CULTURA
TERÇA-FEIRA, 31 JUL 2001
Crítica
Música
Contra a
inflação, o fogo cigano
Carmen Linares, Taraf de Haidouks
Sines
Castelo. 27, 6ª, às 21h30
Andrea Marquee, David Murray,
“M’Bizo”,
Black Uhuru com Sly &Robbie
Sines
Castelo. 28, sáb., às 21h30.
Lotações
esgotadas.
Só um grupo com a vitalidade e o virtuosismo
dos Taraf de Haidouks (na foto) conseguiria
ultrapassar as dificuldades criadas pelo deficiente som que afetou a atuação do
grupo romeno na sexta-feira, segunda noite do festival Músicas do Mundo, que no
passado fim-de-semana decorreu em Sines. Nunca se ouviu o cymbalon, os violinos
faziam-se ouvir um de cada vez.
Mesmo assim,
e como sempre acontece nos espetáculos desta formação cigana, nada consegue suster
o vigor e o entusiasmo com que se entregam à música. Depois de começarem, não
há quem ou o que os faça parar. E se o som esteve mau, o público pouco ligou,
aderindo sem reservas ao virtuosismo e à velocidade, por vezes estonteante, com
que os Taraf de Haidouks transpõem para o palco de um festival as celebrações
dos batismos, casamentos e funerais de Clejani, aldeia da Valáquia, onde
habitualmente vivem.
Dançou-se e
saltou-se. Sob o impulso demoníaco dos violinos, do acordeão e da flauta. Os
Taraf de Haidouks fizeram o seu número sem ligarem às dificuldades técnicas. Tocaram
como fazem sempre, como se da música dependesse a sua sobrevivência. Dando
tudo. O Músicas do Mundo pode agradecer-lhes grande parte do êxito desta sua
terceira edição.
Além do som,
quem também não ajudou foi o “cameraman” a quem cabia a tarefa de filmar — para
projeção em tempo real nos dois ecrãs-gigantes que ladeavam o palco — os
músicos em ação. Quando solava com ardor um dos violinistas era vê-lo assestar
as lentes no acordeonista. Disparava o flautista num vórtice de velocidade,
chamando a si todas as atenções, logo a câmara se concentrava no acompanhamento
do cymbalon...
Antes,
Carmen Linares ofereceu com dignidade a faceta mais clássica do flamenco. Voz
velada, ligeiramente rouca, soltou as “soleás” e “alegrias” com a profundidade
e dádiva que o “cante jondo” exige. Carmen Linares, furacão de vestes, pés e
mãos esvoaçantes, atacou com paixão o estrado, dançando e sapateando na lide
contra e a favor da alma que é o flamenco.
Sábado,
último dia do Músicas no Mundo, dividia o cartaz por três atuações. Disposta a
derreter o frio, Andrea Marquee entrou primeiro. Mulata sensual, os requebros
do seu corpo impressionaram tanto ou mais que a voz. A autora de “Zumbi” mostrou,
pelo menos ao vivo, ser um poço de energia, dando por vezes a sensação de que
essa força poderia ser talvez menos lançada ao desbarato e mais canalizada para
a música propriamente dita.
Dos ritmos
nordestinos ao samba esfuziante, da Tropicália ao “trip hop”, Andrea
esganiçou-se e arrancou de si quase tudo o que tinha para dar. A voz, sempre
nos limites, descarrilou uma ou outra vez para fora do tom, mas dado o entusiasmo
colocado na função e a sensualidade da sua presença, a brasileira acabou por
ser uma das mais valias do festival. O público pediu mais mas não teve. Rui
Neves, apresentador de serviço, deu a justificação possível: Foi para “não
inflacionar a artista”.
Seguiu-se o
projeto “M’Bizo”, do saxofonista David Murray, e o som traiu uma vez mais o
desempenho dos músicos. Tudo se esqueceria à custa das duas horas prometidas de
reggae servidas pelas estrelas Black Uhuru na companhia de Sly Dunbar, na
bateria, e Robbie Shakespeare, no baixo. Os “riffs” de baixo (Shakespeare é, de
facto, um motor poderosíssimo...) sucederam-se, o “dub” fez eco nas dezenas de pessoas
que correram a sacudir-se mais de perto, para a boca de cena, tocou-se no hard
rock.
Porém, o
momento mágico aconteceu quando, cumprindo uma tradição do Músicas do Mundo, o fogo-de-artifício
explodiu no céu, ao mesmo tempo que os músicos mantinham um “riff” em suspensão,
também eles deslumbrados pelo momento. Mas a magia passou e as luzes apagaram-se
por fim. Uma vez mais sem “encore”. “Tiveram que se ir embora”, justificou Rui
Neves, despedindo-se até ao ano que vem: “Right on!”
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