garbarek trouxe
na sua primeira visita a Portugal, domingo, no Grande Auditório do Centro
Cultural de Belém, em Lisboa, deixando como que hipnotizada uma assistência que
praticamente encheu o recinto. Nada foi deixado ao acaso. O som, pristino, deixava
ouvir a mais leve respiração dos sopros, os mais recônditos pormenores
articulados pelo sampler e pelos sintetizadores, cada suspiro do violino, o
calor do afago do contrabaixo. Mais importante ainda: o silêncio. O silêncio
que impregna e rodeia cada nota de uma música que se entende no recolhimento
mas é sentido numa embriaguez serena dos sentidos.
Cinquenta e cinco minutos, incluindo os dois
“encores”, foram sufi cientes para deixar toda a gente suspensa da música e da
voz de Anja Garbarek, num alinhamento que privilegiou, como não podia deixar de
ser, as canções do novo álbum “Smiling & Waving”, mas não deixou de fora as
do anterior “Balloon Mood”.
Antes atuaram os portugueses Casino, que entretiveram
o público com a fórmula vencedora lounge mais neo-country mais pop alternativa encharcada
em violetas e melancolia. Quiçá mesmo algum desespero, como o da vocalista
Francisca Cortesão, no esforço titânico para não desafinar.
Instrumentalmente impecáveis, os Casino, se não
apresentaram uma grande voz (seria dos nervos? No último tema, da única vez que
não cantou e tocou guitarra em simultâneo, sobre uma base de loops, Francisca
até esteve bem...) têm, pelo menos, pernas para andar.
Já Anja Garbarek não se satisfez com menos do
que a perfeição. A sua voz andou por onde quis, ondulando entre as vagas de
trip-hop, enfrentando as difíceis equações da eletrónica, descendo a baixos de
veludo, pelas grutas do jazz. Sem uma falha ou uma hesitação.
Mas onde outros se recolheriam num perfeccionismo
sem alma, Anja Garbarek soube inventar lugares onde se espraiaram emoções pautadas
pela subtileza do canto e acentuadas por um jogo discreto de luzes — nas mil e
uma variações e matizes nascidas do combate entre o verde e o vermelho —, que
trouxe uma vez mais à memória o “music hall” esotérico de “Blue Velvet”, o
filme de David Lynch. Uma dimensão cinematográfica que fez corar de vergonha o cabaré
sem magia que Alison Goldfrapp mostrara recentemente em Portugal. Onde Goldfrapp
foi cortesã, baton borrado e lantejoulas, Anja Garbarek personificou a fineza e
a sofisticação de uma dama de um casino situado fora do tempo, onde mesmo o
“kitsch” (o vaporoso vestido verde que levou ao CCB podia passar perfeitamente
por uma couve...) ostentou a pureza dos anjos. Stina Nordenstam, Annette Peacock,
Leila, Mathilde Santing, ou grupos como Non Credo ou No Secrets in the Family,
brilharam como lustres no salão de baile futurista que Anja Garbarek encheu de criaturas
tão ternas como bizarras. Só que no CCB a norueguesa fez questão que esse baile
fosse só seu. Anja Garbarek dançou dentro das nossas cabeças, como Cinderela, com
sapatos de cristal.
EM RESUMO
Garbarek A música e o som de Anja Garbarek
roçaram a perfeição, num espetáculo feito de mil e uma subtilezas
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