05/12/2016

Um festival de folk no sítio certo [Festival de Música Tradicional de Macedo de Cavaleiros]

CULTURA
SEXTA-FEIRA, 14 SETEMBRO 2001

Um festival de folk no sítio certo

MACEDO DE CAVALEIROS

Riccardo Tesi com Patrick Vaillant, Gaiteiros de Lisboa, Xarabanda e muita animação de rua em destaque na programação. Esperadas 5000 pessoas no local

Num ápice, Trás-os-Montes tornou-se palco privilegiado de festivais de “world music”, com incidência na sua vertente folk, europeia e céltica. Depois de em Agosto se ter cumprido a segunda edição do Festival Intercéltico de Sendim, espécie de resposta, mais a norte, do seu congénere do Porto, é a vez de Macedo de Cavaleiros realizar, pelo segundo ano consecutivo, o seu próprio festival, numa iniciativa que, pelos seus moldes, dá mostras de ter vindo para ficar. “No ano passado tivemos 3000 pessoas, este ano prevemos 5000”, garante Mário Correia, da Sons da Terra, entidade responsável pela programação do II Festival Internacional de Música Tradicional de Macedo de Cavaleiros, cuja organização está a cargo da câmara municipal. Festival com características próprias, sobretudo “ao nível do envolvimento da população e da festa nas ruas e praça das Eiras”.
            Mário Correia traça o panorama do que poderá ser ouvido e vivido, hoje e amanhã, nesta vila situada não muito longe da Terra de Miranda, da animação de rua aos concertos, dos quais se destacam os dos Xarabanda, hoje, e de Riccardo Tesi com Patrick Vaillant e dos Gaiteiros de Lisboa, ambos amanhã.
            “Envolvimento” e “festa” são as palavras-chave. “O festival é feito num auditório natural, num jardim”, explica o programador e autor de uma série de recolhas de música tradicional transmontana que têm vindo a ser compiladas pelo Centro de Música Tradicional Sons da Terra. “Os músicos entram por todos os lados, com o local a ser invadido por Caretos de Podence (na foto) e por gaiteiros. Nos concertos, os grupos atuam no centro, rodeados pelas pessoas, que vão sentar-se em volta, a três ou quatro metros”.
            Para Mário Correia esta aproximação entre o público e os artistas integra-se numa nova conceção de festivais folk na qual a própria localização geográfica e a fuga às salas fechadas desempenham um papel fundamental. Assim se compreende que Trás-os-Montes apareça como região ideal para a realização deste tipo de eventos. Trás-os-Montes das fragas e dos vales profundos, do verde e do granito, trazendo à memória reminiscências de um passado mítico que a imaginação atualiza, dando-lhe
forma no presente.

Música que atrai a paisagem
Trata-se, tão-só, para Mário Correia, “de uma questão de harmonia”. “É em Trás-os-Montes que estas músicas são mais conservadas, onde têm uma maior ligação — ainda — às funções e aos contextos tradicionais”, diz. “As pessoas estão a começar a ir, e isto é que me parece importante, aos festivais, no sítio certo, no momento certo”. Para Mário Correia, esta música atrai a paisagem, chama por ela: “A folk está a deixar de fazer sentido nas salas, como já acontece na Cantábria ou nas Astúrias. Há uma deserção, os festivais saíram das salas e deslocam-se para o meio das árvores, para os bosques, para as praças.”
            Em Macedo de Cavaleiros pode-se ir para os bosques, em busca dos druidas e das suas poções mágicas, das pedras sagradas ou da porta de entrada do paraíso celta a que se acede fazendo girar no sentido correto as espirais do “triskell”, símbolo ancestral cuja origem se perde no fundo dos tempos. Para ouvir melhor a música que o II Festival Internacional de Música Tradicional de Macedo de Cavaleiros tem para oferecer, convirá, no entanto, permanecer no tal sítio certo, onde decorrerão os concertos, a praça da Eira.
            É lá que desfilarão, já hoje, ao fim da tarde, os Pauliteiros de Salselas, a Banda de Gaitas Devalar-A Torre, da Galiza, os Caretos de Podence e o Grupo Cultural da Casa do Povo de Macedo de Cavaleiros. Mais tarde, a partir das 21h30, chegarão os concertos (ver cartaz), que terminarão com os Xarabanda, da Madeira, grupo paradigmático que aqui dará o seu primeiro grande concerto num festival com estas características.
            Amanhã, após mais uma sessão de rua, seguem-se os concertos (ver cartaz). Destaque para a loucura infernal dos últimos, o grupo mais bárbaro da folk nacional, e para a dupla formada pelo acordeonista toscano Riccardo Tesi (ex-Ritmia, atual líder dos Banditaliana e visitante regular do nosso país) e o guitarrista e bandolinista francês Patrick Vaillant, praticantes de uma fusão palaciana de folk e jazz que pode ser escutada em disco nos álbuns “Véranda” e “Colline”.
            Mas a segunda e última noite do II Festival Internacional de Música Tradicional de Macedo de Cavaleiros só terminará quando as gaitas-de-foles dos Devalar - A Torre esvaziarem, exaustas, todo o seu ar e o ritual-do-que-está-para-além-do-tempo ceder contrariado à luz da manhã, a despertar-nos para a imensa sombra de tristeza que se abateu sobre o mundo neste final de Verão.

CONCERTOS

Hoje, 21h30
— Paranza di Somma Vesuviana (Itália)
— Quempallou (Galiza)
— Portal Votis (Portugal)
— Los Gatos del Fornu (Astúrias)
— Xarabanda (Madeira)

Amanhã, 21h30
— Riccardo Tesi e Patrick Vaillant
(Itália/França)
— Rao Trio (Castela)
— Saltabardales (Cantábria)
— Gaiteiros de Lisboa (Portugal)

MACEDO DE CAVALEIROS
Praça da Eira. Entrada livre

Falar de gaitas em Vimioso

Ainda em Trás-os-Montes, em Vimioso, Terra de Miranda, vai decorrer no próximo fim-de-semana, nos dias 21, 22 e 23, no Auditório da Casa da Cultura, o I Congresso da Gaita-de-foles em Portugal, série de dez conferências sobre a gaita-de-foles, ou cornamusa, instrumento musical tradicional característico não só da região do Nordeste transmontano como de toda a Europa onde a civilização celta deixou vestígios. Organizado pela Área da Cultura da Câmara Municipal de Vimioso e pelo Centro de Música Tradicional Sons da Terra, o congresso pretende, segundo Mário Correia, “refletir, ou fazer comunicações, com um fundo pedagógico, mas proferidas por músicos gaiteiros”. Entre os músicos participantes contam-se Pablo Carpinteiro, Roberto Diego, do grupo da Cantábria, Luétiga, Abílio Topa, Alberto Jambrina Leal, Manuel Tentúgal, mentor do projeto Vai de Roda, e Paulo Marinho, dos Sétima Legião e Gaiteiros de Lisboa. Serão proferidas comunicações sobre a gaita-de-foles na Galiza, Astúrias, Cantábria, mirandesa, zamorana e sanabresa, Trás-os-Montes, região de Coimbra e Extremadura.

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