CULTURA
SEXTA-FEIRA,
19 OUT 2001
PORTO 2001 CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA
Laboratório de novas músicas
FESTIVAL CO-LAB ARRANCA HOJE
O regresso ao Porto do compositor
e guitarrista canadiano René Lussier será um dos pontos altos deste certame
dedicado à música experimental e improvisada. Oito dias para partir à
descoberta de sons surpreendentes
Tem hoje início no Teatro Latino, no Porto,
prosseguindo com concertos diários até ao próximo dia 27, o Co-Lab 2001,
Festival Internacional de Música Experimental/Improvisada. Quatro salas – além
da já citada, o auditório de Serralves, o pequeno auditório do Teatro Rivoli e
o café-concerto ESMAE – serão palco de concertos em que irão intervir alguns
intérpretes de exceção, portugueses e estrangeiros, das "novas
músicas" do mundo. René Lussier, que já esteve presente na edição do ano
passado do Co-Lab, apresentar-se-á a solo ao público portuense no dia 24, no
Rivoli.
Nome
de referência da música do Quebeque e da editora canadiana Ambiances
Magnétiques, René Lussier é um guitarrista próximo, no estilo, de Fred Frith,
facto a que não será alheia uma série de colaborações entre estes dois
guitarristas, nomeadamente em registo paródico, com os Les Quatre Guitaristes
de L'Apocalypso Bar ou, mais recentemente e num registo oposto, com o Guitar
Quartet, dirigido pelo próprio Frith, que há dois anos estiveram em Coimbra.
Defensor acérrimo da manutenção da língua francesa no Quebeque, e do seu
aproveitamento fonético no contexto da música contemporânea, René Lussier
abordou esta problemática numa série de álbuns, em particular, de forma mais
explícita e interventiva, em "Le Trésor de la Langue".
No
final dos anos 70, Lussier cultivou a estética progressiva e o rock de câmara
característicos da editora Recommended, inserido no coletivo Conventum, mas,
nas duas décadas seguintes, a sua música evoluiu transversalmente para o
"free rock", o jazz em formato Big Band ("Le Tour du Bloc",
com a N.O.W. Orchestra), desestruturalismos vários ao lado do manipulador de
gira-discos Martin Tétreault e dos Bruire, ou a improvisação pura e simples. Na
Ambiances Magnétiques, para onde também gravou o clássico "Fin du
Travail", destacam-se os seus trabalhos com outros dois guitarristas, os
seus compatriotas Robert-Marcel LePage e Jean Derome. Além do concerto, Lussier
dirigirá um "workshop" de música improvisada na ESMAE, de 25 a 27.
Mas o
Co-Lab será também fértil em encontros e surpresas musicais. O percussionista
francês Lê Quan Ninh abre hoje à noite o festival, em trio com Fabrice Charles
(trombone) e o dançarino japonês Yukiko Nakamura. Ninh é um dos maiores
improvisadores da atualidade, tendo tocado, entre outros, com Michel Doneda,
Danik Lazro, Gunter Muller e Butch Morris. Outro percussionista, Eddie Prévost,
lendário fundador dos seminais AMM, apresenta-se também em trio, com Tom Chant,
no saxofone, e John Edwards, no contrabaixo (Serralves, dia 21). Na véspera,
Prévost tocará com os Telectu, de Jorge Lima Barreto e Vítor Rua, em concerto
comemorativo dos 20 anos de carreira deste prolífico e, por vezes, polémico
grupo português. Ainda a 20, durante a tarde, no Teatro Latino, o jornalista e
crítico Rui Eduardo Paes orientará um seminário subordinado ao tema "Do
que falamos quando falamos de improvisação".
O
Trio Ethos (Frédéric Blondy, piano; Xavier Charles, clarinete; e David Chiesa,
contrabaixo), e os portugueses Albrecht Loops, guitarra, e Gustavo Costa,
percussão, actuam a 22, no Rivoli, estando esta sala reservada no dia seguinte
para o quarteto formado por Nuno Rebelo, Marco Franco, Vincent Peter e Philippe
Aubry. Ainda no Rivoli, no dia 25, improvisam John Butcher, no saxofone, e Phil
Durrant, eletrónica. De Butcher há quem diga que pode ser o sucessor do genial
anarquista Evan Parker. Durrant é o típico manipulador (em sintetizadores
analógicos, filtros, efeitos de "delay") de sons e linguagens,
estando conotado com a nova escola austríaca representada por Peter Rehberg e
Christian Fennesz.
Carlos
Zíngaro, o mais internacional dos músicos portugueses, e os suíços Voice Crack,
fecham em conjunto o Co-Lab 2001. Zíngaro com a sua fusão de violino e
sintetizadores, os suíços (Andy Guhl e Norbert Möslang) inteiramente
concentrados na produção de inusitados jogos eletrónicos. Os Voice Crack levam
para o palco "chips" de brinquedos e jogos de computador, células
fotovoltaicas acionadas pela luz de uma lanterna, transístores e comandos de
televisão modificados. Sintetizadores e computadores é que não. Adeptos das
"cracked-everyday electronics", consideram que os instrumentos eletrónicos
convencionais "não soam como devem", "têm um aspeto
aborrecido" e "são muito pesados de transportar". Dos livros que
tanto Zíngaro como os Voice Crack leem (John Cage, Ornette Coleman, Jimi
Hendrix, Pierre Schaffer, Pierre Henry...) poderá surgir uma história
inteiramente nova.
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