CULTURA
QUINTA-FEIRA,
5 ABR 2001
Madredeus em movimento perpétuo
DOIS CICLOS DE CONCERTOS
O novo disco “Movimento” é a lapidação, cada vez mais depurada,
lenta e cuidadosa, do diamante Madredeus
A partir de
hoje e por mais cinco ocasiões — nos dias 6, 7, 12, 13 e 14, no Parque da Cidade
— o Porto vai movimentar-se ao som de “Movimento”, o novo álbum dos Madredeus,
nas lojas a partir do dia 9. Seguir-se-ão outras seis datas, em Lisboa, numa
tenda instalada por trás da Praça Sony, no Parque das Nações.
O movimento dos Madredeus persegue a
coincidência. Entre o exterior e o interior, o espírito e o gesto. Pedro Ayres
Magalhães escreve coisas simples sobre Portugal, porque Portugal é um país
simples. Querem fazê-lo europeu e complicado. Mas como os portugueses não
foram, não são, nem serão nunca espiritualmente europeus — a Europa fica ali,
nós estamos aqui; quando a Europa chegar à força até aqui, como aconteceu quando
vieram os franceses, no séc. XVIII, nós estaremos distraídos, a cismar, acolá —
a complicação é pior.
Outra palavra adequada à música e ao
corpo dos Madredeus: transparência. E claridade. Mesmo de noite — pode ser a
noite do fado — a luz da lua banha os sons e as palavras, afastando o medo. O
escuro dos Madredeus é uterino, como o da “Mãe Deus”, virgem simultaneamente branca
e negra. No seu regaço, “Movimento”, álbum mais recente da banda de Teresa
Salgueiro, Pedro Ayres Magalhães, Carlos Madredeus
em movimento
perpétuo Maria Trindade, José Peixoto e Fernando Júdice atravessa a fase de lua-nova.
Paradoxo: o movimento torna- se extático. A eternidade revelada na permanência
de Parménides. Olha-se, expectante, para o rio que corre. Das margens.
“Movimento” é a lapidação, cada vez
mais depurada, lenta e cuidadosa, do diamante Madredeus.
Entre a aceitação que a música do
grupo tem obtido no estrangeiro, com a consequente pressão de continuarem a dar
respostas à altura desse êxito, e a interiorização e o silêncio necessários
para que a criatividade se manifeste, os Madredeus respondem com a permanência
no caminho que, desde “Os Dias da Madredeus”, resolveram trilhar e que é só
deles: dar corpo e voz a um mito tão português como universal. “Movimento”, delicadamente
envolto em vestes “new age”, adornos árabes, capas negras do flamenco e do fado,
no seu recolhimento de música de câmara que pode ser festiva e popular,
apresenta, entre 16 novos temas à altura dos pergaminhos do grupo, cinco canções
tocadas pela graça: “Afinal — a minha canção”, “O labirinto parado” (talvez o seu
momento mais alto e uma boa metáfora sobre Portugal no seu estado atual), “O
segredo do futuro”, “Graça — a última ciência” e “Tarde, por favor”, suspensão
final de todo o movimento.
Lisboa vem depois
De um
concerto dos Madredeus, apesar da familiaridade com o grupo que o estrangeiro nos
ensinou a ter (é sempre assim, connosco…), espera-se que nos mova (a cada um,
seu movimento). Que nos dê ânimo (a cada um, o seu entusiasmo). Que nos embale
(a cada um, o seu sonho). Que nos comova (a cada um, a sua alma).
Será assim, nos seis espetáculos do
Porto. Será assim, a seguir, nos seis espetáculos em Lisboa. Será assim nos
territórios ocultos.
Os músicos estarão hieráticos em
palco. Como sempre. Formas matemáticas por cujas linhas e centro passam os
ventos, as águas, as chamas e as pedras do que nunca se sabe como nem o que
será. Eixos. Espadas. Vitrais. A voz de Teresa Salgueiro voará a lembrar-nos que
somos crianças feridas. As palavras de Pedro Ayres terão a eterna simplicidade do
indivisível que cada um deverá dividir e multiplicar dentro de si, milagre dos pães.
A música será o movimento. Já se faz ouvir.
Pedro Ayres Magalhães escreve sobre
coisas simples. Há muito, ou cada vez mais agora, esquecidas. O segredo de tudo
está em “O segredo do futuro”: “O segredo do futuro / é o amor / um amor
sublime e puro / o belo amor / só o amor / resolve tudo / Numa esperança
maior”. Não há nada mais simples. Nem mais difícil. Para se chegar ao centro do
labirinto (onde está dependurada uma espada), faz-se a travessia pela Graça, última
e gaia ciência, a do intelecto amoroso.
Os Madredeus são portugueses (estão
sempre ao mesmo tempo longe e perto, quer dizer, fora dele, do tempo). A música
dos Madredeus é portuguesa (canta-se como se fosse nossa desde que aprendemos a
cantar). Só falta Portugal.
MADREDEUS
Porto,
Parque da Cidade.
Hoje e dias
6, 7, 12, 13 e 14.
Às 21h30.
Bilhetes a 3000$00 e 5000$00
Lisboa,
Parque das Nações.
Dias 19, 20,
21, 24, 27 e 28.
Às 21h30.
Bilhetes a 3000$00 e 5000$00
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