CULTURA
SEXTA-FEIRA,
14 SETEMBRO 2001
Um festival de folk no sítio
certo
MACEDO DE CAVALEIROS
Riccardo Tesi com Patrick
Vaillant, Gaiteiros de Lisboa, Xarabanda e muita animação de rua em destaque na
programação. Esperadas 5000 pessoas no local
Num ápice,
Trás-os-Montes tornou-se palco privilegiado de festivais de “world music”, com
incidência na sua vertente folk, europeia e céltica. Depois de em Agosto se ter
cumprido a segunda edição do Festival Intercéltico de Sendim, espécie de
resposta, mais a norte, do seu congénere do Porto, é a vez de Macedo de
Cavaleiros realizar, pelo segundo ano consecutivo, o seu próprio festival, numa
iniciativa que, pelos seus moldes, dá mostras de ter vindo para ficar. “No ano passado
tivemos 3000 pessoas, este ano prevemos 5000”, garante Mário Correia, da Sons
da Terra, entidade responsável pela programação do II Festival Internacional de
Música Tradicional de Macedo de Cavaleiros, cuja organização está a cargo da
câmara municipal. Festival com características próprias, sobretudo “ao nível do
envolvimento da população e da festa nas ruas e praça das Eiras”.
Mário Correia traça o panorama do
que poderá ser ouvido e vivido, hoje e amanhã, nesta vila situada não muito
longe da Terra de Miranda, da animação de rua aos concertos, dos quais se
destacam os dos Xarabanda, hoje, e de Riccardo Tesi com Patrick Vaillant e dos
Gaiteiros de Lisboa, ambos amanhã.
“Envolvimento” e “festa” são as palavras-chave.
“O festival é feito num auditório natural, num jardim”, explica o programador e
autor de uma série de recolhas de música tradicional transmontana que têm vindo
a ser compiladas pelo Centro de Música Tradicional Sons da Terra. “Os músicos
entram por todos os lados, com o local a ser invadido por Caretos de Podence
(na foto) e por gaiteiros. Nos concertos, os grupos atuam no centro, rodeados
pelas pessoas, que vão sentar-se em volta, a três ou quatro metros”.
Para Mário Correia esta aproximação entre
o público e os artistas integra-se numa nova conceção de festivais folk na qual
a própria localização geográfica e a fuga às salas fechadas desempenham um
papel fundamental. Assim se compreende que Trás-os-Montes apareça como região ideal
para a realização deste tipo de eventos. Trás-os-Montes das fragas e dos vales
profundos, do verde e do granito, trazendo à memória reminiscências de um
passado mítico que a imaginação atualiza, dando-lhe
forma no
presente.
Música que atrai a paisagem
Trata-se,
tão-só, para Mário Correia, “de uma questão de harmonia”. “É em Trás-os-Montes
que estas músicas são mais conservadas, onde têm uma maior ligação — ainda — às
funções e aos contextos tradicionais”, diz. “As pessoas estão a começar a ir, e
isto é que me parece importante, aos festivais, no sítio certo, no momento
certo”. Para Mário Correia, esta música atrai a paisagem, chama por ela: “A
folk está a deixar de fazer sentido nas salas, como já acontece na Cantábria ou
nas Astúrias. Há uma deserção, os festivais saíram das salas e deslocam-se para
o meio das árvores, para os bosques, para as praças.”
Em Macedo de Cavaleiros pode-se ir
para os bosques, em busca dos druidas e das suas poções mágicas, das pedras sagradas
ou da porta de entrada do paraíso celta a que se acede fazendo girar no sentido
correto as espirais do “triskell”, símbolo ancestral cuja origem se perde no
fundo dos tempos. Para ouvir melhor a música que o II Festival Internacional de
Música Tradicional de Macedo de Cavaleiros tem para oferecer, convirá, no
entanto, permanecer no tal sítio certo, onde decorrerão os concertos, a praça da
Eira.
É lá que desfilarão, já hoje, ao fim
da tarde, os Pauliteiros de Salselas, a Banda de Gaitas Devalar-A Torre, da
Galiza, os Caretos de Podence e o Grupo Cultural da Casa do Povo de Macedo de
Cavaleiros. Mais tarde, a partir das 21h30, chegarão os concertos (ver cartaz),
que terminarão com os Xarabanda, da Madeira, grupo paradigmático que aqui dará
o seu primeiro grande concerto num festival com estas características.
Amanhã, após mais uma sessão de rua,
seguem-se os concertos (ver cartaz). Destaque para a loucura infernal dos
últimos, o grupo mais bárbaro da folk nacional, e para a dupla formada pelo
acordeonista toscano Riccardo Tesi (ex-Ritmia, atual líder dos Banditaliana e
visitante regular do nosso país) e o guitarrista e bandolinista francês Patrick
Vaillant, praticantes de uma fusão palaciana de folk e jazz que pode ser
escutada em disco nos álbuns “Véranda” e “Colline”.
Mas a segunda e última noite do II
Festival Internacional de Música Tradicional de Macedo de Cavaleiros só
terminará quando as gaitas-de-foles dos Devalar - A Torre esvaziarem, exaustas,
todo o seu ar e o ritual-do-que-está-para-além-do-tempo ceder contrariado à luz
da manhã, a despertar-nos para a imensa sombra de tristeza que se abateu sobre
o mundo neste final de Verão.
CONCERTOS
Hoje, 21h30
— Paranza di
Somma Vesuviana (Itália)
— Quempallou
(Galiza)
— Portal
Votis (Portugal)
— Los Gatos
del Fornu (Astúrias)
— Xarabanda
(Madeira)
Amanhã, 21h30
— Riccardo
Tesi e Patrick Vaillant
(Itália/França)
— Rao Trio
(Castela)
— Saltabardales
(Cantábria)
— Gaiteiros
de Lisboa (Portugal)
MACEDO DE
CAVALEIROS
Praça da
Eira. Entrada livre
Falar de gaitas em Vimioso
Ainda em Trás-os-Montes, em
Vimioso, Terra de Miranda, vai decorrer no próximo fim-de-semana, nos dias 21,
22 e 23, no Auditório da Casa da Cultura, o I Congresso da Gaita-de-foles em
Portugal, série de dez conferências sobre a gaita-de-foles, ou cornamusa, instrumento
musical tradicional característico não só da região do Nordeste transmontano
como de toda a Europa onde a civilização celta deixou vestígios. Organizado pela
Área da Cultura da Câmara Municipal de Vimioso e pelo Centro de Música
Tradicional Sons da Terra, o congresso pretende, segundo Mário Correia, “refletir,
ou fazer comunicações, com um fundo pedagógico, mas proferidas por músicos gaiteiros”.
Entre os músicos participantes contam-se Pablo Carpinteiro, Roberto Diego, do
grupo da Cantábria, Luétiga, Abílio Topa, Alberto Jambrina Leal, Manuel
Tentúgal, mentor do projeto Vai de Roda, e Paulo Marinho, dos Sétima Legião e
Gaiteiros de Lisboa. Serão proferidas comunicações sobre a gaita-de-foles na Galiza,
Astúrias, Cantábria, mirandesa, zamorana e sanabresa, Trás-os-Montes, região de
Coimbra e Extremadura.
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