Músicas
TRÊS TRISTES TIGRES CANTAM TEXTO
DE MARIA GABRIELA LLANSOL
O TEXTO SENTIDO
Cruzar as palavras com a música.
Animá-las com o fogo e a voz. Suspendê-las do abismo. No encontro de um texto
da escritora Maria Gabriela Llansol com a música dos Três Tristes Tigres.
Regina Guimarães explicou ao PÚBLICO o desafio que foi trabalhar e converter a
escrita "fulgurante" de Llansol num espetáculo ao vivo que convida à
sua leitura – "uma das derradeiras aventuras.
TRÊS TRISTES
TRIGUES. Não. Três Tistes Tigues. Perdão. Três Tristes Tigres. O nome desta
banda do Porto é difícil de pronunciar. A música não lhe fica atrás, ao
revelar, álbum após álbum (e já lá vão três, "Guia Espiritual",
"Tinta Invisível" e "Comum"), um território de difícil
acesso mas do qual, uma vez com ele familiarizados, é difícil sair. Para tornar
tudo ainda mais complicado, o próximo projeto dos TTT caminha numa via tão
repleta de perigos como saturada de luz: os textos lancinantes e animados pelo
fogo da escritora Maria Gabriela Llansol.
Llansol é a autora de obras como
"Os Pregos na Erva", "LisboaLeipzig" e "Um Falcão no
Punho". No mais recente dos seus livros, "Ardente Texto Joshua"
(Relógio de Água, 1998), é revelada a linguagem secreta cujo corpo se mostra ao
"atingir um espaço, (...) entre a consciência do texto e a consciência de
quem lê" (p. 62). Um texto que expõe, com violência, quem o lê, e a ele se
entrega, à nudez da sua natureza mais íntima. Telepatia. Loucura, talvez, em
não haver barreiras para tocar e nos proteger do que se esconde entre o que o
texto diz (com o fogo das palavras com que a escritora o animou) e o discurso
que nasce do não dito e se cristaliza nas grades da gramática. Loucura santa. A
gaia ciência nietzschiana da comunicação em direto com o transindividual, o sentido
puro, sentido livre.
Os Três Tristes Tigres aceitaram o
desafio e correram o risco. O risco de uma escuta ativa. E, como tal, perigosa.
Regina Guimarães, que habitualmente assina as letras cantados por Ana Deus nos
Três Tristes Tigres, optou pela adaptação de "Um Beijo Dado mais
Tarde", de Maria Gabriela Llansol (Rolim, 1991). É desse trabalho e desse
confronto com a escrita de Llansol que a autora de "Anelar, Mínimo" e
"Tutta" nos fala: "Tenho com ela uma relação íntima e antiga que
não passa por um conhecimento da pessoa.”
A ideia nasceu há um ano e meio por
iniciativa do Centro Cultural de Belém, que convidou o grupo a fazer um espetáculo
"que tivesse a ver com a literatura portuguesa contemporânea". Os TTT
propuseram o nome de Maria Gabriela Llansol. "Por muitíssimas
razões", segundo Regina Guimarães, para quem a escrita de Llansol
"ultrapassa em muito a esfera do estritamente literário". "O que
nela é extremamente forte e perturbante", diz, "é o próprio projeto
que envolve toda uma maneira de estar no mundo".
Regina Guimarães garante que o grupo
teve "vontade de mergulhar nos métodos" da escritora. Mergulharam
"com alguma dificuldade". Porque "entre a leitura-fruição e a
leitura que depois tem que servir de base à construção do espetáculo há uma
grande diferença". "Uma coisa é sermos leitores ávidos, outra coisa é
tentar partilhar com outras pessoas essa nossa vontade de devorar".
Regina Guimarães, que nos textos de
Llansol encontra "uma matéria muito visual e musical", tentou, por
outro lado, estabelecer com eles uma relação que "também fosse
reveladora" do trabalho dos TTT. "É um bocado partir do princípio de
que o texto nos conhece a nós e que o conhecimento dos outros que há em nós vem
por esse texto." Colocou-se, no entanto, um problema: "os textos da
Maria Gabriela Llansol são totalmente irresumíveis". "Não se
pretendia criar um avatar", explica Regina Guimarães, que, finalmente, trabalhou
a partir de uma perspetiva "muitíssimo fragmentária" do texto de
"Um Beijo Dado mais Tarde" – “porque era aquele que todos do grupo
conheciam". E aquele que para Regina Guimarães possui um "significado
muito especial": "Toca-me, em termos do que lá se conta acerca de uma
relação com o passado, com a infância e com a leitura." Foram escolhidos
os fragmentos que se revelaram "particularmente fulgurantes."
Ana Deus, vocalista dos TTT, vai dar
voz a este cruzamento onde se multiplicam os encontros, os desvios e até os
devaneios. "Há um trabalho de espelho e de sombra entre nós", afirma
Regina Guimarães. "Um vaivém já muito afinado, às vezes quase nem
precisamos de falar para nos entendermos.”
O espetáculo dos TTT com base nos
textos de "Um Beijo Dado mais Tarde" pretende então ser "um
convite à leitura dos textos da Maria Gabriela Llansol - o convite à leitura
como uma aventura, uma das derradeiras aventuras". "Gostávamos que
transparecesse a ideia de até que ponto a sua escrita é generosa. Se a pessoa
se entregar a essa aventura, ela deixa de parecer – como algumas pessoas a
apelidam – hermética.”
Depois dos concertos de Lisboa e do
Porto o espetáculo de fusão entre a música dos TTT e o texto-vivo de Maria
Gabriela Llansol deverá ser integrado no programa "Rotas", do
Ministério da Cultura, entrando em digressão por diversos pontos do país.
TRÊS TRISTES TIGRES
Lisboa
Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, 5ª, dia 20, e 6ª, 21, 21h30.
Porto Teatro
Rivoli, dia 25, 3ª, 21h30
sexta-feira,
14 Maio 1999
ARTES & ÓCIOS
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