CULTURA
DOMINGO, 10 JUN
2001
Muitos Sóis
e muitas Luas
Festival abre terça-feira e dura
até ao Outono, em Portugal, Itália, Espanha e Cabo Verde
165
espetáculos a ter lugar entre Junho e Novembro, 51 localidades, 13 câmaras
diretamente envolvidas no projeto. São estes os números do 9º festival Sete
Sóis Sete Luas, uma produção da Associazione Culturale Immagini que promove o
intercâmbio cultural entre o quadrilátero Portugal, Toscânia, Comunidade
Valenciana e Cabo Verde.
Como tem vindo a acontecer nos
últimos anos, o programa é diversificado, apresentando propostas aliciantes nas
áreas da música popular e tradicional, teatro de rua e cinema e, este ano, pela
primeira vez, a gastromia, equacionada na sua dimensão cultural (ver caixa).
Hevia, Xosé Manuel Budiño, Enzo
Gragnaniello, Riccardo Tesi & Patrick Vaillant, Jovanotti, Khaled, Mercedes
Péon, Sally Nyolo e Valentin Clastrier são os principais artistas estrangeiros
que irão atuar em Portugal nos próximos meses. No âmbito da Festa Europeia da
Música, entre 12 e 24 deste mês, em Santa Maria da Feira, e do ciclo "Mare
Nostrum", em Julho, Agosto e Setembro, no Algarve, mas também em concertos
singulares programados de Norte ao Sul do país.
O contingente português que se fará
representar este ano, em Julho, em Pontedera, na Toscana italiana, é
constituído por Camané, Lula Pena, Rodrigo Leão e Dona Rosa, aos quais se
juntarão o cabo-verdiano Bana, o Coro Odemira, a Orquestra de Ponte de Sor, um
grupo étnico de violas campaniças e os italianos Riccardo Tesi (para apresentar
um novo projeto centrado na "Toscana Minore"), Vox Populi, La Macina
e Fratelli Mancuso. Depois das presenças, no ano passado, de Mafalda Arnauth e
Cristina Branco, o fado continuará deste modo a marcar presença em Pontedera,
desta feita partilhado entre o tradicionalismo assumido até à medula por
Camané, autor de "Esta Coisa da Alma", e a panvisão de Lula Pena, que
revolucionou o canto fadista há dois anos com o álbum "Phados".
Rodrigo Leão levará ao cenário idílico de Villa Malaspina, em Montecastello, o
classicismo etéreo do seu novo "Alma Mater". Ainda em Pontedera
estará presente o poeta António Osório, que dará dois recitais da sua poesia, e
o cineasta Pedro Costa, para acompanhar a projeção do filme "No Quarto de
Vanda" e apresentar, em estreia, o documentário "Danièle Huillet,
Jean-Marie Straub".
Hevia (concerto único já no próximo
dia 15 em Sta. Maria da Feira) e Xosé Manuel Budiño (julho, em Portimão) são
dois dos mais tecnicistas e mediáticos gaiteiros da Espanha céltica, qualquer
deles apto a demonstrar como se combina o rock e a música tradicional, respetivamente
das Astúrias e da Galiza. Hevia vende milhões, irrita os puristas e usa uma
gaita-MIDI mas a verdade é que se torna difícil resistir ao balanço do seu novo
álbum, "Al Otro Lado". Budiño, na peugada de Carlos Nuñez, também
cedeu ao mainstream, mas o seu discurso na gaita galega continua a ser tão
inovador no novo "Arredor" como era no álbum de estreia,
"Paralaia".
Jovanotti (Julho, em Faro) e Enzo
Gragnaniello (Junho, na Feira) representam facetas distintas do canto de autor
italiano. O primeiro faz vibrar as multidões com a sua pop mascarada pela
irreverência do rap. O segundo, autor de uma canção, "O mar e tu",
cantada por Andrea Bocelli de parceria com Dulce Pontes, exige uma escuta mais
atenta.
