05/12/2016

Laboratório de novas músicas [Festival Co-Lab]

CULTURA
SEXTA-FEIRA, 19 OUT 2001

PORTO 2001 CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA

Laboratório de novas músicas

FESTIVAL CO-LAB ARRANCA HOJE

O regresso ao Porto do compositor e guitarrista canadiano René Lussier será um dos pontos altos deste certame dedicado à música experimental e improvisada. Oito dias para partir à descoberta de sons surpreendentes

Tem hoje início no Teatro Latino, no Porto, prosseguindo com concertos diários até ao próximo dia 27, o Co-Lab 2001, Festival Internacional de Música Experimental/Improvisada. Quatro salas – além da já citada, o auditório de Serralves, o pequeno auditório do Teatro Rivoli e o café-concerto ESMAE – serão palco de concertos em que irão intervir alguns intérpretes de exceção, portugueses e estrangeiros, das "novas músicas" do mundo. René Lussier, que já esteve presente na edição do ano passado do Co-Lab, apresentar-se-á a solo ao público portuense no dia 24, no Rivoli.
            Nome de referência da música do Quebeque e da editora canadiana Ambiances Magnétiques, René Lussier é um guitarrista próximo, no estilo, de Fred Frith, facto a que não será alheia uma série de colaborações entre estes dois guitarristas, nomeadamente em registo paródico, com os Les Quatre Guitaristes de L'Apocalypso Bar ou, mais recentemente e num registo oposto, com o Guitar Quartet, dirigido pelo próprio Frith, que há dois anos estiveram em Coimbra. Defensor acérrimo da manutenção da língua francesa no Quebeque, e do seu aproveitamento fonético no contexto da música contemporânea, René Lussier abordou esta problemática numa série de álbuns, em particular, de forma mais explícita e interventiva, em "Le Trésor de la Langue".
            No final dos anos 70, Lussier cultivou a estética progressiva e o rock de câmara característicos da editora Recommended, inserido no coletivo Conventum, mas, nas duas décadas seguintes, a sua música evoluiu transversalmente para o "free rock", o jazz em formato Big Band ("Le Tour du Bloc", com a N.O.W. Orchestra), desestruturalismos vários ao lado do manipulador de gira-discos Martin Tétreault e dos Bruire, ou a improvisação pura e simples. Na Ambiances Magnétiques, para onde também gravou o clássico "Fin du Travail", destacam-se os seus trabalhos com outros dois guitarristas, os seus compatriotas Robert-Marcel LePage e Jean Derome. Além do concerto, Lussier dirigirá um "workshop" de música improvisada na ESMAE, de 25 a 27.
            Mas o Co-Lab será também fértil em encontros e surpresas musicais. O percussionista francês Lê Quan Ninh abre hoje à noite o festival, em trio com Fabrice Charles (trombone) e o dançarino japonês Yukiko Nakamura. Ninh é um dos maiores improvisadores da atualidade, tendo tocado, entre outros, com Michel Doneda, Danik Lazro, Gunter Muller e Butch Morris. Outro percussionista, Eddie Prévost, lendário fundador dos seminais AMM, apresenta-se também em trio, com Tom Chant, no saxofone, e John Edwards, no contrabaixo (Serralves, dia 21). Na véspera, Prévost tocará com os Telectu, de Jorge Lima Barreto e Vítor Rua, em concerto comemorativo dos 20 anos de carreira deste prolífico e, por vezes, polémico grupo português. Ainda a 20, durante a tarde, no Teatro Latino, o jornalista e crítico Rui Eduardo Paes orientará um seminário subordinado ao tema "Do que falamos quando falamos de improvisação".
            O Trio Ethos (Frédéric Blondy, piano; Xavier Charles, clarinete; e David Chiesa, contrabaixo), e os portugueses Albrecht Loops, guitarra, e Gustavo Costa, percussão, actuam a 22, no Rivoli, estando esta sala reservada no dia seguinte para o quarteto formado por Nuno Rebelo, Marco Franco, Vincent Peter e Philippe Aubry. Ainda no Rivoli, no dia 25, improvisam John Butcher, no saxofone, e Phil Durrant, eletrónica. De Butcher há quem diga que pode ser o sucessor do genial anarquista Evan Parker. Durrant é o típico manipulador (em sintetizadores analógicos, filtros, efeitos de "delay") de sons e linguagens, estando conotado com a nova escola austríaca representada por Peter Rehberg e Christian Fennesz.
            Carlos Zíngaro, o mais internacional dos músicos portugueses, e os suíços Voice Crack, fecham em conjunto o Co-Lab 2001. Zíngaro com a sua fusão de violino e sintetizadores, os suíços (Andy Guhl e Norbert Möslang) inteiramente concentrados na produção de inusitados jogos eletrónicos. Os Voice Crack levam para o palco "chips" de brinquedos e jogos de computador, células fotovoltaicas acionadas pela luz de uma lanterna, transístores e comandos de televisão modificados. Sintetizadores e computadores é que não. Adeptos das "cracked-everyday electronics", consideram que os instrumentos eletrónicos convencionais "não soam como devem", "têm um aspeto aborrecido" e "são muito pesados de transportar". Dos livros que tanto Zíngaro como os Voice Crack leem (John Cage, Ornette Coleman, Jimi Hendrix, Pierre Schaffer, Pierre Henry...) poderá surgir uma história inteiramente nova.

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