cultura
QUARTA-FEIRA, 16 JUNHO 1999
Cantora
nova-iorquina atua hoje no Porto
Inquérito a Suzanne
Depois de
Lisboa, o Porto recebe hoje Suzanne Vega, a cantora a quem chamam “a garota de
Nova Iorque” e “a mulher que tombou do paraíso”. Ela não se considera nem boa
nem má rapariga, mas uma sonhadora. No seu livro de sonhos cabem o amor pela
filha, Ruby, um livro de Emily Brontë, um filme com Marilyn e uma canção de Lou
Reed.
Em vez da entrevista convencional, o PÚBLICO
propôs a Suzanne Vega uma espécie de inquérito, que teve o condão de lhe
provocar umas vezes surpresa, outras embaraço. Mas ela divertiu-se e nós
também. Hoje à noite, no Cinema do Terço, às 21h30, é a vez de o Porto saborear
a voz, as estórias e as canções de Suzanne Vega.
PÚBLICO
– Escolha três das suas canções para dedicar à sua filha Ruby.
SUZANNE VEGA – “Birthday”, de “99.9 Fº”,
“World before Columbus” e “Caramel”, ambas de “Night Objects of Desire”.
P.
– Mais uma para oferecer ao seu pior inimigo.
R. – Oh, essa é das difíceis. Nunca
escrevi para os meus inimigos. Embora “Rock in his pocket (song for David)”
pudesse ser utilizada com esse fim…
P.
– Gostaria de ser lembrada como a Joan Baez dos anos 90?
R. – Gosto imenso de Joan Baez, pelo
seu envolvimento político e pelo humor. Mas não gostaria de ser comparada com
ela porque é uma grande cantora e uma compositora razoável, enquanto eu prefiro
ser recordada como uma excelente compositora com uma voz razoável.
P.
– Imagine que nunca tinha ouvido música rock antes. Sentiria hoje o mesmo impacto que sentiu na sua adolescência
quando assistiu a um concerto de Lou Reed?
R. – Provavelmente, sim. O que eu
sempre achei interessante nele são as estórias por detrás das canções que, por
regra, são tocantes. Não foi o som que me impressionou quando o ouvi pela
primeira vez, podia estar a tocar uma guitarra ou um ukelele que não faria a mínima
diferença. Não teve nada a ver com ser ou não música rock. Estou-me nas tintas
para o rock.
P.
– Conte-nos uma boa história passada num restaurante famoso, o Tom’s Diner, que costumava frequentar e sobre o
qual compôs, aliás, uma canção.
R. – Famoso, agora, porque na época
em que escrevi sobre ele era um local pequeno e sujo onde as pessoas iam beber
café à noite. Depois tornou-se limpo e famoso. Há uns anos filmaram cenas da
série de TV “Seinfeld” frente à fachada…
P.
– Qual dos rótulos se aplica melhor a si: “Bon chic bon genre” ou “As boas
raparigas vão para o céu, as más vão para o inferno”?
R. – [risos] Não me considero nem
boa nem má rapariga. É uma pergunta delicada… Sou independente. Quando se está
a crescer, as pessoas acham que somos bons ou maus, a mim disseram-me sempre
que era uma pessoa enfiada no meu mundo, um mundo de sonhos.
P.
– Por falar em sonhos, qual é o seu sonho mais brilhante?
R. – Deixe-me pensar… Ter mais dois
filhos com quem a Ruby possa brincar. Levar a vida de que gosto, o que estou
prestes a conseguir, com dinheiro suficiente para poder cantar e tocar apenas
quando me apetece. O meu ritmo é lento, como tal gostaria de nunca ter que me
apressar para chegar a algum lado. E atirar o relógio para o lixo.
P.
– O seu pesadelo mais sombrio?
R. – Ser pressionada para passar de
uma coisa para outra. Ter que me confrontar com as “deadlines” dos outros,
fazer o que me dizem sem ter oportunidade de dialogar.
P.
– O seu desejo mais obscuro?
R. – Não respondo. As perguntas
estão a entrar num território demasiado pessoal! Talvez lhe conte alguma coisa
daqui a uns dois ou três anos, se passar por aqui [risos].
P.
– No seu livro “Urgent Whispers” (“Murmúrios Urgentes”, ed. Assírio &
Alvim), ao ouvir fado, escreve que a alma dos portugueses está nas canções que
canta. A sua alma onde está?
R. – Nas palavras, nas letras que
escrevo. Um pouco, também, nas melodias que, regra geral, são tristes.
P.
– Paixão e amor são duas coisas diferentes? Uma pode existir sem a outra?
R. – Uma pode existir sem a outra,
embora de forma não satisfatória. É uma pergunta interessante porque estou,
precisamente, a passar por um processo de separação. O meu casamento acabou e
tenho pensado sobre esse tipo de questões.
P.
– Sexo virtual?
R. – Existe, mas não é nada que eu
recomende. É sexo apenas com a mente. Como um jogo de vídeo. Ou pornografia.
P.
– Monica Lewinsky e Bill Clinton. Quem é a vítima e quem é o culpado?
R. – Oh, não! Para ser sincera,
penso que foram os dois uns idiotas. Talvez tenha sido ele a vítima… Se
considerarmos que ela lhe apareceu, logo ao primeiro encontro, vestida apenas
com roupa interior… Do que é que ela estava à espera? Por outro lado, ele
mostrou ser um homem que não se consegue controlar nesse género de questões… O
tratamento jornalístico dado ao caso é que foi completamente desapropriado,
fora de controlo. A vítima real acabou por ser Hillary Clinton.
P.
– Mário Soares, ex-presidente de Portugal, conhece e gosta da sua música. E Bill Clinton?
