SÁBADO, 20 MARÇO 1999 cultura
Ensemble JER apresenta música para instrumentos de plástico na ZDB
Clássicos para brincar
Teriam Ravel e Stravinski composto a sua música a pensar como soaria em instrumentos de plástico? Dúvida pertinente que José Eduardo Rocha e o seu Ensemble irão desfazer já esta noite, apresentando ao vivo as suas versões, em plástico. Em estreia absoluta, “Suite Transmontana” será mais uma chave de entrada “num universo novo”.
A regra principal do cómico é nunca se rir enquanto conta uma piada. Regra de ouro, seguida religiosamente por José Eduardo Rocha, mentor dos Ensemble JER, que hoje apresentam na Galeria Zé dos Bois (ZDB), em Lisboa, a sua mais recente coleção de peças musicais para instrumentos de plástico.
Não que estas peças – “Parodos” (da “Suite Romana” composta por JER o ano passado), “Área 2” (do Concerto para Violino, composto em 1931 por Igor Stravinski), o “Bolero” de Ravel e a “Suite Transmontana” composta, também o ano passado, por JER – se destinem a fazer rir. Pelo contrário, JER perspetiva o seu trabalho a partir de uma versão pessoalíssima de algumas premissas tidas, durante séculos, como irredutíveis, da música clássica erudita. E nem o facto de, pelo menos para o programa desta noite, apelidar o seu Ensemble de “Os Plásticos de Lisboa” (o naipe dos plásticos, em contraponto aos tradicionais naipes de metais, madeiras ou percussões...) atenua a sua postura de músico “sério” que apenas usa meios e uma pose enraizados no humor (Jacques Tati é um dos heróis de JER) para afirmar uma prática – a utilização de instrumentos de plástico e de brinquedo – que, acima de tudo, deita por terra as barreiras do preconceito.
“A questão está em reduzir vários períodos da história da música a um denominador comum que são os instrumentos de plástico”, explica o compositor para quem uma organeta Antonelli ou um saxofone Chicco e uma corneta comprada nos ciganos são realidades musicais distintas: “Se pensarmos em instrumentos populares das feiras, claro que a questão dos limites é mais premente e opressora, ainda que jogar com esses limites, com uma economia de meios, seja um dado fundamental no meu trabalho. Mas há instrumentos e instrumentos de plástico e eu tenho alargado o meu ‘staff’. Já tenho alguns com escala cromática”. Assim, uma das peças a apresentar esta noite, o “Bolero” de Ravel, terá as características de um manifesto. “Originalmente é quase uma tese para orquestra. Na minha transcrição é também uma tese, mas sobre os instrumentos de plástico”.
JER já vestiu os seus músicos de “vikings”, já fez a desmontagem da ópera wagneriana nessa monumental estátua à ironia que é “Volkswagner”, já abordou o tema menos elitista de todos para o erudito de casaca, em “Futebol”. No ano passado apresentou na Expo a sua “Sinfonia Náutica”, composição de fôlego que extravasa para fora dos limites do quarto de brinquedos. Esta noite, na Zé dos Bois, ele e o seu Ensemble apresentar-se-ão como mostram as fotos, como jaquetas vermelhas e cabeleiras postiças, numa sátira aos comportamentos do concertismo. JER “faz de” maestro.
“Suite Transmontana”, em estreia absoluta, constitui a peça de resistência, ou “gorda”, nas palavras do autor, desta noite. JER explica a sua génese: “As pessoas pensam logo em música popular, ou tradicional, ou num poema sinfónico do séc. XIX, nas aguarelas sonoras ou em impressões de viagem. Haverá, de facto, uma referência longínqua às ‘suites’ das “Viagens da Minha Terra”, do Fernando Lopes Graça, na medida em que são peças curtas, idiomáticas e aforísticas onde se refletem ideias universais, apesar dos quadros ou motivos serem regiões de Portugal”.
José Eduardo Rocha define a sua “Suite Transmontana” como “um ciclo de 7 danças/quadros que evocam uma viagem fabulosa”. Viagem por lugares e imagens míticas de Trás-os-Montes, através de sete movimentos. Mas em vez das previsíveis gaitas-de-foles (de plástico) JER optou por fazer “uma peça verdadeiramente contemporânea” embora “por uma ou outra questão temática ou motívica, haja uma vaga evocação de atmosferas folclorizantes, no sentido de folclore imaginário”. Depois de ter feito a “Sinfonia Náutica” para a Expo, JER foi descansar para Trás-os-Montes. “Vim inspirado”, declara o músico que nesta sua “suíte” procurou “experimentar, ao nível das percussões, todo o material que havia acumulado”.
Prestes a atingir o 10º aniversário da sua formação, o Ensemble JER prepara já os festejos para o ano 2000 que incluirão uma Missa do séc. XV, de Guillaume Dufay. “Em plásticos”. E uma sinfonia pimba. Mais concretamente, uma “Piccola Sinfonia Pimba”.
Tudo se resume, segundo JER, a “uma meta-arte, uma arte sobre a arte. O plástico é uma chave para entrar num universo novo”.
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