E se a cantora dos Camarões, Sally
Noyo (Julho, em Oeiras) e o argelino Khaled, embaixador do "raï" mais
comercial, são ambos presenças VIP da world music, o acontecimento musical
destes Sete Sóis Sete Luas será uma série de concertos protagonizados por
Valentin Clastrier, o Hendrix da sanfona electro-acústica, herdeiro da
espiritualidade gnóstica dos cátaros, intérprete iluminado de uma música que
funde o séc. XXI na espiritualidade e ascese trovadorescas da Idade Média. Os dias
1, 3, 4, 5 e 6 de Outubro serão todos dias de S. Valentin em Portugal.
A área da folk traz ainda a Portugal
duas bandas a descobrir: os Ximbomba Atómica, das Ilhas Baleares (álbum,
notável, "Cabres de Plàstic") e os Muziga, da República Checa (a
ouvir, o sussurrante "Hej Lesem"). Interessantes são os Acetre, da Estremadura
espanhola, e menos interessantes os Whisky Trail. Para escutar os Barabàn e as
suas sonoridades célticas do Norte de Itália, será preciso viajar no dia 2 de
Novembro até à Ribeira Grande, em Cabo Verde.
Mas o Sete Sóis Sete Luas não se
esgota nestes concertos, sendo possível assistir ainda a espetáculos de Rão
Kyao, Simby (da Guiné Bissau, com Guto Pires, o guitarrista de jazz português,
"Dudas", dos Ficções, e Wye Sissoco, ligado aos Super Mama Djombo),
Canto Discanto (folk italiana), Mafalda Arnauth, Miguel Poveda (nova estrela do
flamenco) e Paranza di Somma Vesuviana (folk da região do Vesúvio).
A nova biblioteca de Santa Maria da
Feira receberá em Setembro o convénio "A Europa das Culturas", com a
presença do filósofo Gianni Vattimo, do escritor Francesco Alberoni e do
ensaísta Raimon Panikkar. Ainda na Feira, também em Setembro, decorrerá um
festival de teatro de rua com os grupos Sarruga, Aerial, Xarxa Teatre, Teatro
ao Largo, Transe Express, Generik Vapeur, Les Plasticiens Volants e Vesuvio
Teatro. Muitos sóis e muitas luas.
Bifes
de Dante
O Sete Sóis Sete Luas abre
oficialmente, de garfo e faca, na próxima terça-feira, no castelo de Santa
Maria da Feira, com a encenação (e degustação...) de uma refeição sagrada, com
a Compagnia del Teatro Lux di Pisa, o encenador Paolo Pierazzini e o cortador de
carne Dario Cecchini. O espetáculo, literalmente para meter o dente, chama-se
“Antica Macelleria Cecchini” e é uma iniciação aos prazeres da carne, que
implicará a transformação – não só estomacal... – dos assistentes. Cecchini, o
sublime talhante, trabalhará a carne o e espírito. Alquimista do bife, na
variante “chianina”, carne exclusiva da região de Chianti, limpa de priões
inoculadores de loucura bovina, Cecchini apresentará aos paladares o mítico
“Tonno chiantino”. A acompanhar, lerá excertos, os mais sanguinolentos, do
“Inferno”, de Dante Alighieri. A seu lado terá o “chefe” português Luís Soto
Mayor, da “Adega do Monhé”, em Santa Maria da Feira, que, a par da confeção
culinária, lerá por sua vez poemas de Álvaro Campos. Sangue e músculos do boi e
da vaca, poesia, música e teatro combinar-se-ão num cerimonial dionisíaco de
enchear a alma e a pança. “Experiência química, denâmica e de interação”, diz o
programa, será como “uma poção mágica cujos ingredientes são o olfato, a visão,
o ouvido e o paladar”, não uma ocasião de “consumo” mas de “transformação
interior” e de “convívio”. Convém ir de espírito aberto e estômago vazio.
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