R. – Não deve ligar nenhuma, tem
outras coisas em que pensar, acredite! Mas sei, através de uma carta que recebi
de Tipper Gore, mulher do vice-presidente, que ela gosta imenso de “Luka” e
ainda ouve o meu segundo álbum, “Solitude Standing”.
P.
– Um crítico referiu-se a si uma vez como “a rapariga que tombou do paraíso”.
Agora que já conhece bem o planeta Terra, sente-se melhor aqui ou tenciona
voltar para o céu?
R. – A Terra é ok, já me habituei.
P.
– “O paraíso é um lugar onde nunca acontece nada”, escreveu David Byrne numa das suas canções. Concorda?
R. – Não penso assim. Seria
demasiado chato. A minha filha, de quatro anos, disse-me esta manhã que chegou
de Vénus (risos)…
P.
– “The girl from Ipanema” é uma das suas canções favoritas. Considera-se “The girl from New York”, como alguém já
lhe chamou?
R. – Claro! Adoro ouvir isso! Há
milhões de raparigas em Nova Iorque, quem é que não gostaria de ser encarado
como símbolo da cidade?
P.
– Com qual destas artistas gostaria de trabalhar: Laurie Anderson, Joni
Mitchell ou Rickie Lee Jones?
R. – Provavelmente, Laurie Anderson.
Gosto muito de Rickie Lee Jones, com quem já me encontrei em diversos
concertos. Mas com Laurie, sinto que somos compatíveis. Já foi minha vizinha e
tomei o pequeno-almoço várias vezes com ela. Tem uma personalidade
avassaladora. Mesmo quando está a falar de coisas simples, é uma pessoa
interessante de observar e de ouvir.
P.
– E dos homens: Stan Ridgway, Tom Waits ou Tim Buckley, se ainda fosse vivo?
R. – Stan Ridgway! É fantástico,
além de ser um excelente contador de histórias, os seus espetáculos têm uma
força impressionante. Assisti uma vez a um deles e fiquei completamente de
rastos. Tom Waits tem uma personalidade demasiado egocêntrica e carismática
para partilhar o palco com mais alguém.
P.
– Mitchell Froom (marido e produtor dos dois últimos álbuns da cantora, “99.9 Fº” e “Nine Objects of Desire”) mudou
mais a sua música ou a sua vida?
R. – Mudou ambas. E hoje mais do que
nunca por causa da nossa filha. Na música, ajudou-me a trazer à superfície algo
que já existia antes mas estava escondido, uma qualidade abrasiva e facetas de
alienação, de violência. Encontrou o som certo para as minhas palavras.
P.
– Philip Glass, no seu estatuto atual, capaz de escrever uma ópera todos os dias, é um génio ou um chato? Não precisa
de responder…
R. – Outra pergunta interessante,
sou fã dele, por isso claro que é um génio. Uma vez cometi o erro de levar o
flautista do grupo a um concerto dele. Não conseguiu suportar mais do que 15
minutos. Claro que às vezes poderia compor coisas com menos de duas horas de
duração… Um dos meus discos favoritos é “Mishima”. No ano passado assisti a um
concerto em que apresentou a sua versão de “Low”, de David Bowie. Achei
fantástico. Está cada vez melhor com a idade.
P.
– Gostou do modo como ele trabalhou as suas canções em “Songs from Liquid Days”?
R. – Na altura soaram-me um bocado
estranhas. Lembro-me de ter torcido o nariz e pensado que eu teria feito de
outra maneira. Mas não me competia a mim decidir.
P.
– Se conseguisse escapar ao fim do mundo que livro levaria consigo? Disco? Filme? Canção? E uma das suas canções?
R. – Livro: “O Monte dos Vendavais”,
de Emily Brontë. Disco: “The Songs of Leonard Cohen”, de Leonard Cohen. Filme:
teria que ser alegre o que é difícil já que tenho tendência para gostar de
filmes sombrios como “Repulsa”, de Roman Polanski. “Rebeca”, de Hitchcock,
também é bastante bom mas deprimente. Talvez “There’s no Business like
Showbusiness”, com Marilyn Monroe. Sim, levaria esse. Canção: “Walk on the wild
side”, de Lou Reed. Das minhas: “The queen and the soldier”, por qualquer
razão, as pessoas das mais diversas culturas parecem compreender e gostar dela.
Tornou-se ainda mais popular do que “Luka”.
P.
– Ainda vai ter tempo para gravar um novo álbum?
R. – Espero que sim. Mas vou ter que
andar depressa. É a maior “deadline” de sempre (risos). Espero ter todas as
canções prontas até Outono e fazer sair o disco na Primavera.
P.
– 99,9º graus Fahrenheit de febre. Que acontece quando se chega aos 100?
R. – Começa-se a alucinar. É quando
percebemos que estamos realmente doentes.
P.
– Uma das suas canções chama-se “Tired of Sleeping”, “cansada de dormir”. Alguma vez se sentiu cansada de estar
acordada?
R. – Constantemente! Apesar da
canção, nunca fico cansada de dormir. Quem me dera dormir mais! É algo que não
tenho feito nos últimos tempos. Desde que a minha filha nasceu, há quase cinco
anos, não consegui dormir duas noites seguidas.
P.
– Alguém lhe oferece uma fortuna para fazer um concerto só com versões instrumentais. Aceitaria o desafio?
R. – Não. Porque não teria muito
sucesso. Tudo o que existe de importante nas minhas canções está nas letras.
Seria um concerto chato e as pessoas pediriam de volta o dinheiro dos bilhetes.
Os organizadores iriam à falência e eu nunca mais poderia voltar a trabalhar.
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